30/09/2020
Vale tudo para reeleger Bolsonaro
“O governo Bolsonaro manteria esse auxílio num prazo mais longo, até as eleições de 2022?”
CID BENJAMIN*
As últimas pesquisas mostram um aumento da popularidade do Bolsonaro. Mostram, também, que esse aumento de popularidade é alavancado pelo maior apoio entre as camadas mais pobres da sociedade, aquelas alcançadas por projetos assistenciais como o Bolsa Família.
Bolsonaro foi contrário ao aumento do auxílio-emergencial para R$ 600, que foi aprovado no Congresso contra a sua vontade. Mas a parcela da população que recebe a ajuda é mal informada e não sabe disso. Para ela, quem está dando o auxílio é Bolsonaro porque ele personifica o governo federal.
Mais ou menos como quando, no governo Lula, pensava-se que quem dava o Bolsa Família era o presidente. Os louros ficam com quem assina os cheques. Ontem, Lula. Hoje, Bolsonaro.
Mas, restava uma pergunta: o governo Bolsonaro manteria esse auxílio num prazo mais longo, até as eleições de 2022?
Bolsonaro, de olho na reeleição, queria manter. O ministro da Economia, Paulo Guedes, defendia a contenção de gastos, para que pudesse destinar mais recursos para as camadas privilegiadas.
Agora, ao que parece, foi encontrado um denominador comum:
Acabaria o Bolsa Família, sendo criado um programa semelhante, mas com outro nome, Renda Cidadã. Isso serviria para fixar a marca Bolsonaro. Seus benefícios serão maiores do que os do Bolsa Família, cujas fontes seriam mantidas para financiar o novo projeto.
Para que os benefícios fossem superiores, seriam buscadas outras fontes de financiamento.
Em primeiro lugar, recursos reservados para pagamentos de precatórios. Como se sabe, precatórios são títulos de dívidas da união por decisões judiciais. Mexer no pagamento dos precatórios afetaria de forma direta o pagamento de aposentadorias e pensões para trabalhadores que obtiveram a garantia de receber seus direitos depois de ganhar uma ação judicial contra o governo. Para que se tenha uma ideia do montante, para o ano que vem estão reservados R$ 55 bilhões para pagar precatórios. O governo quer mudar isso e quer pagar só R$ 16 bilhões, empurrando com a barriga a diferença de outros anos.
Além disso, recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que financia o ensino fundamental nas escolas públicas de todo o país. Assim, o ensino público, que já é precário, seria ainda mais prejudicado.
Com isso, os recursos para o programa que vai financiar o Bolsa Família do Bolsonaro – com o nome de Renda Cidadã – virão de aposentados, pensionistas e crianças em idade escolar.
Fica a pergunta: haveria outra forma, de financiar um programa assim?
Claro.
Mas mexeria na distribuição das riquezas. Como? Por exemplo, fazendo uma reforma tributária que fizesse com que os ricos pagassem impostos, e não só os trabalhadores e a classe média. E que passasse a taxar, antes de mais nada, renda e propriedade.
Além disso, cobrando o Imposto sobre Grandes Fortunas, que está previsto na Constituição, mas não é pago. Ou ainda, cobrando impostos de igrejas e entidades religiosas, hoje isentas. Mais: taxando lucros e dividendos, que é a forma como os empresários são remunerados. Só o Brasil e mais dois ou três países pouco importantes no cenário mundial não cobram esse tipo de imposto.
Aqui, um assalariado que ganhe R$ 3 mil paga 27% de Imposto de Renda, mas o patrão dele não paga nada porque recebe sob a forma de lucros e dividendos.
Mas essas medidas afetariam os ricos.
E o governo Bolsonaro não está disposto a isso.
*Jornalista, vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
PS – O bravo Gilberto Maringoni me mandou inbox uma observação pertinente.
“Tem um pequeno senão. Diferentemente da Lei de Responsabilidade Fiscal, que permite aumento de gastos se houver receita extra, o teto de gastos não permite isso. A única correção é pela inflação passada, mesmo que você taxe bancos e o grande capital em 100%.
Ou seja, mesmo que façamos uma reforma fiscal revolucionária, o dinheiro extra terá outro uso – pagar juros – que não engordar o orçamento.
Essa questão é importante, para que não caiamos na esparrela de que o orçamento não pode furar o teto por não haver dinheiro.
O teto de gastos é mais perverso do que qualquer outro mecanismo regressivo”.
Maringoni tem razão.