Ruth Lima: talento na dança e na imprensa


01/10/2010


Bailarina, coreógrafa, jornalista e escritora, Ruth Lima, celebra mais de quatro décadas de atuante e expressiva atividade no balé e na imprensa, no circuito nacional e internacional, especialmente na Argentina, onde apresenta o programa “Ayer y Hoy”(“Ontem e Hoje”), na rádio Splendid AM – 990, juntamente com o marido, o jornalista ítalo-argentino Mario Andrioli. Além do noticiário local e internacional, a programação valoriza o tango como expressão musical, a cultura e o turismo portenho e brasileiro.

 

Um dos maiores nomes da dança clássica em todo o mundo, Ruth Lima, professora do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e de importantes centros de dança, mantém em sua rotina pessoal a prática de exercícios físicos diários que incorporam elementos do balé clássico, alongamento e yoga. A agenda inclui visitas a vários países como representante cultural do Brasil, e em cerimônias de homenagem ao seu brilhantismo artístico e dedicação ao balé como forma de expressão dos povos.

Seu papel relevante no balé está registrado no livro “Theatro Municipal — 100 anos”, com texto de George Ermakoff, que narra a história do teatro e de seus mais importantes personagens na dança e na música. A obra foi lançada em agosto último por ocasião da reabertura do espaço após grande reforma. O capítulo dedicado à Ruth Lima foi ilustrado com imagens do acervo do colecionador e pesquisador Marcelo Del Cima.

 

Ao lado do marido, o jornalista ítalo-argentino Mario Andrioli, Ruth dá seguimento à sua trajetória de mais de quatro décadas na imprensa apresentando na rádio Splendid AM – 990, de Buenos Aires, a pauta cultural do programa “Ayer y Hoy”(“Ontem e Hoje”), que pode ser acessado pelo endereço www. am.splendid.com.ar. No ar desde 2002, dirigido por Miguel Angel De Renzis, “Ayer y Hoy” é transmitido às segundas e quintas-feiras, das 6h às 9h.

 

—Além do noticiário local e internacional, o conteúdo do programa abrange as áreas de política, economia, e também música, cultura e turismo. Entre 8h e 8h10min, eu e Mario falamos sobre os aspectos turísticos e culturais do Brasil e da Argentina, com destaque para a valorização do tango. Recentemente, ficamos felizes ao saber do sucesso do programa na Turquia e na França. Eu e Mario, como sócios da ABI, temos orgulho em atuar neste importante veículo de divulgação do Brasil, afirma Ruth.

Com mais de cinqüenta anos de carreira, Mario Andrioli tem passagens pelas rádios Excelsior, Portenã, Del Pueblo, Argentina, Belgrano, Antártida, Mitre, Nacional, El Mundo, Continental, Splendid, e pelas emissoras de TV Canal 5, Canal 7, Canal 13, e, atualmente, Canal 9.

 

Carioca do bairro da Urca, Ruth Lima iniciou as aulas de balé aos cinco anos de idade. Seis anos depois ingressou na Escola de Bailados do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, dedicando-se, simultaneamente, às tarefas escolares, conforme a orientação dos pais, Antônio Pereira Lima e Eurydice Mendonça Uchoa Lima.  

 

Incentivada pelo jornalista, e ex-deputado José Bernardo da Silva, Ruth empenhou-se com rigor à dança. Agraciado pela Unesco com o título de “Cidadão do mundo” por sua trajetória humanitária, José Bernardo da Silva foi fundador dos jornais Himalaya e O Momento Fluminense, colaborador em dezenas de publicações e autor de obras sobre filosofia cristã, poesia e música:

—Tenho muitas saudades de José Bernardo, a quem considero meu pai espiritual. Ele  incentivou meus passos desde tenra idade na nobre arte de bailar, contribuindo com a maior parcela de meu sucesso no engrandecimento do ballet, sublinha Ruth.  

Em 1956, a jovem formou-se bailarina clássica pelo Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Um ano depois, como solista de “Les Sylphides”, de Frédéric Chopin, teve o talento aplaudido por figuras de destaque como os Presidentes do Brasil, Juscelino Kubitschek, da Itália, Giovani Gronchi, e de Portugal, Craveiro Lopes.

