Os 125 anos da primeira transmissão de rádio do mundo


16/07/2024


Por Hamilton Almeida, em Jornalistas & Companhia

− Toquem o Hino Nacional!

Estas foram as primeiras palavras pronunciadas há 125 anos – em 16 de julho de 1899 – pelo padre Roberto Landell de
Moura através do tubo de um estranho e engenhoso aparelho criado por ele.

O momento culminante do evento, cuidadosamente planejado e bem organizado pelo talentoso pároco da Capela Santa Cruz, no bairro de Santana, zona norte da cidade de São Paulo, paralisou por um instante o seleto grupo de convidados que se reunia emuma sala de aula do Colégio das Irmãs de São José, atual Elite Rede de Ensino − Santana.

O breve silêncio foi rompido pelos acordes da partitura composta em fá maior por Francisco Manoel da Silva, que saturaram os ares da instituição de ensino. A experiência deixou o privilegiado público atônito.

Na primeira fila daquela manhã um pouco fria, nublada, de domingo de inverno, estavam Antonio Francisco de Paula Souza, o fundador e diretor da Escola Politécnica de São Paulo (a Poli, da USP), e grandes empresários, como Gabriel Dias da Silva, diretor da Companhia Industrial de São Paulo, da Companhia Mac Hardy e da Companhia Rural de São Paulo, e Pedro Borges, sócio da Pedro Borges & Comp. e diretor da Companhia Viação Paulista. Também assistiram à inédita experiência J. Miranda, gerente da Companhia Telefônica, funcionários do Telégrafo Nacional, o engenheiro Torres Tibagy e repórteres dos jornais O Estado de S. Paulo, Correio Paulistano e O Commercio de São Paulo, entre outras pessoas cuja identificação o passar do tempo impede seja mais precisa, como Segismundo Bergen e d`Ottolini.
Augusto Barjona havia escrito no Estadão:

“Hoje, às 9 horas da manhã, no Colégio das Irmãs de São José, em Santana, realizar-se-á uma experiência de telefonia sem fios, com aparelhos inventados pelo Revmo. Padre Landell de Moura. A experiência versará sobre a telefonia aérea e subterrânea. O sr. Padre Landell de Moura, que convidou para este ato várias autoridades, homens de ciência e representantes da imprensa, fará uma preleção antes de proceder às experiências do seu invento.”

Sá Rocha registrou no Correio Paulistano:
“Realiza-se às 9 horas da manhã, no Alto de Santana, no colégio das irmãs de São José, uma curiosa experiência de telefonia sem fios. Agradecemos o convite que nos fez o Revmo. Padre Roberto Landell, e compareceremos a essa interessante experiência.”

O jornal monarquista O Commercio de São Paulo publicou a notícia com mais detalhes:
“A convite do Revmo. Padre Landell de Moura, fomos ontem ao colégio do Coração de Maria, em Santana, para assistirmos às experiências do telefone sem fio feitas por aquele sacerdote. Na janela de uma sala, no alto do edifício, tem o Padre Landell o aparelho, que consiste em um longo tubo, com receptores em cada uma das extremidades, por onde a voz é transmitida, ouvindo-se cantar a grande distância, o que se observa dentro da sala, ou fora dela, a qualquer distância, como tivemos ocasião de apreciar.”

As informações geradas pela mídia paulistana ganharam espaço em jornais da capital da jovem República. O Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, divulgou:
“O Padre Landell de Moura realiza no Colégio das irmãs de São José, no alto de Santana, uma experiência sobre telefonia sem fios, estando convidados para assisti-la diversas autoridades, homens de ciência e representantes da imprensa.”

A Imprensa, diário em que Ruy Barbosa era o redator chefe:
“No colégio das irmãs de São José do Alto de Santana, o Padre Landell de Moura fará uma experiência particular do aparelho de sua invenção destinado à telefonia sem fios.”

Por razões que não se pode explicar, O Estado de S. Paulo, o Correio Paulistano e os cariocas Jornal do Commercio e A Imprensa não divulgaram, no dia seguinte, os resultados do experimento. Mas o Jornal do Brasil, sim, certamente reproduzindo material recebido (e não publicado) de um dos veículos da mídia paulistana.

Embora curta, a notícia do JB foi significativa: “As experiências do telefone sem fios, de invenção do Padre Landell, tiveram bom êxito. Foram alcançados 3.800 metros. Este aparelho não pode ainda ter aplicação.”

Impressiona a conclusão apressada de quem redigiu esse texto. O que se quis dizer sobre que o invento não podia ter aplicação? Que não havia interessados em financiar o desenvolvimento da novidade? Parece certo que não se imaginava, nem por um lampejo, o grandioso futuro da mídia rádio.Também é certo que o descrédito já rondava as invenções do Padre Landell. Por linhas tortas, graças a um texto redigido pelo advogado e jornalista José Vieira Couto de Magalhães Sobrinho, que assinava as suas crônicas em O Commercio de São Paulo como Fabrício Pierrot, sabe-se de detalhes relevantes da experiência wireless, como as primeiras palavras ditas pelo mais primitivo aparelho de rádio do planeta!

Pierrot não assistiu ao evento, mas com o que ele ouviu do repórter do jornal aproveitou a oportunidade para ironizar e depreciar a difusão ocorrida entre a colina da rua Voluntários da Pátria e a Ponte Grande, que cruzava o então cristalino rio Tietê, onde se podia navegar e nadar. Hoje, no mesmo local, a Ponte das Bandeiras atravessa águas poluídas.

