GT que investiga assassinato de Rubens Paiva ouve depoimento de jornalistas na ABI


13/10/2024


Por Marcelo Auler, conselheiro da ABI

Integrantes da mesa da direita para esquerda: Conselheiro Carlos Nicodemos Oliveira Silva, Coordenador da Comissão de Litigância Estratégica do CNDH; Relator Especial André Carneiro Leão, Vice-presidente de Conselho Nacional dos Direitos Humanos- CNDH; Octavio Costa, Presidente da ABI e Presidente Interino do Conselho Estadual de Defesa dis Direitos Humanos; Vera Durão, Integrante da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro – CEV- Rio; Álvaro Caldas, Integrante da CEV-Rio

Durante duas horas na tarde da segunda-feira (07/10) o Grupo de Trabalho do Conselho de Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) que está encarregado de reabrir o antigo Processo nº 7450/71, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) – no qual se investiga as torturas e o assassinato do ex-deputado Federal Rubens Beyrodt Paiva pela ditadura militar, em 1971 – esteve na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) ouvindo o depoimento de quatro jornalistas, sócios da entidade.

O Grupo de Trabalho (GT) surgiu em junho, a partir da decisão do Conselho de Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) – que hoje substitui o extinto CDDPH -, em abril, de desarquivar o Processo nº 7450/71. Ao GT caberá a instrução do processo e elaboração de Relatório Especial no Caso Rubens Paiva.

A comitiva do CNDH, presidida por André Carneiro Leão e com a participação do advogado Carlos Nicodemos Oliveira Silva, Leonardo Fetter da Silva, de Marcelo de Almeida Mayernyik e Rafael Luiz Feliciano da Costa Schincariol, esteve na sede da ABI visitando o histórico prédio considerado “ícone no enfrentamento a ditadura”.
Também fez uma roda de conversas da qual participaram o presidente da entidade, Octávio Costa, e os sócios Álvaro Machado Caldas, Vera Ligia Huebra Neto Saavedra Durão (que foram membros da Comissão Estadual da Verdade, do Rio de Janeiro, entre 2013 e 2014 e foram torturados no Quartel da Barão de Mesquita), e Marcelo Auler que também assessorou a CEV-RJ.

Foi pedido por Alvaro Caldas e pelo presidente da ABI, Octávio Costa, o tombamento do quartel da PE da Rua Barão de Mesquita, que foi centro de torturas durante a ditadura militar. Lá foram assassinados Rubens Paiva e Mario Alves, entre outros.

Também participou da audiência o músico Leo Alves, que é neto do militante comunista Mário Alves e dirigente da Coalizão Brasil Memória Verdade Justiça Reparação e Democracia. Ao fim do encontro, Octavio Costa levou os membros da missão do CNDH ao saguão do nono andar da ABI onde tiraram fotos com Leo Alves ao lado da placa em memória de seu avô, que foi assassinado sob tortura no quartel da PE na rua Barão de Mesquita”.

Desaparecimento de Paiva

Paiva foi empossado deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de São Paulo em 1963. No parlamento, como vice-líder da legenda teve destacado papel na vice-presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a ação ilegal e golpista do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), financiada por empresários e pelo governo-norte americano. Com isso, oito dias depois do golpe militar, em 09 de abril de 1964, foi cassado.

Em 20 de janeiro de 1971, por ter recebido carta de exilados brasileiros que estavam no Chile, Paiva – então um pacato engenheiro – foi seqüestrado por agentes do Centro de Informações da Aeronáutica (CISA). Foi levado para o 3º Comando Aéreo e, posteriormente, para o DOI-CODI, que funcionava no quartel da Polícia do Exército na Rua Barão de Mesquita. Nos dois locais ele foi desrespeitado, humilhado e torturado até a morte. Morreu, sob tortura, com o fígado estraçalhado e hemorragia interna, como descreve o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade do Rio (CEV-RJ).

Seu corpo jamais apareceu e pela versão oficial divulgada pelo então Ministério do Exército e pelo governo ditatorial da época, ele teria sido seqüestrado na madrugada do dia 22 de janeiro de 1971, momento em que supostamente estaria sendo conduzido em um Volkswagen, com um capitão em dois cabos do Exército, no Alto da Boa Vista, na Tijuca.

Sua esposa, Eunice Paiva – que também chegou a ser conduzida com uma filha ao quartel da PE um dia depois da prisão do marido – sempre tentou buscar informações sobre o desaparecimento do ex-deputado. Um processo chegou a ser no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), naquele mesmo ano, mas foi logo arquivado pelo governo militar. Ao reabrir agora esse processo, o Grupo de Trabalho do CNDH está juntando informações.