 

Três anos depois, em 1959, Ruth foi promovida ao cargo de primeira bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em decisão unânime da Comissão Cultural do órgão. Logo depois, se apresentou no papel principal de “Serenata para Cordas”, de Tchaikowsky, com coreografia de Eugenia Feodorova. 

No início da década de 1960, participou de espetáculos em diversas capitais brasileiras com grande repercussão, inclusive entre personalidades como a Primeira-Ministra da Índia, Indira Gandhi. A beleza e o talento da bailarina conquistaram também a crítica especializada que a definiu como “aquela que tem asas”.

 

Em 1961, a bailarina aceitou o convite para participar do concurso Miss Guanabara, representando a Associação Atlética de Vila Isabel. O jornalista Carlos Heitor Cony foi um dos incentivadores da candidatura:

—Participei do concurso recebendo apoio total do jornal Gazeta de Notícias. Fui entrevistada pelo grande jornalista e saudoso Osmar Flores, que, sabendo da minha profissão dedicada ao balé, convidou-me a colaborar com uma coluna sobre o assunto. Diante daquela porta larga por onde há mais de um século saía a defesa dos direitos do povo, encontrei-a aberta em defesa do balé. Percorri todos os departamentos do jornal encontrando em meus colegas aquele sorriso que só têm os que confiam na independência do Brasil. E foi assim que ingressei com minha humilde pena para dar uma modesta colaboração, lembra Ruth.

 

O início de suas atividades na Gazeta de Notícias representou um marco na trajetória da artista em defesa da cultura nacional:

—Este jornal publicou o meu primeiro trabalho. Sucederam-se muitos outros esclarecendo ao povo tudo sobre balé e os que imploravam às autoridades a necessidade de divulgá-lo na prática. Um grito de alerta. 

 

Com a leveza e precisão que a distinguiram nos palcos, Ruth redigiu textos para a imprensa sublinhando o papel da dança como elemento de resgate da autoestima e da cidadania:

—O balé vem perfumar o crescimento de uma nação. Que seria a rosa sem perfume? É imenso o seu campo de ação. Ressalta a beleza, a graça, a alegria, dando desta forma sua parcela de amor ao próximo. Eis aí um dos milagres que o ballet proporciona para a maior felicidade da criatura humana.

 

Ruth escreveu também no jornal Última Hora, colaborou para revistas e outras publicações, e em programas de rádio e TV, no Brasil e no exterior.

 

Na década de 1980, ingressou na Associação Brasileira da Imprensa (ABI) tendo como proponente o jornalista Florestan Japiassú Maia, também associado da entidade, vindo a integrar a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da Casa.

 

Segredo

 

SPAN style=”FONT-FAMILY: Verdana”>O trabalho na imprensa reforçou o interesse de Ruth pela literatura. Em 1976, começou a reunir textos para publicar seu primeiro livro intitulado “O Segredo da Sapatilha — Vida e alma”, seguido pelos títulos “Ballet — Cultura Geral”, “Dialogismo das Sapatilhas”, e “As Garças da Ribalta”.

 

Nas obras, em formato pedagógico, a autora discorre sobre a história do balé, arte que domina com perfeição técnica e sensibilidade:

—A manifestação do balé começou a acentuar nos séculos 14 e 15. Estas interessantes apresentações eram motivo de divertimento para personalidades da época nas cortes e nos banquetes reais. Dançavam geralmente encobertos por máscaras no intervalo de peças teatrais nas quais os atores, também devidamente mascarados, declamavam um poema para o principal personagem.  Tornou-se famoso em toda a Europa o “Ballet Banquete” promovido em 1489 por Bergonzio Di Botta, por ocasião das núpcias do Duque de Milão com Isabel Aragão. Desenhos coreográficos do ballet foram especialmente compostos para apresentar a variedade de cada prato durante o rico banquete. A ideia contagiou a corte a pontos de todos aspirarem o mesmo feito”, explica  em “Ballet — Cultura Geral”.

 

Entre outras curiosidades, Ruth conta que no ano de 1681, em Saint Germain, foi registrada a primeira exibição de bailarinos profissionais:

—O autor deste marcante acontecimento foi o compositor Lulli onde no seu ballet “Lê Triomphe de L’amour” dançavam as mais lindas bailarinas da época. Com isto desapareceu definitivamente a atuação do travesti (disfarce do sexo) e das famosas máscaras.

