O Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação repudia veementemente o Projeto de Resolução nº 932/2021, que entrou nesta semana para a pauta de discussões da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) e que busca conceder o prêmio “Construtor da Paz” ao 1º Batalhão de Polícia do Exército. O prêmio tem o objetivo de reconhecer e valorizar órgãos que atuem “em prol da cultura da paz e na organização da sociedade contra todas as formas de violência”.
Localizado na Rua Barão de Mesquita nº 425, o local serviu, durante a ditadura-militar (1964-1985) como sede do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do 1º Exército. O DOI-CODI foi palco de gravíssimas violações aos direitos humanos, tais como torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados. Dentre os crimes cometidos por agentes do Estado no DOI-CODI estão o assassinato sob tortura de Rubens Paiva, ex-deputado federal, e o desaparecimento forçado de Mario Alves.
A utilização do espaço para a prática de crimes contra a humanidade é largamente comprovada por centenas de testemunhos, não apenas de vítimas e familiares, mas também de agentes do Estado que reconhecem que o local teve essa funcionalidade durante a década de 1970. O Major do Corpo de Bombeiros Valter Jacarandá, por exemplo, em audiência pública realizada na própria ALERJ acerca do caso de Mario Alves, confirmou em depoimento à Comissão Estadual da Verdade que no local havia a prática de tortura, com o uso de instrumentos como o pau-de-arara e o choque elétrico.
As graves violações aos direitos humanos cometidas no local foram amplamente atestadas pela Comissão Nacional da Verdade e pela Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro a partir desse conjunto de depoimentos e de outras provas documentais. Diversos casos de assassinatos ocorridos no local são objeto ações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF).
É de se ressaltar que em 2013 o Ministério Público Federal apresentou ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) um pedido de tombamento do prédio. De acordo com o MPF, tal medida busca combater o “negacionismo” e o “silenciamento” e fomentar uma consciência crítica sobre as graves violações aos direitos humanos, tendo em vista a busca da garantia da não-repetição das violências. Em 2014, uma estátua em homenagem a Rubens Paiva foi inaugurada na praça em frente ao Batalhão.
Esse conjunto de medidas atestam que é de largo conhecimento, da sociedade e do poder público, que aquele foi um espaço que serviu para fomentar a violência, o ódio, o horror e a tortura – tudo, menos a paz. Nesse sentido, caso aprove esta homenagem, a ALERJ estará se posicionando de forma contrária à consciência cidadã que busca construir caminhos para a efetiva e duradoura paz, que só pode existir diante do reconhecimento e da memória social, da garantia da justiça e da reparação, da interrupção e não-repetição das sistemáticas violações de direitos humanos.
Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 2023.
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O Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação é uma organização de direitos humanos que reúne ex-presos políticos, familiares de mortos e desaparecidos políticos e ativistas. Desde 2011 luta pela efetivação dos direitos à memória, à verdade, à reparação e à justiça em relação a todas as formas de violência de Estado.