16/12/2023
Por Luís Nassif, em GCN
Ao contrário das interpretações tortas de Ronaldo Bôscoli – assimiladas por Rui Castro em seu livro -, a bossa nova foi um movimento de afirmação cultural brasileira, não um corpo estranho que surgiu apenas das dobras do jazz.
Depois de Tom Jobim, a morte de Carlos Lyra leva o penúltimo do trio de ouro da bossa-nova. Resta o terceiro, Roberto Menescal, ainda em plena atividade.
Lyra sempre se recusou a ser enquadrado como bossa-novista. Ele fazia samba. Em certo período, mantive uma polëmica com um grupo da Filosofia da USP que teimava em ter o monopólio da interpretação sobre bossa nova, enquadrando tudo em um movimento que não era um novo gênero musical, mas uma jogada de marketing em cima da evolução natural da música brasileira. Mas tratavam a bossa-nova como um corte para o início da música brasileira moderna.
Aproveitei uma viagem ao Rio de Janeiro e fui visitar Carlos Lyra. Ele riu da interpretação de que “Minha Namorada” fosse bossa-nova: era um samba canção. Lembrou-se de “Maria Ninguém” – que encantou a primeira-dama norte-americana Jackie Kennedy, em uma apresentação de Lira na Casa Branca – um samba-choro.
Enfim, Lyra bebeu em todas as pontes erguidas por João Gilberto, ligando o samba sincopado e o samba choro dos anos 40 com as novas harmonias trazidas por Johnny Alf e Anibal Augusto Sardinha.
Seu início na música foi em 1957, quando começou a compor em parceria com Menescal em uam das mais belas canções românticas brasileiras, “Coisa mais linda”, gravada por João Gilberto em seu álbum de estreia.
Com o tempo, Lyra tornou-se um ativista das raízes do samba. Seu “Influência do jazz” foi um desses brados de volta às raízes. Aqui, em uma interpretação de Lenny Andrade.
Contribuiu para esse ativismo de Lyra seu período de fundador do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, em 1961. Na ditadura precisou se exilar no México, onde ficou por dois anos.
A última vez que o vi foi na comemoração dos 80 anos, quando mereceu uma apresentação de gala no Teatro Municipal, seguido de um jantar na casa do amigo e patrocinador, Walter Appel. Lá, reunida, toda a bossa nova paulista, saudando uma de suas referências maiores.
Ao contrário das interpretações tortas de Ronaldo Bôscoli – assimiladas por Rui Castro em seu livro -, a bossa nova foi um movimento de afirmação cultural brasileira, não um corpo estranho que surgiu apenas das dobras do jazz. Nos anos 50 começava a internacionalização do Brasil e, sobre as raízes da bossa nova, fincou-se um dos pilares da brasilidade, a música que sai do samba-canção, do samba-choro, passa pelos bossa novistas, estende-se por Baden Powell, depois por Edu, Chico, Gil, Caetano, Milton, João Bosco. E o último suspiro de um Rio de Janeiro que já não mais há.