11/10/2021
Por Juca Kfouri, conselheiro da ABI, publicado no portal da Folha de S. Paulo
Pense na Coreia do Norte comprando o Corinthians.
É fácil, basta lembrar que a máfia russa já o comprou em 2004, a tal da MSI. Só não durou porque a cartolagem nacional é capaz de assustar até os gângsteres internacionais.
Esquemas de lavagem de dinheiro envolvidos com grandes clubes são quase tão antigos como o futebol moderno, o atraente negócio da indústria do entretenimento tão maltratado pela ganância de empresários e cartolas pelo mundo afora.
ISL, Parmalat, Traffic, abundam os exemplos misturados aos mecenatos, seja para minimizar a imagem de agiotas, seja para influenciar o plano diretor de grandes cidades, como Belo Horizonte, por exemplo.
Imagine que um bem-sucedido esquema de rachadinhas, aquisição de vacinas inexistentes ou de máscaras não entregues, permita a um candidato a ditador comprar a simpática Ponte Preta e transformá-la numa potência.
Eis a novidade nem tão nova que uma offshore aqui e outra ali permitem sem causar grandes escândalos, anestesiados que estamos tantos, cínicos e hipócritas que são outros tantos.
Se o que o milionário russo Roman Abramovich, em busca de reconhecimento social, fez do Chelsea foi apenas mais do mesmo no nebuloso submundo do capitalismo, de lá para cá vimos o PSG e o Manchester City, para ficar em dois exemplos, sendo comprados por dinheiro de ditaduras como as do Qatar e dos Emirados Árabes.
Danem-se as vítimas delas, festejem os torcedores as glórias permitidas pelo dinheiro ensanguentado.
Agora chegou a vez do Newcastle, comprado pelo assassino que infelicita a Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, com quem Jair Bolsonaro já declarou ter “certa afinidade”, acusado de ter mandado esquartejar o jornalista Jamal Khashoggi.
Quando o Reino Unido se curva perante moedas tão sujas, quando a orgulhosa França se dobra, a Cidade Luz se apaga diante do catariano Nasser Al-Khelaifi, é porque todos e quaisquer princípios éticos foram chutados a escanteio e nada mais importa.
Como não incomodou à Fifa, então presidida por João Havelange, fazer uma Copa do Mundo na Argentina sob a ditadura Videla, em 1978, decidida no estádio Monumental de Núñez, a 500 metros da prisão em que eram torturados e mortos os opositores do regime.
Ano que vem, outra ditadura abrigará nova Copa, embora em situação menos dramática, mais “normalizada”, à custa de trabalho escravo e outras barbaridades desumanas.
E o Newcastle deverá consagrar definitivamente uma nova ordem, não a dos românticos castelos medievais onde tantas violências eram cometidas em suas masmorras, mas a em que o grito de gol soa mais alto que o da barbárie.
É triste, desalentador, um chute no estômago de quem ama o futebol.
Como seguir amando?