Um chef da fotografia sem estigmas e exotismos


18/05/2007


José Reinaldo Marques
18/05/2007

Januário Garcia começou a carreira de colecionador de belas imagens há 35 anos, no início da década de 70, atuando como cinegrafista de notícias da International News Camaramen Association. Em 1975, resolveu trabalhar com fotografia e foi estagiar no Studio Gamma, sob a orientação de Georges Racz. O interesse pelo cinema, diz ele, foi despertado na infância, quando encontrou na seção “Liglig”, da revista infantil Tico Tico, instruções para fazer um projetor:
— Consegui montar o aparelho e projetava pedaços de filmes que catava no lixo dos cinemas de Belo Horizonte, onde nasci.

Homem de hábitos simples, aos 64 anos Janu, segundo os amigos, é também bom de cozinha, especialmente em pratos árabes, chineses, japoneses e de frutos do mar:
— Já pensei em ser um grande chef, porque o trabalho no laboratório fotográfico é tão preciso quanto o ato de cozinhar: se não houver equilíbrio dos componentes, você não terá um bom prato ou uma boa fotografia.

No fotojornalismo, Januário sempre atuou como freelancer, com passagens pelo Globo, Jornal do Brasil, O Dia, A Tribuna, Manchete, Fatos & Fotos e Revista da Unesco:
— Trabalhei também com grandes agências de publicidade do Rio de Janeiro e fiz capas de discos de artistas como Tom Jobim, Caetano Veloso, Chico Buarque, Fagner, Belchior, Fafá de Belém, Leci Brandão, Raul Seixas, Edu Lobo — diz Janu, que atualmente está afastado das redações. 

Matrizes africanas

Em 1976, Januário ingressou no Movimento Negro e percebeu que, com seu conhecimento profissional, poderia dar uma contribuição significante para a luta pela igualdade racial:
— Queria construir a memória fotográfica do meu tempo. E continuei fazendo essa documentação, reunida num arquivo denominado Documenta Brasileira Matrizes Africanas. Meu registro é também antropológico, porque trabalho a imagem no sentido da reconstrução da dignidade, do desenvolvimento da auto-estima contrapondo-se ao racismo como ideologia de dominação social.

Foram o sentimento de “fazer cada foto como se fosse a última” e o senso crítico profissional que ajudaram Januário a romper algumas barreiras no tempo em que fazia fotos de publicidade e moda, ambientes em que circulam a chamada elite da fotografia:
— Consegui romper essa parede e passei a fazer parte desse universo, mas era evidente que eu tinha que saber tudo o que os outros sabiam e um pouco mais. Trabalhei com as grandes agências, levei a questão racial para ser discutida dentro delas e no Clube de Criação do Rio de Janeiro, que acabou fazendo a primeira campanha nacional sugerindo aos anunciantes a participação de negros nos comerciais e anúncios publicitários. 

Livro

Januário Garcia desenvolveu uma relação estreita com a sua ancestralidade e um olhar privilegiado para registrar fatos e personagens que têm contribuído para a realização de um novo estudo historiográfico da diáspora africana. O resultado desse processo está no livro “1980/2005 — 25 anos do Movimento Negro no Brasil”:
— Como a luta tem sido feita por palavras, jornais, cartazes, revistas e muito mais, a obra traz parte dessa produção e textos que foram escritos por importantes intelectuais da luta negra no Brasil. Por outro lado, encontramos na Fundação Cultural Palmares (órgão do Ministério da Cultura) uma grande parceira para o projeto, através da visão do Diretor de Projetos Zulu Araújo, que entendeu a importância desse livro no processo histórico do País.

Ele esclarece, porém, que não há nesse trabalho um pressuposto do que seja uma fotografia étnica:
— Nem tento definir o que poderia ser esse tipo de fotografia. Ao contrário, o livro busca contemplar todas as práticas e estéticas conhecidas, ainda que revele um estilo e uma identidade particulares. São momentos cortantes desprovidos de exotismo e estigmas. Momentos de uma verdade própria da vida. 
 


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