22/05/2013
O jornalista Ruy Mesquita, diretor de O Estado de S. Paulo, morreu nesta terça-feira, dia 21, às 20h40, no Hospital Sírio-Libanês, no Centro de São Paulo, onde estava internado desde o dia 25 de abril, para tratamento de um câncer na base da língua
Ruy Mesquita chegou a ser submetido a uma cirurgia para a retirada do câncer. Os médicos, no entanto, não conseguiram conter o avanço da doença, que foi diagnosticada em abril último.
O velório, restrito a familiares e amigos, teve início na madrugada desta quarta-feira, 22, em sua residência, na Rua Angatuba, 465, Pacaembu, Zona Oeste de São Paulo. O sepultamento foi marcado para as 15h, no Cemitério da Consolação, na capital paulista.
De hábitos reclusos, Dr. Ruy, como era chamado, dividia seu tempo entre o jornal, onde trabalhou até o dia da internação, a casa e as leituras. Deixa a mulher, Laura Maria Sampaio Lara Mesquita, os filhos Ruy, Fernão, Rodrigo e João, 12 netos e um bisneto.
Roberto Mesquita disse nesta quarta que o pai deixa grandes lições sobre papel do jornal na sociedade:
-Ele foi o último grande jornalista do século XX. O jornalismo não é só distribuir informação para o etéreo. Você precisa ter um ponto de encontro que seja uma referência para uma discussão de onde estamos e para onde vamos. É assim que ele olhava o jornal e é assim que continuaremos olhando o jornal.
Rodrigo Mesquita também destacou a dedicação do pai à imprensa:
-Ele foi um homem que participou de todos os fatos importantes da vida do Brasil, da América Latina, e sempre ativamente, sempre com opinião, e sempre respeitando a opinião adversária também. Até a véspera de ser internado, ele estava trabalhando.
Opinião
Fundado em 1875 com o nome de A Província de São Paulo, O Estado de S. Paulo é um dos jornais mais antigos e de maior influência no país e, por muitos anos, foi apontado como conservador, embora Ruy Mesquita gostasse de defini-lo como uma publicação de ideias liberais e democratas.
Ruy Mesquita era da terceira geração de uma das mais tradicionais famílias de jornalistas do Brasil e por mais de 60 anos esteve na linha de frente do jornal O Estado de S. Paulo, O jornalista ocupava o cargo de diretor de opinião do Estadão e, nos últimos anos, era o responsável direto pelos editoriais do jornal.
Filho de Julio de Mesquita Filho e neto do patriarca Julio Mesquita, Ruy Mesquita nasceu em 16 de abril de 1925 e cursou a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), mas trocou os estudos jurídicos pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Iniciou a carreira como repórter em 1948. Ocupou os cargos de redator, editor de Internacional e diretor do Jornal da Tarde – fundado sob sua orientação em janeiro de 1966 e extinto no final de 2012.
Ruy Mesquita presenciou o início da revolução em Cuba, nos anos 1950, e foi homenageado pelos irmãos Castro. Depois, tornou-se crítico contumaz do regime.
Ao lado do pai, Julio de Mesquita Filho, Ruy apoiou o golpe de 1964, ou contragolpe e contrarrevolução, como preferia chamar.
Reuniu-se com militares antes do golpe de 1964, que apoiou, em nome da defesa da democracia, mas, assim como seu pai e seu irmão, também passou a criticar a ditadura. Rompeu com o regime após a edição do Ato Institucional n.º 2, que cancelou as eleições de 1965. Os três lideraram uma das mais emblemáticas resistências à censura prévia.
Em 1968 chegou a ter uma edição apreendida. Os jornais do grupo entraram para a história do jornalismo ao desafiar os militares com a publicação de versos de “Os Lusíadas”, de Camões, e receitas de bolos e doces no espaço dos textos censurados.
Nos anos 1970, a construção da nova sede na Marginal Tietê, em São Paulo, deixou o grupo em dificuldades financeiras, contornadas apenas anos depois. Ruy Mesquita tornou-se o diretor responsável pelo Jornal da Tarde.
