25/10/2021
Por Norma Couri, diretora de Inclusão Social, Mulher e Diversidade
A viagem de trem entre Rio e São Paulo ficou na melhor das minhas memórias, reativada por todos os políticos que prometeram em vão revivê-la pós-vintage, na velocidade do trem-bala. Junto com ela, a calma de ler os jornais no trajeto, o que vale para o metrô e até para as residências, cada vez menores. Ler jornais num Café então, nem se fala. Ler com calma, anotar, registrar, arquivar, relacionar.
Não abro mão de ler jornais em papel. Ficava feliz quando percebia a edições do dia anterior disputadas no prédio até descobrir que serviriam para os animais, e fantasiei que cães e gatos poderiam estar mais bem informados que seus donos. Li na capa de um caderno cultural que está voltando a moda de escrever cartas, pelo prazer de poder guardar a mensagem numa pasta. Gosto de canetas e tenho papéis de carta especiais que acumulo para um dia deslizar uma sobre o outro, quem sabe com minha velha tinta lilás. Também tenho uma coleção de selos. Não estamparia selos colecionados nas cartas comuns, mas nas especiais, um luxo. Enfileiro LPs nos armários com capas artísticas e som insuperável e vejo que passaram a valer uma fortuna, negociados como jóias. Algumas d as minhas peças de roupas cult no armário voltaram à moda, a calça boca de sino, os vestidos longos de laise, os jeans rasgados. Meus livros, anotados, esse objeto que segundo Bolsonaro só os ricos possuem, esses, na minha pobreza, ninguém toca. Estão fora de moda mas nunca entro numa livraria real que não esteja apinhada de…ricos?…leitores.
Utilizo internet para o trabalho do dia a dia mas na hora da calma sou retrô e quando todo mundo achava que isso era coisa de velho o Estadão aparece na porta da minha casa este domingo no formato ideal para viagens, o Berliner, adotado por diversos jornais da Europa: o Público em Portugal, o Le Monde na França, o La Repubblica na Itália, The Guardian no Reino Unido, o El País na Espanha. Que alívio e que prazer. Ficou ainda melhor quando li João Gilberto no livro de Zuza Homem de Melo, Celso Lafer lembrando (vocês sabem a quem) que a desconsideração da cláusula democrática compromete a respeitabilidade do Brasil no mundo, Eliane Catanhêde acalmando, “o grito do ‘genocida’ faz barulho mas não leva a lugar nenhum”. E afinal, onde está Que iroz?, a reportagem de Caio Sartori perguntava. No dia seguinte, uma pesquisa sobre o maléfico legado radical de 18 meses de manifestações da extrema direita pelas ruas no país: foram 45 de março de 2020 a setembro de 2021, pelo voto impresso, apoio a Bolsonaro com motociata, contra o STF , pelo tratamento precoce…
Mas nada me alegrou mais do que ler, no dia do lançamento, a coluna de Leandro Karnal, “Dedos Ungidos pela Tinta”. “Ainda acho que a leitura efetiva é feita sobre papel “. Como o papel encolheu, as notícias ficaram mais evidentes. Karnal extrapolou. Ele prossegue lendo meus pensamentos, quando abro o jornal físico não entram mensagens, não saltam propagandas e o sistema não pede para ser atualizado. Meu cérebro se entrega à absorção. “Termino sabendo mais… fui alvo de uma metamorfose cognitiva”, ele afirma. Idade?, pergunto e respondo como Karnal, talvez. E como ele, repito, “sou muito mais velho do que pareço e o Estadão está rejuvenescido”.