O mais provável é que o Padre Landell pediu para ser posicionado ali um gramofone, que era acionado manualmente por uma manivela, com um disco plano do Hino. Segundo Pierrot, o aparelho do padre inventor era “muito simples: consiste unicamente num longo tubo, com receptores em cada uma das extremidades”.

Ao relatar que “o ilustre sacerdote descobriu a pólvora, porque se já há telégrafo sem fios existe forçosamente telefone sem os ditos”, Pierrot partiu de uma premissa
totalmente equivocada. O tal telefone sem fios era uma novidade mundial! Não o sensibilizou nem a informação de que “o processo inventado pelo sr. Padre, de transmissão da voz a grande distância, independente de fios, é muito diferente do processo inventado por Marconi”.

As palavras enviadas pelo espaço no dia 16 de julho de 1899 pelo Padre Landell marcaram o início de um avanço
na comunicação sem fio que o mundo jamais havia visto. O uso da eletricidade revolucionou as comunicações desde a concepção pelo norte-americano Samuel Morse, em 1837, do telégrafo com fio.

Um novo salto foi dado em 1876 pelo escocês Graham Bell, ao colocar a voz em um invento que conhecemos muito bem, o telefone com fio. O italiano Guglielmo Marconi inaugurou a era wireless em 1895, quando transmitiu, pela primeira vez, sinais telegráficos, em código Morse (ponto etraço), à distância: o telégrafo sem fio ou radiotelegrafia.

A nova fronteira da ciência, portanto, dali em diante, passou a ser a transmissão da voz à distância sem fio, tal como havia ocorrido com o telefone diante do telégrafo. Era a vez da denominada “telefonia sem fio” ou radiotelefonia. Ou rádio, se queremos adotar o seu nome moderno.

O nascimento dessa tecnologia de ponta, no Brasil, não teve, entretanto, a repercussão merecida. E o pior é que
esse estigma se arrasta até os dias atuais. Quando se olha para um fato pretérito dessa magnitude parece incrível que tenha havido tanta indiferença a uma novidade que era esperada pela comunidade científica em escala planetária.

Uma segunda experiência pública, realizada com sucesso pelo padre cientista no ano seguinte, em 3 de junho de 1900 − fato ainda inédito −, atingiu uma distância de 8 km em linha reta: ligou o Colégio Santana à Avenida Paulista, onde, recentemente, foi inaugurado o Boulevar do Rádio, que não faz menção ao verdadeiro inventor do rádio.

O sacerdote gaúcho de Porto Alegre amargou ainda a destruição dos seus aparelhos por um grupo de “fiéis católicos” que acreditava que “o padre falava com o demônio” e não com alguém em carne e osso, na outra ponta de um equipamento de emissão/recepção.

Mesmo patenteando o rádio no Brasil (1901) e nos Estados Unidos (1904), o pioneiro brasileiro das telecomunicações nunca conseguiu comercializar a sua invenção. Um pedido de recursos para o que seria a industrialização inicial do rádio no País foi encaminhado à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no final de 1905, e rejeitado seis meses depois sem explicações.

Além do rádio, Padre Landell projetou a televisão décadas antes dos demais cientistas. Não chegou à fase experimental porque lhe faltaram recursos para tanto.

O homem genial, que viu o futuro, foi ignorado no passado e é relativamente pouco conhecido no presente porque a sua obra científica não circula nas escolas como deveria ser.

Cabe citar o estoico imperador romano Marcus Aurelius (161-180): Aquele que comete injustiças é ímpio.

Para o presidente da ABI, Octávio Costa, “O jornalismo deve muito do seu desenvolvimento ao rádio. E o rádio tem uma eterna dívida de gratidão com aquele que o inventou e que para nosso orgulho foi Landell de Moura ou simplesmente Padre Landell, em terras brasileiras. Recordar e reverenciar os 125 anos da primeira transmissão de voz e música por ondas de rádio da história da humanidade é fazer justiça a esse cientista, que infelizmente morreu no ostracismo e que, mesmo hoje, ainda é pouco reconhecido pelo povo brasileiro. Lutar por seu reconhecimento é
lutar pela ciência e pelos cientistas brasileiros. Viva Landell de Moura!”

“A tragédia vivida no sul do País revelou não apenas a incúria dos governantes gaúchos, incapazes de proteger suas cidades e seu povo, mas mostrou também a importância da comunicação na luta para mitigar os efeitos da catástrofe. Nesse cenário, um velho ator voltou ao palco: o rádio de pilha. Com a água invadindo ruas e casas, com a energia elétrica cortada por muitas horas, coube a esse antigo companheiro de várias gerações orientar os flagelados e aqueles que buscavam socorrê-los. Era a reafirmação da importância do rádio ainda hoje, vivo e atuante, em meio às mais variadas parafernálias tecnológicas. E não só em momentos dramáticos. Está presente, por exemplo, no dia a dia dos povos ribeirinhos da Amazônia e nos automóveis rodando por ruas e estradas. Esse é o legado inestimável deixado pelo Padre Landell de Moura, o brasileiro inventor do rádio, merecedor de lembrança e reconhecimento perenes”, acrescenta o conselheiro da ABI, Laurindo Lalo Leal Filho.