Em 1988 o grupo passou por uma grande reforma administrativa e foram criadas diferentes unidades de negócio.
Em 1996, após a morte do irmão Julio de Mesquita Neto, com quem dividia a responsabilidade pela orientação editorial, Ruy Mesquita assumiu a direção do Estadão.
Um ano depois Ruy Mesquita assumiu a Presidência do Conselho de Administração, cargo que ocupou até 1998.
Nos anos seguintes o Grupo Estado iniciou um processo de reestruturação e de profissionalização, com os membros da família Mesquita que ocupavam cargos executivos ou de comando editorial sendo substituídos por profissionais do mercado.
Em 2012 o comando da companhia voltou para um dos herdeiros da família Mesquita. Desde outubro de 2012, Francisco Mesquita Neto, primo de Ruy Mesquita, ocupa o cargo de diretor-presidente do Grupo Estado, que, além do jornal O Estado de S. Paulo, reúne atualmente a Rádio Eldorado, a Agência Estado, a Oesp-Mídia, a Oesp-Gráfica e o portal Estadao.com.br.
Leia abaixo depoimentos sobre a morte de Ruy Mesquita:
Dilma Rousseff
Presidente
“Ruy Mesquita foi um homem de convicções. Diretor do jornal O Estado de S. Paulo, criador do inovador Jornal da Tarde, Doutor Ruy – como era conhecido – foi símbolo de uma geração da imprensa brasileira. Neste momento de dor, presto a minha solidariedade à família e amigos.”
Luiz Inácio Lula da Silva
Ex-presidente
“Ruy Mesquita era um desses raros exemplos de dono de jornal apaixonado pelo jornalismo. Pelo jornalismo e pela política, com a qual conviveu desde menino, ao acompanhar o pai no exílio. Ele deixa no jornalismo brasileiro uma marca fundamental: a criação do Jornal da Tarde, que revolucionou a imprensa nos anos sessenta. Pessoalmente guardo dele uma boa lembrança. Em 1978, no início da minha trajetória como líder sindical, Ruy Mesquita me entrevistou por quatro horas. Não revelou qualquer preconceito e conduziu a entrevista com o espírito aberto de um bom repórter. Nessa hora de tristeza, presto minha solidariedade à família e a seus amigos.”
Villas-Bôas Corrêa
Jornalista
“Ser dono de um jornal e ser um grande jornalista são coisas diferentes, mas o Dr. Ruy era as duas coisas. Um excelente jornalista, de quem fiquei amigo quando trabalhei no Estadão. Era também um militante político muito ativo, combatendo a ditadura. Nunca quis ser candidato, porque preferia se dedicar ao seu jornal, mas poderia ter sido. Sinto a perda, porque Dr. Ruy era um amigo.”
João Ubaldo Ribeiro
Escritor
“Ruy Mesquita há de ser lembrado como um grande jornalista, que honrou a profissão de todas as formas, notadamente em seu zelo pela liberdade de opinião e expressão. Seu legado está longe de ser resumir-se a essa postura digna e intransigente, mas é ela que mais contribui para o exemplo que ele sempre deu e continuará a dar. A história do jornalismo brasileiro tem nele, sem a menor dúvida, um dos vultos mais admiráveis e sua falta será sentida por muito tempo.”
Otavio Frias Filho
Diretor de Redação da Folha de S.Paulo
“Ruy Mesquita foi uma das mais expressivas personalidades do pensamento liberal-conservador no Brasil, apegado a princípios rigorosos e comprometido com a excelência jornalística. A liberdade de expressão perde um inestimável defensor.”
Giancarlo Civita
Vice-presidente do Conselho de Administração do Grupo Abril
“O Brasil e o jornalismo perdem um grande defensor da democracia, da livre iniciativa e da liberdade de expressão. Nesse momento de dor, que toda a família Mesquita e a equipe do Grupo Estado recebam nossa solidariedade e nosso incentivo para que possam levar adiante os ideais que moveram o Dr. Ruy Mesquita durante toda a sua vida.”
Fabio Barbosa
Presidente executivo da Abril S.A.
