29/01/2008
José Reinaldo Marques
01/02/2008
Nos anos 70, período de grande agitação política no Brasil, uma personagem começou a ganhar expressão no fotojornalismo nacional: Nair Benedicto, autora de portfolio mais que expressivo, recheado de temas de grande relevância social, como homossexualismo, meio ambiente, festas populares e tribos indígenas. Nascida em São Paulo, em 1940, ela estudou Fotografia na escola Imagem-Ação, de Bete e Claudio Feijó, e graduou-se em Rádio e TV pela USP, em 72:
— Queria trabalhar com imagens, e atuar em televisão ficou inviável por conta de problemas políticos. A fotografia surgiu, assim, como uma possibilidade.
O início da carreira foi numa produtora de audiovisuais, onde reuniu farto material fotográfico que lhe abriu as portas para os frilas no Jornal da Tarde e na revista IstoÉ. Já então, Nair se debruçava sobre as questões que afligem a maioria da população brasileira:
— Acho que os temas sociais fazem parte da vida de qualquer brasileiro com uma mínima formação política. As desigualdades são gritantes e visíveis a olho nu. Mas, sem dúvida, o período de ditadura militar tornou as coisas mais evidentes.
Mais tarde, entre 1988 e 89, Nair foi contratada pela Unicef para documentar crianças e mulheres na América Latina, temas que lhe são caros, juntamente com impactos ambientais e festas populares brasileiras:
— Trabalhar com esses assuntos me fez adquirir uma visão social mais ampla, grande-angular. Por causa deles, tive que lidar com situações inusitadas e aprendi a ultrapassar as aparências, a respeitar as opções individuais e a aceitar os diferentes.
Ineditismo
Profissional muito requisitada, Nair Benedicto pode ter seus trabalhos apreciados em veículos nacionais e internacionais de destaque — como Veja, Marie Claire, Claudia, Time, Paris-Match e NewsWeek — ou no acervo dos Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) e de Nova York (MoMa); do Smithsonian Institute, em Washington; e da Coleção Pirelli/Masp, em São Paulo.
Em 1976, fundou com o fotógrafo Juca Martins a Agência F4, pioneira no Brasil no setor do fotojornalismo que acabou inspirando a criação de outros serviços do gênero no País:
— A F4 surgiu num momento específico, e foi uma das primeiras agências a dar certo, apesar de termos sido desestimulados por todo mundo. Foi uma verdadeira batalha começar a trabalhar com critérios de qualidade, de preço, de utilização, num mercado absolutamente caótico. Mas estávamos convencidos de que nossa proposta de agência poderia ser interessante para as empresas também, e desde o começo houve uma receptividade à inovação de pautas propostas por nós. Sobre a Febem, por exemplo, só se publicava matéria de texto, nunca havia fotos. O Juca e eu conseguimos uma ampla documentação da situação dos menores, e não só fizemos várias matérias fotográficas como editamos o livro “A questão do menor”.
Além da F4, da qual se desligou em 91, Nair criou a N-Imagens e colaborou com a fundação do Núcleo dos Amigos da Fotografia (NAFoto), que promove o projeto Mês Internacional da Fotografia:
— A N-Imagens é outro momento, tanto meu como do País também. Ela está mais voltada para projetos especiais do que para vender as fotos no varejo. O NAFoto, por sua vez, começou a existir num momento de desarticulação da fotografia. No 1º Mês Internacional, montou-se uma grande exposição no Sesc Pompéia, com fotos de todas as regiões do Brasil. Foi um verdadeiro mapeamento da produção nacional. Com o projeto, conseguimos também divulgar a fotografia latino-americana. Pela primeira vez expusemos trabalhos de profissionais como Chambi, Manoel Alvares Bravo, Graciela Iturbide, Luis Gonzales Palma e tantos outros.
O NAFoto realizou ainda um seminário internacional, discutindo a fotografia e suas relações com a História, a educação e os novos meios de comunicação e dando início a um intercâmbio cultural entre movimentos e organizações semelhantes:
— Fizemos uma grande exposição de fotografia brasileira em Londres, onde juntamos fotógrafos, historiadores e críticos. Foi um verdadeiro upgrade na fotografia brasileira.
Prioridade
Com mais de 30 anos de carreira, Nair Benedicto diz que não saberia apontar uma reportagem que tenha marcado sua trajetória profissional — “acho que o trabalho na imprensa restringe essa questão”, diz ela. Nada do que é humano lhe é indiferente, acrescenta, lamentando que “a falta de tempo e saúde para todos os assuntos que gostaria de documentar”:
— Numa pauta, minha preocupação sempre foi muito mais com o contexto que envolve o acontecimento. Ao cobrir os grandes projetos na Amazônia, por exemplo, me interessava muito mais o deslocamento de tribos indígenas, o desmatamento, a mudança das populações ribeirinhas do que propriamente a barragem de Tucuruí. Esses assuntos renderam várias matérias nos jornais e revistas e até um audiovisual, com divulgação no Brasil e no exterior. Assim como a questão do trabalho infantil, a violência contra as mulheres e as condições precárias de trabalhadoras do sisal.
Para o bem da memória da imprensa, muitas das experiências vividas por Nair foram registradas em livros, como o já citado “A questão do menor” e também “A greve do ABC”, ambos editados pela antiga F4:
— Nossa pretensão era continuar editando a série “Documento”, mas na época era bem mais caro e difícil fazer livros e ficamos só nesses dois. Lancei também “As melhores fotos” (Sver e Boccato) e “A caminho da escola” (Fundação Souza Cruz) e recentemente, com o laboratório La Chambre Noire, de Paris, editei “Portfólio”, uma supercaixa com 18 imagens ampliadas digitalmente, mas com qualidade museológica, para estimular a aquisição de fotografias. Já foi lançado aqui no Brasil e ainda este ano sairá na França.
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