14/06/2022
Hoje faz 50 anos da morte da maravilhosa atriz Leila Diniz (14/06/1072).
Para lembrar de Leila Diniz, uma frase do poeta Carlos Drummond de Andrade:
“Sem discurso nem requerimento, Leila Diniz soltou as mulheres de vinte anos presas ao tronco de uma especial escravidão”.
Foto de David Drew Zing – Revista Realidade (1971)
#leiladinizpresente
Publicamos também essa entrevista exclusiva do jornalista e crítica de cinema Rodrigo Fonseca com a cineasta Ana Maria Magalhães sobre seu documentário em tributo a Leila
Ana Maria Magalhães e a artesania documental da saudade
Em meio a saudades de Leila Diniz (1945-1972), neste dia (14.06) que marca os 50 anos de morte da atriz e símbolo do empoderamento feminino, a cineasta e também atriz Ana Maria Magalhães fala à ABI sobre o documentário em forma de carta de amor que concebeu em tributo à sua colega de artes e amiga de vida. Já Que Ninguém Me Tira Pra Dançar é um documentário no qual Ana Maria aborda o modo de ser e de viver dos artistas e das jovens brasileiras nos anos 1960, plenos de entusiasmo, de rebeldia, mas também de uma certa ingenuidade. E Leila foi a pimenta que acrescentou tempero àquele estado de coisas de uma época de várias transformações comportamentais. É possível prestigiar as escolhas formais da realizadora na plataforma www.itauculturalplay.com.br. Veja aqui.
Documentarista de arguta precisão técnica no tratamento dos registros do real, como já comprovara em seu “Reidy, a construção da utopia” (2009), a estrela de filmes seminais como “A Idade da Terra” (1980) ganhou fama internacional ao encarnar a indígena Seboipepe em “Como Era Gostoso o Meu Francês”, de Nelson Pereira dos Santos, há 51 anos. Primeiro o filme arrebatou plateias na Quinzena dos Realizadores de Cannes e, depois, foi à briga pelo Urso de Ouro de Berlim. As experiências que adquiriu com grandes mestres da direção alimentou seu olhar de cineasta. “A minha formação de diretora começou pela edição. Fiz estágio com o Nelson e fui assistente de Mario Carneiro e depois de Gustavo Dahl. Acho que desse caldeirão criei uma forma de montar fora dos cânones”, disse Ana Maria ao Correio da Manhã ao lançar “Mangueira em 2 Tempos”, em 2021.
Na conversa a seguir, ela faz um balanço de sua construção narrativa.
Como foi o processo de construção do seu .doc “Já Que Ninguém Me Tira Para Dançar” na revisão das tuas memórias e das tuas saudades da Leila Diniz?
Ana Maria Magalhães: Meus documentários se constroem na montagem, que é o elemento mais relevante da minha formação como realizadora. No caso de “Já Que Ninguém Me Tira Para Dançar”, o processo de criativo alternou momentos de profunda tristeza e outros de recuperação das nossas brincadeiras, diversões e alegrias, ou seja, ausência e presença da Leila. Mais ou menos como ela me aparece em sonhos, estranha e distante, vivendo outra vida, porém presente. A escritura do texto exigiu intensa concentração para buscar dentro de mim a memória afetiva do passado e os sentimentos que, depois de 50 anos, ainda guardo em mim. Mergulhei fundo no território entre o que passou, o que é e o que será para sempre. Porque o amor é eterno. E a Leila deixou bem claro que é o melhor dessa vida.
Seu filme foge de um lugar comum do cinema documental brasileiro e se impõe como se fosse uma carta de amor pra Leila Diniz. O quanto das transgressões pessoais e profissionais dela te contagiaram em seu processo artístico?
Ana Maria Magalhães: É mesmo uma carta de amor, pelo cinema, pela vida e pela Leila. É também uma celebração da nossa geração, e da nossa turma de garotas transgressoras. A Leila foi mais longe do que todas nós e isso é muito inspirador. Por isso, não me importei em misturar materiais que contrariam a busca pela perfeição por meio da nitidez digital e, consequentemente, a lógica de mercado. Às vezes, são materiais fluidos como a nossa memória, mas combinados com energia e intensidade de quem não estabelece fronteiras entre a arte e a vida. E há também opções divertidas restritas à mídia do vídeo, considerada menos nobre, que incorporadas ao filme, com naturalidade, evocam o espírito livre e transgressor da Leila. Podemos falar também da abordagem sobre a atuação no cinema que aparece na entrevista do Paulo José e na própria Leila.
O que essa ferramenta da não ficção te oferece esteticamente na criação de um cinema particular, sempre muito afetivo, em que você mapeia a realidade do país? De que maneira sua experiência como atriz alimenta esse exercício na direção?
Ana Maria Magalhães: Por incrível que pareça, o documentário pode ser um meio ficcional de retratar a realidade do país. Uma pessoa que chegasse hoje ao Brasil talvez não imaginasse aquela busca de liberdade, igualdade e felicidade verdadeiras em plenos anos 1960, diante do refluxo da hipocrisia social, do conservadorismo e falso moralismo com que nos defrontamos atualmente na sociedade brasileira. Um feminismo afetuoso e livre de cascatas desnecessárias e pudores que mal disfarçam os preconceitos e a rigidez de suas proposições. Enquanto do lado avesso crescem as agressões contra as mulheres. O ódio se combate com amor.
Que projetos você tem pela frente como diretora?
Ana Maria Magalhães: Quero fazer um documentário musical e, talvez também, uma ficção. Mas vamos guardar essa parte para depois.
Nesta quarta-feira, as homenagens à memória de Leila seguem com uma sessão em tributo à atriz no Estação Net Rio. Às 20h30, será exibido “Leila Diniz” (1987), com a presença de seu realizador, Luiz Carlos Lacerda. Ao fim da sessão, o diretor e a atriz Louise Cardoso, que viveu Diniz, vai conversar com o público do Estação