 

Nos livros, além de sublinhar seu amor à dança, Ruth dedica aos alunos a energia e a força de seu talento, como em “As Garças da Ribalta”:

— O meu objetivo com esta edição não é conquistar mais um título, mas tão somente, através da arte, transmitir as noções de tão linda, apreciada e difundida cultura. A dedicatória é feita aos alunos que tiveram e que terão tudo aquilo que transmito e comunico em qualquer passo da tradicional e imorredoura arte, que sempre procurei aperfeiçoar na prática do principal amor de minha vida: o balé.

 

Com o sucesso das publicações, a autora ingressou na Academia Brasileira de Jornalismo, na cadeira número 36 — ocupada por Cecília Meirelles, um dos maiores nomes da literatura nacional, com destacada e intensa atuação na imprensa durante mais de 40 anos, no Diário de Notícias, A Nação, Folha de S. Paulo, entre outras publicações. Ruth integra ainda os quadros das Academias Brasileira de Arte, de Cultura e História de São Paulo; Neolatina e Americana de Artes; e Pan-Americana de Letras e Artes.

 

Por sua trajetória de incentivo à cultura, foi homenageada em outubro de 1995, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, e condecorada em 2 de junho de 2003, na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro(Alerj), com a Medalha Hipólito da Costa, Patrono da Imprensa Brasileira. No mesmo ano, foi nomeada Assessora Cultural da Ordem dos Jornalistas do Brasil, por José Fernando Miranda Salgado, então Presidente da entidade.

 

Dentro da esfera artística, Ruth recebeu incontáveis prêmios no Brasil e no exterior, em reconhecimento e distinção à sua arte. São também numerosos os convites para apresentações e para ministrar cursos em instituições como Metropolitan Opera House, Centro Coreógrafo de Bagnolet, Neubert Company, Children’s Ballet Theatre, American Ballet.

 

Exterior

 

As primeiras apresentações de Ruth Lima no exterior aconteceram em 1966, quando percorreu a América Latina no Corpo de Baile do Theatro Municipal dançando os papéis principais de “O Lago dos Cisnes”, de Tchaikowisky, e “Les Sylphides”, de Chopin. Na turnê pelos países da América do Sul, alcançou grande sucesso, com destaque para a Argentina, onde foi festejada pelo jornal El Clarín como a bailarina “etérea e translúcida”:  
—A cultuada platéia me aplaudiu calorosamente em cena aberta, quebrando o protocolo. Foi um dos momentos mais marcantes da miha carreira. A crítica especializada do Clarín me honrou com este título.

Dois anos depois, voltou a protagonizar “O Lago dos Cisnes”, no Brasil, na Quinta da Boavista, para um público de meio milhão de pessoas, o maior registrado no País, até então, em espetáculos de dança.

 

Em “Giselle”, “Salomé”, “Quebra-Nozes”, “Masquerade”, Ruth conviveu com mestres e partners, ícones da dança mundial, entre os quais, George Balanchine, Johnny Franklin, com que formou aplaudida parceria, Yuco Lindberg, Luiza Carbonell, William Dollar, Leonide Massine, Fred Kelly, Don Farnworth, Eugenia Feodorova, Nina Verchinina, Armando Nesi, Edmundo Carijó, Aldo Lotufo, Arthur Mitchel, Gerald Ohn.

 

Em 1970, a convite da Divisão Cultural do Ministério das Relações Exteriores, a bailarina iniciou visita a 29 países como representante cultural do Brasil.

 

Para incentivar e popularizar o ensino da dança em solo brasileiro, a partir de 1972, a artista deu início à preparação dos alunos da Escola de Balé da Prefeitura Municipal de Santos. Lecionou também na Escola de Balé da Associação Atlética Banco do Brasil(AABB), e no Ballet da UniSantos.

