Roberto Sander lança obra sobre Nestor Moreira


06/08/2010


O jornalista e editor Roberto Sander está lançando o livro “O crime que abalou a República” — violência, conspiração e impunidade no crepúsculo da Era Vargas”(Maquinária Editora) sobre a morte do repórter Nestor Moreira, na década de 50, em decorrência de brutal espancamento por um policial dentro de uma delegacia do Rio. O episódio deu início a uma seqüência de acontecimentos que culminou no suicídio do Presidente Getúlio Vargas.
 
No resgate dos fatos, Roberto Sander contou com a colaboração de grandes nomes da imprensa nacional como Alberto Dines, Marco Morel e Domingos Meirelles, que assina a orelha da publicação.
 
Em 12 de maio de 1954, Nestor Moreira, repórter do jornal A Noite, após sair de um bar, discutiu com o motorista de táxi que o conduzira para casa em Ipanema, por discordar do valor da corrida. O desentendimento os levou à 2ª Delegacia de Polícia de Copacabana, onde era lotado o policial Paulo Ribeiro Peixoto, conhecido como “Coice de Mula” pela usual truculência.
 
Conduzido ao xadrez, Nestor Moreira foi revistado pelo policial. Ao receber os documentos de volta, reclamou que faltavam mil cruzeiros em sua carteira. O repórter foi então surrado pelo policial, e morreu 11 dias depois em conseqüência dos golpes.
 
O impacto da notícia da morte do jornalista causou comoção nacional. Cerca de duzentas mil pessoas acompanharam o enterro do corpo de Nestor Moreira, e exigiram mudanças políticas e o fim da impunidade. A imprensa, unida em torno do fato, acentuou o clima de turbulência que culminou no suicídio de Vargas.
 
Figuras de relevância histórica como Carlos Lacerda, Samuel Weiner, Luis Carlos Prestes, Tancredo Neves, João Goulart se entrelaçam na sucessão de eventos que marcou uma das mais importantes fases da história do País.
 
Com passagem pelas redações de O Globo, TV Globo, Sport TV, entre outras, Roberto Sander, ao longo dos 23 anos de carreira publicou sete livros, entre os quais, “Anos 40 — Viagem à Década sem Copa” e “O Brasil na mira de Hitler”. Em entrevista à repórter Cláudia Souza, Roberto falou sobre a obra que consagra a figura de Nestor Moreira na história da imprensa e do País.

1-Como surgiu a ideia de escrever o livro? 
Roberto Sander – Foi justamente a partir da reportagem de Ubiratan Solino, no jornal da ABI, na qual é contada a história de três mártires do jornalismo. Tim Lopes, Wladimir Herzog e Nestor Moreira. Confesso que não conhecia a história de Nestor, morto após ser espancado brutalmente pelo guarda-civil Paulo Ribeiro Peixoto, mais conhecido como Coice de Mula, no interior do 2º Distrito Policial de Copacabana, em maio de 1954. Como autor, estou sempre em busca de histórias que não são conhecidas pelo grande público, mas que tiveram relevância num dado momento histórico. Como disse Maurício Azêdo, o presidente da nossa ABI, numa frase que está na quarta capa do livro, esse episódio detonou um dos mais impressionantes movimentos de repúdio à violência policial no país. Sem contar que o crime foi capitalizado sem qualquer pudor pela oposição (sobretudo por Carlos Lacerda) para atacar o presidente Getúlio Vargas, o que contribuiu significativamente para o clima de turbulência que culminou com a morte do presidente em agosto de 1954. Em última análise, através da história de Nestor Moreira, procurei retratar talvez o momento mais dramático na história da República.
 
2-Como e em quanto tempo foi realizada a pesquisa? 
Roberto Sander – Busquei fundamentalmente os jornais da época, que noticiaram fartamente o caso, livros sobre o período e depoimentos de jornalistas. Foram aproximadamente seis meses de trabalho entre a pesquisa e a elaboração do texto.
 
3-Você contou com a colaboração de pesquisadores e jornalistas para a realização deste trabalho. De que maneira eles contribuíram para o resgate da história?
Roberto Sander Muita gente participou do livro. Meu companheiro Eduardo Heleno, mestre em Ciências Políticas da UFF, me ajudou na primeira fase da pesquisa e revisou os fatos históricos mencionados. Alberto Dines apontou caminhos importantes, assim como contribuiu com uma frase na quarta capa. Lucia Hippolito me ajudou da mesma forma, lendo os originais e também ilustrando a quarta capa com mais uma frase. Maurício Azêdo, como já disse, também escreveu uma frase depois de ler as provas. O modo entusiasmado com que recebeu o trabalho, me trouxe grande motivação para seguir em frente. Domingos Meirelles também colaborou enormemente, fazendo uma revisão completa do texto e escrevendo um belíssimo prefácio. Marco Morel, filho do repórter Edmar Morel, cujas reportagens são frequentemente citadas no livro, foi da mesma forma receptivo, relatando, inclusive, o episódio que usei para fechar o livro.
 
4-Você enfrentou dificuldades para apurar os acontecimentos?
Roberto Sander – Apenas as dificuldades naturais de um trabalho em que o rigor ao realizar a pesquisa é fundamental. Foram seis meses respirando dia e noite o livro. De outra forma, jamais conseguiria em tão pouco tempo escrever essa história.
 
