“Cursar jornalismo me abriu uma visão crítica: aprendi o que era ser negro”


08/07/2024


Por Sergio Tulio Caldas (*)

60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial. A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros. A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo. Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente.
(Abertura da música “Capítulo 4, Versículo 3”, Racionais MC’s)

Por volta dos seus poucos 10 anos de idade, o garoto Luis Fernando Filho, que tinha nas ruas empoeiradas do humilde bairro João de Barro, periferia de São Gabriel (RS), seus únicos locais para jogar bola e brincar, ouviu pela primeira vez a mensagem do hip-hop nacional. Mais do que a batida sincopada do rap, que como magia fazia o corpo balançar, foram as rimas faladas e enérgicas dos Racionais que tocaram a alma do guri. “Foi quando me despertei. Era uma época em que a gente não se autoafirmava como preto. Entendi que muitas coisas faziam sentido: a discriminação por causa da cor da pele, por causa do lugar onde eu morava”.

As letras dos grupos de rap que o menino aprendeu a gostar não narravam apenas as tragédias das periferias que o Brasil virava as costas. Especialmente exaltavam a afirmação e o orgulho negro.

Ainda pequeno, Luis Fernando, estava naquele momento a construir o perfil do jovem jornalista que é hoje: um profissional, um cidadão acima de tudo, como gosta de enfatizar, que confronta o racismo e as violências sociais na vida diária. Que abraça atitudes antirracistas porque são elas o caminho para as mudanças necessárias no Brasil, como ele defende.

Como a vida de muitos jovens que crescem nas periferias carentes do País, a de Luis Fernando igualmente se desenrolou com dificuldades. Teve que fazer os primeiros anos da escola longe de casa, ficar na casa das tias enquanto a mãe e o pai corriam atrás do ganha pão. Depois, precisou se afastar da família e mudar de cidade para ingressar na Universidade Federal de Santa Maria. E então, viver ainda mais na dureza, dormir em moradias estudantis. Tanto esforço porque tinha um sonho: cursar jornalismo, aprender a se comunicar para beneficiar outras pessoas.

Na universidade, começou a se defrontar com questões que não estava acostumado a refletir com profundidade. “Aprendi o que era ser negro no Brasil, o que era ser negro no mundo. O curso de jornalismo me abriu uma visão crítica, me ajudou a me formar como pessoa, com referencias culturais e dos movimentos negros e suas lutas”.

Em 2018, ano em que se formaria, surgiu a oportunidade de entrar em um concurso de textos para ser repórter do Torcedores.com, site dedicado aos esportes. Surpresa: um dia, o celular tocou e do outro lado da chamada de vídeo estava o Mauro Beting, um dos mais respeitados jornalistas de esportes do País, informando que ele tinha passado no teste.

A vida de Luis Fernando deu um giro. Da produção de um podcast sobre futebol africano, uma novidade e tanto na área esportiva no Brasil, ele embarcou em uma longa viagem de ônibus e se mandou para o Rio de Janeiro. Na cidade, no início nem tão maravilhosa, passou perrengues durante a pandemia, fez bico de garçom, pensou em largar tudo e voltar para o Sul. Seu sonho, porém, não podia ser abandonado. É sobre sonhos, combate ao racismo e entendimentos da vida e da profissão o depoimento de Luis Fernando Filho. A bola está em jogo. Um jogo bom de se ver, exemplar, que segue embalado pelos Racionais. E pelo olhar idealista desse jovem jornalista.

É necessário sempre acreditar que o sonho é possível

Que o céu é o limite e você, truta, é imbatível
Corrida hoje / Vitória amanhã
Nunca esqueça disso, irmão
Acreditar e sonhar
(A vida é um desafio / Racionais MC’s)

O relato do jornalista Luis Fernando Filho é o oitavo programa da série Acervo Jornalista Gustavo de Lacerda que vai ao ar, na terça-feira, 9/7, às 11h, no canal ABI TV no Youtube – https://youtu.be/sn_BoWJbDqY – um programa da diretoria de Igualdade Étnico-Racial da Associação Brasileira de Imprensa, liderada pelo jornalista Luiz Paulo Lima e do Departamento de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio -, representado pelos professores Mauro Silveira e Carlos Alves. Esta série vem preencher uma lacuna crucial na preservação da memória e da história da imprensa negra no Brasil e, ao mesmo tempo destacar a importância da diversidade étnico-racial no jornalismo.

Conheça, curta, compartilhe e deixe o like em outros programas do Acervo Jornalista Gustavo de Lacerda:
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(*) jornalista, integra a diretoria de Igualdade Étnico-Racial da ABI.