“O Estadão representa um dos principais capítulos do jornalismo brasileiro. A coragem, a força e a crença na construção de um Brasil melhor, ideais que sempre estiveram presentes na trajetória do Dr. Ruy Mesquita e do Grupo Estado, certamente deixaram um legado para o país e todos os brasileiros.”
Jayme Sirotsky
Presidente emérito do Grupo RBS
“Ruy Mesquita deixa exemplo de integridade, com destaque na defesa da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa como sustentáculos da democracia. Suas posições como jornalista sempre foram reconhecidamente retas. É uma perda importante para todos, que lutamos na mesma trincheira, e para o jornalismo brasileiro.”
Leia abaixo artigo publicado por Ruy Mesquita em 24 de abril de 1998, no Caderno “1968 – Do Sonho ao Pesadelo”
Por Rui Mesquita
“Albert Camus acreditava no jornalismo como trincheira de combate político, não apenas uma correia de transmissão de notícias, muito embora esta também seja uma função nobre e importante para a vida numa sociedade democrática. Não foi à toa que ele participou da equipe de uma publicação que se tornou um ponto de referência da resistência francesa à invasão nazista, Combat.
O grande escritor franco-argelino, justamente galardoado com o Prêmio Nobel de Literatura, não viveu o suficiente para ver como a era da comunicação de massas, que reina sobre a sociedade da informação, tem atrofiado, cada vez mais, o papel combatente da imprensa, dando mais relevo à natureza meramente noticiosa dos jornais.
Neste panorama, comum em todo o planeta, o Brasil não é exceção à regra. Mas o jornal O Estado de S. Paulo é, sim, e se orgulha de sê-lo. Embora nunca tenha deixado de lado a obrigação social precípua de narrar os fatos do dia a seus leitores fiéis, este diário sempre se manteve, ele também, fiel a sua característica, adquirida desde a fundação, de arma política na luta pelo aperfeiçoamento das instituições democráticas. Fundado por abolicionistas e republicanos, desde seus tempos iniciais, quando ainda tinha no cabeçalho o título A Província de São Paulo, ele nunca abandonou a trincheira da guerra, sempre nobre, mas muitas vezes inglória, pelos princípios democráticos, que se baseiam no primado da liberdade de agir, empreender, trabalhar, se reunir e se manifestar.
Essa diferença de um jornal, entendido como arma política, e não apenas divulgador de notícias, estabelecida pelo grupo de fundadores, combatentes republicanos em pleno 2° Império, foi entendida em toda sua extensão por meu avô, Julio Mesquita, e seus descendentes, que participaram do contexto histórico nacional.
O Estado, muito mais do que um registro fiel dos fatos históricos, sempre se orgulhou de ser um ator, muitas vezes até protagonista, da História, por mais sacrifícios pessoais ou patrimoniais que esse papel pudesse implicar. O velho Julio Mesquita foi o primeiro a sofrer sacrifício pessoal, pois, em sua luta contra a frustração dos ideais republicanos na 1.ª República, acabou apoiando os movimentos revolucionários da década dos 20, o que lhe custou, em 1924, uma temporada nas prisões de Artur Bernardes.
Em nome dos ideais liberais a que sempre foi rigorosamente leal, meu pai, Julio de Mesquita Filho, amargou o exílio em 1932, depois da derrota militar da Revolução Paulista, aliás planejada na redação de O Estado de S. Paulo. Voltou ao exílio em 1938, após ter frequentado várias vezes as prisões do Estado Novo fascista, instalado pelo golpe de novembro de 1937, por se recusar a silenciar diante da explícita traição dos ideais da Revolução de 30 por seu usurpador Getúlio Vargas. Por causa disso, o jornal foi fechado e viveu um hiato administrado por esbirros do Estado Novo. A fidelidade aos mesmos ideais levou meu pai a apoiar a conspiração política e militar, chegando até a dela participar, para enfrentar a ofensiva do governo de João Goulart contra as instituições democráticas. Essa ofensiva culminou com o projeto de instalação de uma “república sindical” no País, anunciada no famoso discurso de Goulart no comício da Central do Brasil, em março de 1964.
