Um contador de histórias fotográficas


07/02/2008


Vagner Ricardo 
08/02/2008

Pode-se dizer que as imagens de um “Brasil gigante, abençoado por Deus e tricampeão do mundo da década de 70”, estampadas na revista Manchete (da hoje extinta editora Bloch), impregnaram de vez o imaginário do menino que se impressionava ao ver um país tão distinto da realidade da sua pacata Tijuca, na Zona Norte do Rio. O passo decisivo na direção do fotojornalismo ocorreu durante uma exposição no Parque Lage, em 1980. As fotografias sobre condições da infância no mundo inteiro, organizada pela Unicef, selaram o destino de João Luiz Bulcão, que anos depois passaria a assinar J.L.Bulcão, ganhando o mundo e o pão com uma câmera nas mãos:
— Após passar horas vendo e revendo aquelas imagens, vi que estava diante do que eu gostaria de fazer profissionalmente, da vida que eu queria levar, de ser um contador de histórias fotográficas.

Após cursar Jornalismo na antiga Faculdade da Cidade e passar pela Manchete e a Veja, Bulcão mudou-se para Nova York. Dois anos e meio depois, estava na capital francesa, onde trabalhou nas agências Gamma e Corbis e hoje faz trabalhos independentes:
— Hoje o fotógrafo pode economizar o bilhete de avião e fazer contatos virtuais. É só saber aproveitar a modernidade que acompanha a globalização — brinca o fotógrafo, que no momento faz duas exposições na Galerie W, em Paris, uma sobre a praia de Copacabana, outra sobre a cidade de Marselha.

Na sucursal da Veja no Rio, Bulcão conta que aprendeu como funciona uma revista semanal de informação, “onde a fotografia é importante, mas tem um lugar já bem estabelecido”.
— As reportagens têm que compor com a atualidade e muito do trabalho iconográfico se resume a fotografias dos personagens nas matérias. Na redação, entre uma matéria e outra, eu estudava francês e inglês, mas havia dias de muita pauleira, com várias pautas, num ritmo bem diferente daquele a que eu estava acostumado. Às vezes, não tinha tempo suficiente para pensar na foto. Era chegar na hora estabelecida pelo repórter ou pelo entrevistado e se esforçar para tirar o melhor partido dessas adversidades. Foi uma bela experiência, aprendi bastante com os jornalistas de lá, mas queria mesmo era fazer reportagens pelo País afora. E deu tudo certo: logo pude me dedicar exclusivamente à agência Gamma, como correspondente no Brasil, antes de viajar para o exterior.

A grande escola, diz ele, foi mesmo a Manchete, em que estreou em 87:
— Enquanto nos jornais busca-se uma imagem para ilustrar um fato, numa revista espera-se do fotógrafo que ele traga uma história, com várias fotos interligadas e coerentes com o tema tratado. Uma foto de abertura apenas não é o suficiente. É necessário que a matéria esteja completa do ponto de vista fotográfico. Na Manchete, minha meta eram as grandes reportagens de seis, oito, 10, 12 e 16 páginas, que pediam boas pautas, bom entendimento do assunto e tempo para a produção. Hoje é fato raríssimo uma publicação dar todas essas condições ao profissional.

Especialização

Nos anos 80, segundo Bulcão, a dificuldade maior era a escassez de bons cursos de especialização.
— Lembro-me de um professor da faculdade que, conversando sobre fotografia, me perguntou o que eu gostaria de fazer desta profissão. Disse que queria realmente de ser fotojornalista e que estaria inclinado a estudar no exterior. E ele me aconselhou: “Se fosse para você tomar o rumo da foto de publicidade ou moda, ou para estudar técnicas inovadoras digitais (naquela época ele já falava disso!), eu diria para você ir para Londres. Mas se você quer ser fotojornalista, basta sair de casa e fotografar. Saia do Rio e vá até Belém a pé e você trará um belo retrato do seu País.”

Bulcão seguiu o conselho quase à risca e, na editora Bloch, cobriu de queimadas na Amazônia ao centenário da Torre Eiffel. Dos trabalhos feitos mais tarde, dois são tratados com carinho especial pelo fotógrafo. O primeiro são as operações realizadas, em 2004, pelo Grupo Móvel de Fiscalização de Trabalho Escravo no Sul do Pará, que acompanhou para a Corbis:
— No dia 13 de maio, fomos verificar uma denúncia numa carvoaria. No meio da floresta enfumaçada, o grupo liberou dezenas de “escravos modernos”. A coincidência da data com a da Abolição da Escravatura foi muito especial. As imagens estão associadas à liberdade, mas, ao mesmo tempo, provocam tristeza, pois confirmam que o homem não aprende muito com os próprios erros e é capaz de repetir horrores históricos.

A outra cobertura especial foi sobre meninos de rua do Rio de Janeiro. Bulcão passou cerca de dois meses fazendo contato com os menores e, aos poucos, ganhando a confiança para fotografá-los em seu dia-a-dia:
— Foi uma matéria difícil, lenta, perigosa e violenta. Eu não entendo muito essa violência toda, esse abandono, essa falta de respeito humano. O resultado foi que, a meu ver, nada mudou na vida dessas crianças. Tanto que outras gerações chegam a cada dia às ruas.


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