Seminário na ABI debate a crítica

Dezenas de pessoas participaram do segundo encontro do evento “ABI pensa a Dança”, no último dia 27. Jornalistas, pesquisadores e e críticos discutiram o papel da mídia como espaço privilegiado de informação e valorização da dança. A iniciativa é da Diretoria de Cultura e Lazer da ABI.

 

A mesa de debates foi formada por Joana Ribeiro, pesquisadora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro(Unirio), Gustavo Ciríaco, bailarino e coreógrafo; Nayse López, jornalista do site idanca.net, e Helena Katz, crítica de dança do jornal Estado de S. Paulo. A mediação foi feita pelo jornalista Jesus Chediak, Diretor de Cultura e Lazer da ABI.  

 

Na abertura do encontro, Chediak destacou a relevância do debate em torno da cultura nacional e os meios de comunicação:

—A ABI tem uma história de 100 anos de luta em defesa da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa. O nosso objetivo é discutir a questão da dança e como ela é vista pelos meios de comunicação, pelo jornalismo cultural. Desenvolvemos aqui na ABI a série de projetos “ABI pensa”, no qual já debatemos o cinema e também o humor na mídia.

 

Em seguida, o mediador iniciou a apresentação dos palestrantes:

—Joana Ribeiro é graduada em Teoria do Teatro, Bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (1999), mestre (2002) e doutora em Teatro pela mesma instituição (2007), recém-doutora no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro pelo PRODOC/CAPES, docente colaboradora na Escola e Faculdade Angel Vianna, e integrante dos Grupos de Pesquisa Teatro Brasileiro (UNIRIO/CNPq) e Artes do Movimento (UNIRIO/CNPq). Atualmente colabora do Coletivo Rörelsen. Ela vai fazer um recorte da historiografia da obra coreográfica de Klauss Vianna, que foi um amigo querido, fico feliz de saber, no teatro carioca, qual o papel da fortuna crítica somando a história oral, as fontes iconográficas e a dramaturgia da época, assinalou ChediaK.

 

Exibindo imagens e trechos de reportagens retiradas de sua pesquisa sobre a trajetória do bailarino e coreógrafo Klauss Vianna, Joana falou sobre as contribuições dele para o mundo da dança:

—Para quem não o conhece, Klauss Vianna foi um coreógrafo mineiro nascido em Belo Horizonte em 1928. Morreu em São Paulo, em 1992, e esteve no Rio de Janeiro durante a década de 70. A formação dele foi no balé clássico, na primeira escola de balé clássico de Belo Horizonte, fundada em 1948. Ele fez parte do primeiro corpo de balé, o Balé Minas Gerais, que hoje é o Palácio das Artes. Nessa companhia ele dançava um repertório clássico e de óperas, e rapidamente foi promovido a assistente de Carlos Leite. Klauss fundou, a partir de seus anseios dele e do legado que deixou para o balé clássico, o que a gente conhece como a primeira escola de balé neoclássico e balé moderno em Belo Horizonte. Em 1952, ele publicou um artigo sugerindo a criação de um balé brasileiro, e questionando a dança que se fazia em Belo Horizonte. A partir de meados da década de 50, ele passou da função de intérprete para coreógrafo. É importante lembrar que o Klauss dialogou com a Geração Complemento, uma revista fundada por escritores e intelectuais de Belo Horizonte.

A pesquisa de Joana sobre a obra de Klauss iniciou a partir do livro “A dança”, no qual o bailarino afirma que pela primeira vez um crítico de teatro, Yan Michalski, do Jornal do Brasil, chamou a atenção do público para a existência de um trabalho corporal no espetáculo de teatro:

—O estudo é uma prática deslocada sobre a obra de um coreógrafo no teatro, um dos fundamentos da dança instrumentalizados para o corpo do ator, não para o corpo do bailarino. A postura critica foi a partir de jornais, fotos, entrevistas, a dramaturgia da época, a vivência do preparador e coreógrafo, a experiência do próprio corpo do pesquisador. Esse mapeamento realizado ao longo dos 21 anos nos quais a função de Klauss foi mudando de coreógrafo, preparador, ator e diretor, não necessariamente numa ordem linear progressiva.

