“Theodoro Barros foi um dos caras mais interessantes e íntegros com os quais trabalhei no dia-a-dia da sempre alegre Ultima Hora. Era o cara do jornalismo sem jaça, para usar um termo bem da época.
Se bem me lembro, ele se despedia do jornal e voltava a trabalhar na redação carioca ou na sucursal de Niterói, diversas vezes, a propósito de “oportunidades externas”, segundo informava. Isso aconteceu umas três ou quatro vezes. Mas esse entra-e-sai não queria dizer que fosse volátil ou instável. Característica bem dele era o desprezo ou mesmo o ódio pela trivialidade e o despropósito. Desprezava o circo do futebol, por exemplo. E protestava contra a “volúpia futeboleira” da época pré e durante a ditadura militar, que alienava e “idiotizava e apalhaçava as massas”, como dizia em meio a palavrões constantes e naturais em suas conversas. Nesse protesto, Theodoro se dizia torcedor antifanático do Andaraí. E completava com o que era uma piada do tempo de criança pelas ruas do bairro, ele que se enquadrava como “um carioca da gema”:
—Torço pelo Andaraí… no seu gramado.
Antônio Theodoro de Magalhães Barros era um nome que soava como um mantra. Algo como Joaquim José da Silva Xavier. Ambos tão distante histórica e martiriologicamente. Mas todos na Editoria Internacional de UH gostavam de repetir o seu nome. Aloysio Machado, batalhando na France Presse pela manhã, e à tarde dando duro na Ultima Hora do Rio, era quem mais proclamava por inteiro o nome mântrico Antônio Theodoro de Magalhães Barros.
Talvez esse “atman” da equipe internacional, vamos dizer, meio que budista e desapegada a salários mais altos de outros jornais ligados à ditadura, explique o sucesso do noticiário de UH em anos plúmbeos não só para o Brasil como também para o mundo que experimentava os primórdios da desagregação ideológica e política do Leste Europeu socialista. Nessa época UH saiu às ruas com sucessivas edições extras durante a Primavera de Praga. E Theodoro estava lá, debruçando seu comprido plexo sobre a prancheta do diagramador Xavierzinho junto com o próprio Samuel Wainer, criando manchetes espetaculares e elucidativas como aquela: “Tanques soviéticos sepultam em Praga o sonho do socialismo com liberdade”. Foram dias épicos e paradoxalmente de desesperança.
Até que o Homem ganhou novo alento e desembarcou na Lua. Então nossa epopéia espacial ganhou as ruas em edições visualizadas por Oséas Carvalho e editadas por Theodoro, com manchetes de João Ribeiro. Foi também a essa época que ele decidiu ser professor, defendendo tese sobre UH, é claro, para ingressar na UFF na década de 1980. E entrou com brilho de pé direito na cátedra de técnicas várias de jornal, jornalismo internacional notadamente.
Brilhantismo que seria reconhecido décadas mais tarde (2005) ao receber no Teatro da UFF, do Conselho Universitário, o título de Professor Emérito. Então já tinha ajudado a formar plêiades de jovens jornalistas, fazendo cabeças e corpos idealistas que povoam atualmente redações às dezenas ou centenas.
Antes disso tudo, Theodoro trabalhou no Diário Carioca, Correio da Manhã, O Globo, ganhou uma bolsa e andou uns tempos pela França, frequentou a Sorbonne, colaborou com L’Express e Le Monde em projetos para o Brasil, passou a falar francês com sotaque que diziam ser dinamarquês – ele que era descendente de portugueses! – e até ajudou o irmão a montar no Rio a representação dos nórdicos anzóis Mustad, os mais cobiçados pelos pescadores de qualquer padrão. Pescar peixe acho que ele pode ter feito umas poucas vezes na vida para testar os Mustad. Pois uma vez, dirigindo a sucursal UH-Flu em Niterói, ele me disse que sua casa de fim de semana, na Praia Linda, Araruama, era para “esfriar com (ou como) os peixes alguns ímpetos urbanóides”.
Theodoro, 77 anos, parece afinal que conseguiu esfriar seus ímpetos dia 15 de outubro último, numa clínica do Rio de Janeiro. E agora descansa em sua Praia Linda de infinita dimensão. Como dizia a companheira de redação Adalgisa Nery, “só a morte descansa”
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Pinheiro Júnior é membro do Conselho Deliberativo da ABI.