PL 1904: um ponto no processo de violação de direitos humanos


24/06/2024


Por Jacqueline Pitanguy (*)

No Brasil o debate sobre o abortamento foi deslocado pela extrema-direita do âmbito dos direitos reprodutivos e da saúde pública ao qual pertence. Com o silêncio cúmplice de setores moderados que se calam por oportunismo e indiferença, este tema vem sendo manipulado por lideranças políticas e religiosas que utilizam vida e saúde de mulheres e meninas como moeda de troca eleitoral.

A menos valia das mulheres neste jogo politico foi escancarada com o PL 1904/24,que iguala o abortamento após 22 semanas a homicídio. Bastaram 23 segundos para este PL ser pautado, em regime de urgência, pelo presidente da
Câmara.

Entretanto esse PL não é um ponto fora da curva do avanço de inúmeros projetos, muitos já aprovados e, em nome de moral e costumes, são, na realidade, atentatórios aos direitos humanos. Falam em nome de Deus e de Cristo e violam os direitos à vida, à segurança, à dignidade humana e à justiça dos setores historicamente alijados do poder: mulheres, população pobre, negra, indígena, LGBTQI. Nesta persistente violação de direitos dos mais vulneráveis se insere o PL 1904, assim como a lei que criminaliza o usuário de drogas, e que levará à prisão, sobretudo, jovens negros; e a que propõe castração química de estupradores, entre vários outros atentados aos direitos que compõem o arsenal da extrema-direita no Congresso.

A reação expressiva de setores diversos da sociedade ao PL 1904 é um sinal de alerta para a necessidade de conter o extremismo religioso e, com nossa indignação cívica, proteger direitos adquiridos e pavimentar o caminho para avanços.

(*) Socióloga; Coordenadora da Cepi; e Pesquisadora Colaboradora do IEA instituto de Estudos Avançados da USP