 

Ao longo de duas décadas, formou três gerações de bailarinas — grande parte oriunda de comunidades carentes de Santos — que superaram a pobreza através do talento artístico vindo a integrar o Corpo de Baile do Teatro Municipal Brás Cubas. Através do programa Didático Cultural, um de seus projetos vitoriosos, Ruth demonstrou na prática que o incentivo à dança é sinônimo de desenvolvimento educacional, social, cultural e econômico:

—Foram arregimentadas centenas de crianças carentes da periferia da cidade paulista de Santos para o Projeto Didático Cultural. As providências para atenuar a subnutrição foram tomadas e, de um modo geral, com melhor aproveitamento dos alunos nas aulas ministradas pelas professoras. Muitos ingressaram no Corpo de Baile do Teatro Municipal Brás Cubas. Isso prova a adaptabilidade das crianças nesta modalidade de arte, o ballet. Realizei um levantamento em morros e áreas populosas, como a Zona Noroeste, periferias, e após estudo minucioso, sugeri um plano de popularização do ballet para a cidade de Santos. O esquema de trabalho propunha visitar os locais cientificando dos benefícios deste projeto oferecido pela Prefeitura, com crianças entre 7 e 12 anos. Outras iniciativas deste projeto foram refazer o Corpo de Baile do Teatro Municipal para apresentações no próprio teatro a preços populares, verba destinada a entidade assistencial, e exibições ao ar livre.

 

Em sua atuação como professora e coreógrafa — que se estende também ao Rio de Janeiro, Ruth priorizou a formação dos alunos através do estímulo ao equilíbrio físico e mental e aos aspectos relacionados à cidadania:

—Como é maravilhoso o talento de nossas crianças e jovens, que sozinhas se adaptam rapidamente às posições clássicas. E progridem rapidamente de ano para ano. O mundo seria bem melhor se o balé entrasse na formação. Esta arte lhes daria maior concentração sobre si mesmo, postura, saúde e muitas outras vantagens. Em centenas de escolas públicas, onde milhares de crianças fazem curso de alfabetização, deveriam ser fixados com antecedência em seus quadros todos os informes e datas sobre o ingresso de alunos na escola de dança.

 

O trabalho teve bons resultados também junto aos pais dos alunos: 

— Tive no Satélite Clube Banco do Brasil uma escola de balé para crianças e adultos. A pedido insistente das mães passei a ministrar para as mesmas aulas de Dinâmica de Expressão Corporal e qual o meu espanto meses depois quando verifiquei a cura de asma, bico de papagaio na espinha, pé chato, disritmia, com ajuda até na descontração nervosa.

 

O alcance social da iniciativa reforçou a luta por projetos de valorização e difusão da cultura nacional:

—As maiores escolas de balé do mundo nos visitam anualmente. Trazem consigo valores incontestáveis que muito servem ao nosso aprendizado. É o intercâmbio perfeito. E nós? Assistimos a tudo de braços cruzados deixando fugir de nossas mãos o que a nós pertence. O material humano é excelente, os motivos temos de sobra, precisa-se de um cérebro inteligente e honesto para levar ao estrangeiro a beleza da arte e do folclore brasileiro. É incompreensível o descaso pela pouca ou nenhuma contratação de bailarinos negros nos teatros oficiais. Quem conhece o significado profundo dos Três Reis Magos, por certo, não concorda com a discriminação racial. Com a história de Chica da Silva, podemos imaginar o grande ballet tradicional e da atualidade, do amor, e a vaidade, da simplicidade e o orgulho, da união da raça branca e negra. Quando aparecerá um Strauss e um coreógrafo como Jean Georges Noverre, o reformador e precursor para colocar o samba entre as danças clássicas? A valsa era folclore, hoje faz parte até de óperas. Quando chegará a vez do samba?

Esperar não basta, é preciso ação.

Esta disposição integra os projetos para o futuro, que incluem iniciativas em defesa da implementação de políticas públicas para a popularização do balé no Brasil, e as atividades na imprensa:

—A arte de um país é o seu cartão de visitas. Sou contra o balé como algo elitista. A dança deve ser pública; a dança deveria entrar para o ensino obrigatório. Que os bailarinos nunca esmoreçam. A arte da dança vale a pena em todos os sentidos: físico, mental e espiritual. A carreira é de luta, mas não se pode desistir, justamente por almejar um país melhor, mais salutar, mais culto. A arte é o exemplo vivo da presença de Deus. É a sublimação da pessoas humana.