Entre Luiz Gama e Vini Jr, legados estruturantes na resistência


21/06/2024


Por Luis Paulo Lima – Diretor de Igualdade Racial da ABI

“… os grandes homens não são do passado, nem serão jamais do futuro, pertencem à eternidade…” – Marco Antônio Monteiro

Até pouco tempo atrás era raro mas não impossível de imaginar, que entre 170 anos de histórias ancestrais somadas às cotidianas, pudéssemos reunir em um artigo, registros icônicos e similares na trajetória de vida de dois personagens negros brasileiros de gerações distintas com o mesmo propósito, o de lutar sem trégua contra o racismo, pelos Direitos Civis e a defesa incondicional do Estado Democrático de Direito.

Do ponto de vista histórico, o racismo veio acoplado ao trafico transatlântico de escravizados, baseado na construção capital da segregação racial de indivíduos, somando-se ao apoio de Instituições científicas, teses geradas por cientistas brancos europeus que transformaram seus conhecimentos em doutrinas raciais.

O racismo se apresenta na forma estrutural e sistêmico no mundo. Por conta dessas metodologias aplicadas nos movimentos de massa religiosos como também nas arquibancadas de campos de futebol. Como afirmou o sociólogo, jornalista e professor Muniz Sodré em uma entrevista concedida este ano à Folha de SP:
– Se o racismo fosse só estrutural ele já tinha sido derrotado por conta da antiguidade do Movimento Negro – afirmou.

Na cultura liberal, por exemplo, o racismo se infiltra ao processo histórico que modela as sociedades até os dias de hoje. Teóricos do liberalismo como John Locke e Adam Smith, entre outros, foram a favor do racismo. Alguns tinham escravizados como propriedade pessoal. Por mais que aspiramos debater e combater essas violências, sabemos que os silêncios nos tornam corresponsáveis por essas “patologias civilizatórias” que insistem em permanecer em lugares e momentos muito bem escolhidos cumprindo as metas do plano estratégico pré-elaborado.

Essas “incivilidades” tão características da vida humana apontam para uma crise mundial do sistema capitalista. Uma crise cujo os resultados ainda são imprevisíveis, tanto na esfera regional quanto global.

Nenhum coletivo de pessoas e tão pouco indivíduos autônomos se submete com naturalidade a qualquer tipo de opressão em qualquer lugar do planeta. Sempre haverá resistências.

O que existe em comum e como incluir Luiz Gama e Vini Jr, esses dois personagens neste complexo tema da atualidade mundial?

Luiz Gonzaga Pinto da Gama, nasceu livre em 21 de junho de 1830, há 194 anos, foi vendido pelo pai como escravizado aos 10 anos de idade, comprou sua alforria e como autodidata se engajou na luta abolicionista e foi jornalista, escritor, advogado e contemptor (o que despreza as falsas elites).

Vinicius José Paixão de Oliveira Jr., nasceu livre em São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro, em 12 de julho de 2000, descendente de uma família estruturada, talentoso, hoje jogador do Real Madrid, na Espanha, onde foi vítima de insultos racistas, mas reagiu identificando seus agressores que acabam de ser punidos pela justiça espanhola.

O livro Lições de Resistência, organizado pela professora Ligia Fonseca Ferreira, do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo traz artigo de Luiz Gama publicados na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, trabalho esse resultado de 22 anos de pesquisa e que serviu de base para a tese de doutorado dela na Universidade de Sorbone no Brasil.

No prefacio de Lições de Resistência, o filósofo e sociólogo Danilo dos Santos de Miranda contextualiza o tema que estamos tratando nos movimentos pendulares da história, com suas alternadas orientações políticas, sociais, econômicas ou culturais, a liberdade como um direito a ser conquistado de que perdura até hoje.

Luiz Gama e Vini Jr são os melhores exemplos atuais de enfrentamento na luta antirracista. “Resistir e não se acovardar”. São dois militantes que, cada qual ao seu tempo colocaram o seu oficio e a sua arte como ferramenta de política de ação contra o racismo.

Luiz Gama durante sua vida, destacou entre os vários alvos, o ataque a dois grupos que, segundo ele, mais atuaram para legitimar o modelo escravista negro: os coléricos e os magistrados.

Vini Junior investe na educação, no conhecimento. Hoje o sonho desse jovem de 23 anos já e uma realidade, através do Instituto que leva o seu nome e apoia, em todo país, escolas públicas do ensino fundamental, com a implantação de uma metodologia de ensino e aprendizagem que utiliza o futebol como ferramenta de transmissão das disciplinas nessa fase escolar.

Luiz Gama é sinônimo de resistência marcada por uma luta direta contra a escravidão, utilizando o conhecimento jurídico e a escrita para desafiar o sistema opressor.

Vini Jr. simboliza a resistência na arena do esporte, onde denuncia publicamente o racismo e usa sua fama para promover mudanças sociais.

Ambos exemplificam a resistência contra a discriminação racial em suas respectivas eras, contribuindo significativamente para a luta por justiça e igualdade no Brasil.