Fritz Utzeri e Heraldo Dias derrubaram farsa

Nas conversas com os representantes do CNDH, os jornalistas explicaram que os primeiros a mostrarem a falsidade da versão do sequestro de Paiva que o Exército apresentava foram os já falecidos repórteres Fritz Utzeri e Heraldo Dias, em memorável trabalho jornalístico publicado no Caderno Especial de Domingo do Jornal do Brasil, em 1978.

O trabalho desenvolvido pela CEV-RJ avançou a partir do momento em que após dez meses de conversa telefônica, Auler visitou o então coronel reformado Raymundo Ronaldo Campos. Pela versão oficial, divulgada durante 43 anos, o ainda capitão Ronaldo Campos, estava com Paiva quando do suposto sequestro. Tendo como base a reportagem de Fritz e Heraldo, na tarde de 18 de novembro de 2013, Auler mostrou ao já coronel reformado que por conta do registro do sequestro ele entrou na História como um dos responsáveis pelo desaparecimento do ex-deputado.

Quase como um desabafo, Ronaldo Campos acabou admitindo que jamais estivesse com Paiva, vivo ou morto. Em depoimento gravado e depois digitado e assinado já na presença do então presidente da CEV-RJ, Wadih Damous, o militar reformado confessou que a história do sequestro foi uma farsa, criada a mando do major Francisco Demiurgo Santos Cardoso, então chefe do setor de operações daquele plantão. Eles precisavam justificar o desaparecimento do ex-deputado que morreu sob tortura na noite do dia 21 de janeiro, nas dependências do Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), dentro do quartel da Polícia do Exército, na Tijuca, Rio de Janeiro.

A CEV-RJ conseguiu descobrir ainda que o corpo de Paiva foi enterrado e desenterrado em dois lugares distintos – Alto da Boa Vista e praia da Barra da Tijuca – para, finalmente, depois ser jogado em um rio, provavelmente no rio Piabanha, em Itaipava, região serrana do Rio de Janeiro. O Piabanha deságua no Rio Paraíba que corre em direção ao oceano Atlântico.

A revelação do destino dos restos mortais foi feita pelo coronel reformado do exército Paulo Malhães – torturador e assassino confesso – que ele deu a Auler e à advogada Nadine Borges, também da CEV-RJ, em março de 2014, poucos meses antes de ser assassinado na sua casa, supostamente ao reagir a um assalto.

Encontros do GT no Rio

Na missão no Rio de Janeiro iniciada na segunda-feira (09/10), o Grupo de Trabalho do CNDH visitou as duas unidades militares por onde Paiva passou após ser preso em janeiro de 1971: a sede do antigo Quartel da 3ª Zona Aérea, no Terceiro Comando Aéreo Regional – III COMAR (3ª Zona Aérea), no Centro da cidade; e o antigo DOI-CODI, no quartel do Batalhão de Polícia do Exército – 1º BPE, na Tijuca.

O Grupo reuniu-se na segunda-feira com o procurador da República Sérgio Gardenghi Suiama (Procurador da República no Ministério Público) que foi responsável pela Ação Criminal impetrada para responsabilizar os oficiais envolvidos no assassinato de Paiva. O processo encontra-se parado por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Na terça-feira o encontro na sede da OAB foi com representantes da sociedade civil, a presidente da Comissão Nacional de Mortos e Desaparecidos, procuradora da República Eugênia Gonzaga; professores universitários como Vera Paiva (USP), Inez Stampa (PUC-RIO), Cristiano Otavio Paixão Araújo Pinto (UnB); e com Lucas Pedretti Lima, pesquisador e membro da Coalizão Brasil por Memória Verdade Justiça.

O Grupo de Trabalho também ouviu familiares de pessoas desaparecidas ou assassinadas por conta da violência do Rio, tais como: Michelle Lacerda (sobrinha de Amarildo Dias de Souza, desaparecido desde 2013, após ser preso no bairro da Rocinha); Sandra Gomes (liderança das mães que perderam filhos na chacina da comunidade de Jacarezinho); Ana Paula Oliveira (Representante das mães de crianças desaparecidas em Manguinhos); e Monica Alckmin (Coordenação Executiva ODH Projeto Legal – Mães de Acari).

Por fim, nessa quarta-feira (09/10) o Grupo de Trabalho estará com filhas de Rubens Paiva: Ana Lúcia, Maria Beatriz e Vera Paiva. Também participará Paulo de Tarso Vannuchi, que foi ministro dos Direitos Humanos do Brasil entre 2005 e 2010.