27/10/2016
O desembargador federal Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), cassou nesta quarta-feira (26) decisão que quebrava o sigilo telefônico do jornalista Murilo Ramos, da revista Época. O magistrado também determinou a suspensão de todas as investigações policiais que tenham como objetivo a descoberta da fonte do jornalista na apuração de uma reportagem que revelou o conteúdo de um relatório do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf).
Na ocasião, a Associação Brasileira de Imprensa emitiu nota oficial criticando a decisão da juíza Pollyanna Alves, que autorizou a quebra do sigilo telefônico do repórter, que investigava suspeitos de manter contas secretas na filial da suíça, no escândalo SwissLeaks. O Presidente da ABI Domingos Meirelles considerou o despacho da juíza um retrocesso e grave ofensa à Constituição.
O documento listava brasileiros suspeitos de manter contas secretas na filial suíça do HSBC, no escândalo SwissLeaks. A investigação do Coaf e o relatório foram revelados pela revista Época.
O desembargador deferiu o pedido de medida liminar requerido pela Associação Nacional de Editores de Revista (Aner), que recorreu de decisão da juíza Pollyanna Kelly Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, que havia ordenado a quebra do sigilo telefônico do jornalista.
“O profissional da imprensa possui direito subjetivo de matriz constitucional ao sigilo da fonte e não é juridicamente possível utilizar-se de métodos investigativos sobre o detentor do direito ao sigilo para obter a identidade de quem lhe entregou a notícia, salvo quando houver um bem jurídico maior que exija proteção e seja mais importante do que o direito à privacidade do jornalista, derivado da liberdade de imprensa”, argumentou o desembargador em sua decisão.
“Se é certo que a sociedade precisa de segurança jurídica, também é certo que precisa de uma imprensa sem medo e sem amarras, para que persiga o seu desiderato republicano e democrático”, ressaltou Bello.
Na avaliação do desembargador, a quebra do sigilo do jornalista foi determinada exclusivamente com a finalidade de se identificar a fonte da reportagem.
“O sigilo da fonte deve prevalecer sobre o dever de investigar por ser, no caso concreto, valor e direito de peso maior que o dever estatal de investigar o delito do artigo 325 do Código Penal, praticado por servidor público desconhecido que deu à imprensa livre acesso a dados bancários sigilosos”, argumentou o desembargador.
Para o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, a decisão do desembargador “está de acordo com os princípios estabelecidos na Constituição Federal, com a liberdade de imprensa e com o direito de informação inerente à cidadania”.
Segue a nota oficial da ABI, na íntegra:
NOTA OFICIAL
A Associação Brasileira de Imprensa considera um perigoso retrocesso e grave ofensa à Constituição o despacho da Juíza Pollyanna Alves da 12ª Vara Federal de Brasília que autorizou a quebra do sigilo telefônico do jornalista Murilo Ramos da Revista ÉPOCA a pedido da Polícia Federal.
A ABI entende que a legislação em vigor assegura ao repórter proteger suas fontes de informação e que a violação deste direito representa uma ameaça à liberdade de imprensa e ao livre acesso à informação consagrados pela Carta de 1988.
O despacho, além de ferir mandamentos básicos do Estado Democrático de Direito, chama particularmente a atenção por ter sido autorizado à sorrelfa, em 17 de Agosto, nada justificando o carácter sigiloso que se revestiu para que fosse adotado à socapa por um aplicador da Lei. A Revista ÉPOCA e o jornalista só tiveram conhecimento da decisão judicial em 07 de Outubro, ou seja, 48 dias após a manifestação da Juíza Pollyanna Alves.
No ano passado, a ABI e outras entidades alertaram o Ministro Dias Toffoli, do STF, para o equívoco que cometera ao permitir que o repórter Allan de Abreu fosse investigado e julgado por se recusar a revelar suas fontes em processo movido pela Polícia Federal de São Paulo. O próprio Ministro cassaria, dias depois, essa liminar por entender que o profissional estava protegido pela legislação em vigor.
Chega a ser alarmante que uma decisão singular da 12ª Vara Federal se sobreponha ao entendimento da Suprema Corte.
A ABI espera que o TRF da 1ª Região restabeleça o primado da hierarquia e anule todos os efeitos produzidos por esse despacho intempestivo que, além de ignorar interpretação superior, representa grave ameaça para o livre exercício da profissão.
Domingos Meirelles
Presidente da ABI