No entanto, não demorou muito após os militares terem assumido o poder, e logo ele se convencia de que o movimento contrarrevolucionário se desviava de seu objetivo inicial, que era o de preservar as instituições democráticas. Já por ocasião da promulgação do Ato Institucional n.° 3, Julio de Mesquita Filho colocou o jornal em franca oposição ao governo Castello Branco e ao regime.
O resto é História. Que, aliás, está muito bem contada nessa exposição: a progressiva radicalização, tanto dos opositores do regime militar, à esquerda, quanto da linha dura militar, que os reprimiu. Essa exposição tem a virtude de resgatar a História do Brasil recente. Aqui estão registrados os fatos de 1968, que terminaram provocando a reação brutal dos militares da linha-dura. Estes impuseram a violência institucional. Para entender bem a época, é preciso ter presente o fato de que o movimento estudantil tinha reivindicações materiais em seu princípio e Edson Luís Souto, o estudante morto à bala num confronto com a repressão policial, nem sequer tinha posições políticas bem definidas. E deu no que deu: guerrilha, fechamento do Congresso, censura, etc.
A promulgação do Ato Institucional n.° 5, em 13 de dezembro de 1968, marcou o fim da atividade jornalística de Julio de Mesquita Filho. Seu editorial daquele dia, “Instituições em frangalhos”, escolhido para encerrar esta exposição, foi o último que escreveu. A edição em que o texto foi publicado foi apreendida pela polícia da ditadura, e até o fim do regime de censura da imprensa, já no governo Geisel, aquele espaço passou a ser ocupado por versos dos Lusíadas, poema fundador de nossa língua portuguesa, de autoria de Luís de Camões.
Poucos dias após esse episódio, em janeiro de 1969, Julio de Mesquita Filho caiu doente e estou convencido de que o triunfo da linha-dura dos militares sobre os ideais originais do movimento de 1964 lhe produziu tal amargura e frustração que terminariam levando-o à morte. Quando morreu, a meu ver de desgosto por isso, meu pai era um homem idoso, mas, em seus 77 anos, não sofria dos achaques naturais da velhice. Ao contrário, era um homem moço para sua idade avançada.
Logo depois da decretação do AI-5, contudo, uma velha úlcera do duodeno, com a qual conviveu durante a vida inteira sem hostilidade de parte a parte, ressurgiu com violência, levou-o ao leito e, seis meses depois disso, à morte, em julho de 1969. Com o AI-5 e o controle do governo pela linha-dura, o regime passou a ser mais violento e explícito do que já era. O Estado de S. Paulo, como era de se esperar, estava entre suas primeiras vítimas – foi o único dos grandes jornais a ser censurado na redação, por se recusar a praticar a autocensura, como também se recusou o semanário alternativo carioca O Pasquim.
Em reconhecimento a isso, a Federação Internacional de Jornais concedeu o Prêmio Pena de Ouro da Liberdade de 1974 a meu irmão Julio de Mesquita Neto, que tinha assumido o lugar de nosso pai e passou a comandar o jornal após sua morte, em julho de 1969. Com o prêmio, a FIJ ressaltou a “corajosa e solitária luta que vem mantendo contra a censura à imprensa no Brasil”.
O próprio regime militar, ao resolver partir para a abertura política, definida como uma distensão lenta, segura e gradual, reconheceu o papel histórico desempenhado pelo jornal. Pois o presidente Ernesto Geisel aproveitou a edição comemorativa do centenário da fundação do Estado, em 1975, para retirar a censura de nossa redação, anunciando, dessa forma, o fim da censura no País.
Essa consciência de que o jornal tem de cumprir sua função social de contar a verdade para seus leitores, sem abrir mão de funcionar como arma na luta política na defesa dos nobres ideais da liberdade, continua a impregnar a tinta que circula em nossas rotativas. A liberdade, antes de tudo, é o lema que corre no sangue de minha família, na luta para construir um Brasil melhor e mais justo para nossos filhos.”
Texto: Cláudia Souza*
*Com informações dos jornais O Estado de S. Paulo, O Globo, Portal G1