 

Joana assinalou o espaço da crítica na imprensa neste período:

—Ao analisar a obra e os espetáculos, percebemos o número expressivo de críticos na época, críticas que eram feitas durante dois, três dias. Críticas de continuidade. É interessante que a crítica informa se o espetáculo foi um sucesso regional ou se foi turnê nacional ou um espetáculo experimental. Klauss Vianna foi crítico do Jornal do Brasil basicamente entre 1975 e 1976. Reza a lenda que depois de ele ter escrito uma crítica sobre Dalal Achcar, teria encerrado a carreira de crítico.

 

Na sequência, Chediak passou a palavra para Gustavo Ciríaco:

—O aniversariante de hoje é bailarino performer, coreógrafo e cientista político, é autor de espetáculos de dança, performances contextuais, e está agora cada vez mais interessado em ficção. Atua em diversos países da América latina, Europa e Ásia. Seus trabalhos já foram vistos São Paulo, Havana, Berlin, Santiago, Taipei, Paris Londres, Madri, Lisboa. Sua peça de 2007 “Still, sobre o estado das coisas” recebeu o prêmio APCA, de melhor concepção de dança de 2007, e foi um dos indicados ao prêmio de melhor espetáculo de dança do ano. Em 2007, estreou a peça “Eles vão ver”. Gustavo vai falar sobre os tópicos artistas-críticos, críticos-artistas, e como em alguns contextos de colaboração uma prática comum tem sido a de apresentação de trabalhos próprios seguidos de discussão entre seus pares e teóricos convidados para aprimorar o trabalho em conjunto.

 

—Se a gente pegar lá no início da crítica, na cultura podemos pensar como o pintor se tornaria público, visível ou conhecido. Ele tinha um empresário que era o agente ou marchand, que servia como aquele que traz este artista para um contexto mais amplo, introduzindo o artista e a sua obra e estabelecendo uma base de diálogo. Se a gente pensa o jornal impresso observa que ele perdeu espaço para a mídia eletrônica. Seria um melhor artista aquele que ao contextualizar a partir das arenas onde acontecem os espetáculo, sejam festivais, encontros, passa a ser o agente em si mesmo, de acordo com o discurso sobre sua obra. Então, uma maneira de ter esse retorno é o de buscar com outros artistas um testemunho crítico.

 

Dando seqüência ao encontro, Chediak introduziu a jornalista Nayse Lopes.

—Nayse é crítica de dança e editora do Idança.net,  e curadora do Panorama Festival do Rio. Ela vai abordar o empobrecimento de novas formas de crítica e a chance de um modelo para além das estratégias de qualificação dos formatos digitais como espaço sério e com caráter de documento, formatos de relato e diálogos críticos discursivos.

 

A jornalista iniciou falando sobre a sua experiência na área cultural:

-Eu tive essa carreira de crítica de dança, incompatível com um outro trabalho que fiz que é a crítica da curadoria. Quando eu migrei para a área de direção artística, percebi que precisamos nos preocupar com quais discursos são validados, que críticas são validadas a partir desse espaço que a gente cria. Quando o idança.net começou uma das questões dele era justamente a discussão sobre a crítica. O idança surgiu como um fanzine na internet. Uma pessoa tinha lido o Jornal do Brasil e falou sobre a falta de críticos. Decidimos criar um espaço na internet para isso. Hoje, olhando retrospectivamente, o idança se tornou um veículo, para nosso contragosto, um pouco institucionalizado demais. Determinamos que era por causa da ausência de um lugar institucionalizado que se pudesse falar sobre dança e criar um aspecto crítico sobre a produção nacional. Temos nos preocupado em experimentar na internet outros formatos de discurso e de documentação, que é para mim é um lado muito importante para pensarmos a crítica.

 

Nayse lamentou a ausência de críticos de dança no atual contexto da imprensa brasileira:

—Perdemos este lugar que você podia confiar que alguém estava criticando, registrando o que está acontecendo. Não está mais sendo feito em nenhum jornal. Não há crítica sobre aquilo, não há matéria sobre aquilo, não existe um ponto de vista para a documentação histórica. A gente está se salvando, eu acho, pela internet. Só que quando não pensamos que tudo isso está na internet, vamos para a discussão que interessa hoje em dia, que é sobre o que significa a validação desses documentos, como separamos o joio do trigo, se é que temos que separar. Será que precisamos mudar a maneira de olhar dos textos críticos que não passam pelo cânone que havia no texto crítico jornalístico cultural tradicional? Temos um monte de gente falando sobre um monte de trabalhos, e, talvez, tenhamos que parar para pensar um pouco, dar a isso um novo lugar, criar um novo lugar.

