Por que dizer não ao PL do estupro


17/06/2024


EM NOME DE DEUS?

Foto: Sérgio Lima/Poder 360

O Projeto de lei 1904/24, de autoria do Deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), acrescenta parágrafos aos artigos 124, 125, 126 e 128, do Código Penal em vigor, para introduzir o critério de “viabilidade fetal presumida em gestações de até 22 semanas”, e assim, extinguir o que o próprio Código Penal de 1940 excepcionou: o aborto em caso de estupro – o que se costuma chamar de “aborto legal”. O agravamento de pena, tal como proposto, vai na contramão das modernas reflexões sobre o direito penal, orientadas pelo princípio do respeito aos direitos humanos. Além do mais, a proposição afeta o direito à saúde e à dignidade de milhões de mulheres e meninas brasileiras, inclusive aquelas pertencentes às camadas mais desfavorecidas da população, com maior incidência sobre mulheres e meninas pretas.

Nos países onde o aborto não é criminalizado e onde o Estado oferece especial atenção à saúde e aos direitos reprodutivos das mulheres e meninas, os índices de abortamento são bem abaixo, em relação ao Brasil.

Desde 1940, o Código Penal prevê no artigo 124 pena de detenção de um a três anos para o aborto provocado pela mulher ou o consentimento a que outro o provoque. Para nós, mulheres, o aborto é questão de saúde, não de Código Penal. Desde os anos 80, o movimento feminista brasileiro vem postulando a descriminalização do aborto contida neste artigo.

O Artigo 128 não pune o aborto em duas hipóteses:
– se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
– se a gravidez decorre de estupro.

Note-se que as regras previstas no Código Penal em vigor não estabelecem prazo para a realização do aborto nas condições autorizadas.

Onde está então o requinte de crueldade da proposição do deputado evangélico? Está primeiramente na proposição de punir o aborto necessário que o Código Penal em vigor autoriza. E está também em negar este direito, nos casos em que a gravidez já conta mais de 22 semanas.

O Brasil até hoje não oferece à população feminina programas de educação sexual nas escolas e nas comunidades de baixa renda.

Agrava-se a situação em razão do estupro que acomete mulheres, jovens e meninas. No Brasil, é alta a incidência de estupros. Pelo visto, esta estatística não é considerada pela bancada que, em nome de Deus, fecha os olhos à violência sofrida por mulheres e meninas.

Comba Marques Porto – Advogada, feminista, mãe de quatro filhos e avó de oito netos.