A imprensa uruguaia registrou com ênfase o falecimento do jornalista e escritor Moacir Werneck de Castro, apontado como “um sábio de outra época” pelo jornalista Pablo Viera, em artigo publicado no diário “La República” e reproduzido no semanário “Brecha” no dia seguinte ao passamento de Moacir.
Diz Pablo Viera que Moacir “foi um pensador que sabia contemplar o mundo em que vivia de forma tão intensa quanto reflexiva, o que o converteu em uma referência imprescindível, porque sempre conseguiu a perspectiva para entender muito além da aparência”. É este o texto de seu artigo, cujo título apresenta Moacir como “entranhado amigo do Uruguai”.
“Aos 95 anos, morreu ontem quinta-feira 25 o jornalista, escritor e humanista brasileiro Moacir Werneck de Castro, um entranhado amigo do Uruguai.
Testemunha e protagonista do século XX, através da imprensa e da literatura, fundou em 1955 com Jorge Amado, que lhe dedicou seu romance “Gabriela, Cravo e Canela”, e Oscar Niemeyer, a publicação “Paratodos -. Quinzenário da Cultura Brasileira”. Foi companheiro de viagem de Mário de Andrade, Vinicius de Moraes, Celso Furtado, Di Cavalcânti, Pablo Neruda e Sérgio Buarque de Holanda, entre muitas outras personalidades que marcaram o pensamento ea cultura brasileira e latino-americana.
Coincidentemente, nesta quinta-feira 2 de dezembro o Presidente Lula da Silva lhe outorgou a Ordem do Mérito Cultural o principal prêmio brasileiro, criado em 1991. O imenso prestígio de Moacir sempre viveu em contraponto harmonioso para o seu perfil extraordinário; parece que o 2 de dezembro foi escolhido para receber um tributo retumbante à sua própria maneira de participar da cerimônia à distância.
Descendente da aristocracia rural fluminense (era neto do Visconde de Arcozelo), foi membro do Partido Comunista do Brasil, do qual se desfiliou em 1956, quando Nikita Khruschov denunciou os desmandos do stalinismo. Na União Soviética, onde morou, traduziu para português clássicos russos, como Dostoiévski. Entre seus livros se destacam “O Libertador – A vida de Simón Bolívar” (também publicado em espanhol), “Mário de Andrade – Exílio no Rio”, “Ó sábio e a floresta”, “Missão na selva”, “A ponte dos suspiros”, “A máscara do tempo – Visões da era global” e “Europa 1935 – Uma aventura da juventude”, entre muitos outros. Também traduziu obras do espanhol como “O general em seu labirinto” e “O Amor e outros demônios”, de Gabriel García Márquez.
Diretor do lendário jornal “Ultima Hora”, um adversário implacável da ditadura instalada após o golpe de 1964, também foi colunista do jornal “Folha de S. Paulo” e “Jornal do Brasil”. Para a “Folha de S. Paulo” fez uma série de artigos fundamentais sobre a ditadura uruguaia, de denúncias e análises, para os quais ele entrevistou Wilson Ferreira Aldunate no exílio e em Montevidéu os principais líderes políticos proibidos na época, como Julio María Sanguinetti, Hugo Batalla, Juan Pablo Terra, Dardo Ortiz e Amilcar Vasconcellos. Após a restauração da democracia, manteve uma estreita amizade com o General Líber Seregni.
Como observado em artigos e livros, Moacir Werneck de Castro foi um pensador que sabia contemplar o mundo em que vivia de forma tão intensa que o converteu numa referência imprescindível, porque sempre conseguiu a perspectiva necessária para compreender muito além da aparência.
Pertencente a uma geração enciclopédica (coincidentemente foi assessor editorial da Enciclopédia Britânica no Brasil durante 15 anos), Moacir Werneck de Castro foi, acima de tudo, um humanista, sem adjetivos nem ouropéis. Parece um sábio de outra época. Mas na verdade é de todos os tempos.”