 

A jornalista também chamou a atenção para a legitimação do discurso na internet:

—No mundo em que vivemos, nessa arena quase primordial que é a internet, vemos pelas pesquisas que as pessoas passam muito mais tempo pesquisando na internet do que em um livro, em bibliotecas, em um acervo de fato. Essa nova cultura na internet, esse sentimento “facebookiano” de que eu posso escrever sobre qualquer coisa que todo mundo deve ler, e minha opinião passa a ter uma certa importância para um grupo de amigos que acredita no que eu falo. Isso levado aos blogs se torna ainda mais amplificado, já que você escolhe aquele blogueiro que escreve sobre aquele assunto, seja ele esmalte ou dança contemporânea, ou literatura, ou tecnologia. Como podemos fazer esse lugar evoluir para um espaço que possa servir de documento? Preocupo-me o modo como nós vamos ver daqui há 50 anos o que acontece hoje na prática artística, se não pudermos confiar na cobertura jornalística tradicional, que não existe.

 

Em seguida, Jesus Chediak anunciou a quarta palestrante:

—Helena Katz, nossa colega de São Paulo, do Estadão, vai participar por vídeo conferência. Crítica de dança do jornal Estado de S. Paulo, e professora da Pontifícia Universidade Católica de SP, Helena é graduada em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro(UERJ), e doutora no Programa de Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Fundou e coordena o Centro de Estudos de Dança(CED), grupo de pesquisa que reúne estudantes, professores, produtores programadores e artistas das artes do corpo. É também professora da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia. Ela vai falar sobre a função da crítica, a responsabilidade coletiva da construção de uma arena nova de documentação, chamando a atenção para o fato de que essa auto-autorização blogueira, além de reproduzir comportamento nascido na cultura digital, o que se chama de comportamento blogueiro. No caso da crítica de dança, jornalismo cultural, ela se agrega a algo específico, a produção da mesma ausência de parâmetros regulatórios sobre a formação que profissionaliza bailarinos, curadores jurados.

 

—Não há nada mais claro para ver os novos formatos do jornalismo cultural do que a crítica. Não só a crítica da dança, mas a crítica no jornalismo cultural e os pré-requisitos de um crítico de dança. Na Folha era exigido o vínculo com a universidade como reconhecimento desse papel. Vários formatos do jornalismo cultural mesmo no papel vem mudando desde os anos 70 com a perda de espaço. Os cadernos de cultura chegaram a ter 32 páginas. Hoje vivemos uma situação muito diferente, na qual velhos formatos e novos formatos convivem. Não sabemos direito como usufruir disso tudo da melhor maneira possível. Uma das coisas que mais vigora é a aura do papel impresso, quando todo mundo está na internet, mas que não foi abandonada no momento da crítica. Como vamos  “desauratizar” esse papel do impresso, porque ele tem toda essa filtragem. Aquilo que está impresso passou por um pauteiro, um editor, é de alguém daquela empresa, legitimado, e que passou por todos aquelas instâncias até chegar na sua mão, analisou Helena.

As especificidades do discurso na rede foram salientadas pela jornalista:

—Na internet, onde passamos a maior parte da nossa vida, na frente da tela, a legitimação é de outra maneira, é autolegitimada. Todos nós nos auto-autorizamos a escrever sobre o que quisermos, sobre qualquer filme, qualquer objeto do nosso interesse, a qualquer momento da nossa vida. A legitimação hierárquica consolidada com valores públicos se torna uma legitimação da pessoa, do sujeito. Então, é nesse quadro se realiza a mudança da aura do papel para ainda uma inexistência da aura no discurso que se auto-autoriza na tela, que é o discurso do blogueiro. O espaço é ilimitado, mas, ao mesmo tempo, a paciência é treinada num ritmo muito curto: o lugar onde você pode escrever 500 páginas se você quiser, porque os hábitos cognitivos são inteiramente diferentes na frente da tela, e o que a gente tem feito, o que tem acontecido é só a migração do texto offline para a vida online. Se quisermos um discurso crítico, se quisermos de fato pensar o que é um discurso crítico na vida online, talvez o desafio seja outro e não pode deixar de fora toda a compreensão do que acontece na vida online que têm outro vocabulário. O que muda é o eixo, não é o sujeito, é a mediação que importa agora, e a mediação é a vida on-line, ela tem uma língua, e é preciso fazer uma língua crítica para ela.

 

Antes do encerramento do seminário, os palestrantes debateram com o público as questões apresentadas ao longo da discussão.