5- Apesar do grande impacto que provocou à época, o episódio em torno da morte de Nestor Moreira estava esquecido? 
Roberto Sander – Creio que sim. Pouca gente sabe quem foi Nestor Moreira. Isso foi o que mais me impulsionou. A certeza de que estava resgatando uma história forte, que retrata uma época de forma muito clara. Foi um momento muito delicado da nossa história. Um momento que explica também muito do que vivemos posteriormente. O livro mostra tudo isso. A violência policial, o clima de conspiração, a impunidade e a busca do poder de forma desenfreada, sem qualquer ética. A despeito de certas peculiaridades inerentes a um novo contexto político-econômico, é tudo muito parecido com o que vivemos até hoje. 
 
6 -Você levantou algum fato novo ou pouco explorado relacionado ao caso? 
Roberto Sander – O mais importante foi percebido pelo Domingos Meirelles e apontado no prefácio. A morte de Nestor Moreira foi a oportunidade de juntar fatos aparentemente desconexos. Acho que se existe um mérito nesse livro, ele é justamente esse. Ter conseguido amarrar episódios que, mesmo aparentemente sem ligação, formam uma teia que revela toda a complexidade daquele momento, repleto de episódios que marcaram profundamente a história recente do Brasil.
 
7-A morte de Nestor Moreira desencadeou inúmeros acontecimentos que culminaram no suicídio de Getúlio Vargas. De que maneira o episódio marcou a história do País e da imprensa brasileira, incluindo figuras de destaque como Carlos Lacerda, João Goulart, Luis Carlos Prestes, Samuel Wainer?
Roberto Sander – Além da presença, no livro, desses nomes tão importantes na nossa história recente, citaria, além do presidente Vargas, Tancredo Neves, que era ministro da Justiça, Oswaldo Aranha, ministro da fazenda, Golbery do Couto e Silva, que já conspirava a favor de um golpe de estado, e Juscelino Kubitschek, vítima de uma articulação que visava impedir sua posse. A história de Nestor Moreira envolve todos esses personagens reconhecidamente fascinantes. Todos eles estão de alguma forma presentes na trama. Tudo isso foi largamente explorado pela imprensa da época, o que me proporcionou trabalhar com temas altamente significativos do ponto de vista histórico.
 
8-Violência policial, corrupção, conspiração política, são temas que permeiam a narrativa. Que outros assuntos entraram em pauta com a morte de Nestor Moreira? 
Roberto Sander – A impunidade principalmente. O último capítulo deixa isso bem claro. É quando acontece o julgamento do Coice de Mula, já em 1956. O livro abrange o período de janeiro de 1954 a julho de 1956, enfocando também a fase em que Juscelino é eleito e acontece a tentativa de impedi-lo de assumir a presidência conquistada pelo voto.
 
9-De que maneira o debate em torno da morte de Nestor Moreira pode contribuir para o cenário atual do jornalismo e da política?
Roberto Sander – É uma forma de refletirmos sobre a importância da liberdade da imprensa, sempre tão ameaçada. Esse é um dos grandes pilares de uma democracia. Nestor Moreira morreu porque suas matérias incomodavam o poder. Tentaram calá-lo, mas não conseguiram. Ele se tornou um mártir. E isso não pode ser esquecido. O seu martírio merecia ser resgatado. Por isso, encarei esse livro como uma missão. A missão de um repórter, que é o que sou. Apenas um repórter.
 
10-O enterro do corpo do jornalista mobilizou cerca de 200 mil pessoas que exigiam mudanças na condução do País. Nos dias de hoje o crime teria a mesma repercussão?
Roberto Sander – Hoje em dia haveria também repercussão, mas não a ponto de fazer a cidade parar. Infelizmente, a violência está banalizada. O que aconteceu na época foi uma indignação generalizada, inimaginável nos dias de hoje. Até os cinemas fizeram um minuto de silêncio. Além disso, um jogo do campeonato carioca – Flamengo x América –, que se realizaria naquele dia, foi adiado.  Tudo isso mostra o quanto o caso teve impacto. Dez por cento da população do Rio de Janeiro acompanharam o cortejo de Nestor Moreira. Proporcionalmente, é como se hoje um milhão de pessoas protestassem num caso semelhante. No máximo, umas 200 pessoas comparecem atualmente a manifestações desse tipo. Como já disse, nos acostumamos com a violência.  
 
11-O que mudou na imprensa e na política brasileira desde então?
Roberto Sander – Atualmente, tudo é mais discreto. Na época, os jornais manifestavam explicitamente sua posição política. O papel de prestador de serviço dos jornais não existia. Eles eram meros veículos que expressavam os interesses dos seus proprietários. É lógico que isso permanece, mas de uma forma muito menos escancarada. Politicamente, a coisa evidentemente também mudou. Mas os ataques pessoais que estão caracterizando a atual campanha para a presidência lembram muito aquela época.  
 
12-Este é o seu oitavo livro. O que os diferencia dos demais? 
Roberto Sander – Meus livros são, em última instância, grandes reportagens. Procuro ser claro, objetivo e escrever de forma enxuta. Nada de gordura. Cada linha tem uma informação, tem uma razão de ser. Tudo isso está apoiado em pesquisa, em apuração incansável. Não me considero um escritor e sim um repórter que escreve livros.
 
13-Quais são os seus projetos literários para o futuro? 
Roberto Sander – Hoje em dia tenho uma editora, a Maquinária, em parceria com o amigo e também jornalista Paschoal Ambrósio Filho. É a realização de um grande sonho. Trabalhar escrevendo e editando livros. Estou começando a levantar dados para um livro sobre os 50 anos do golpe de 64. É só pra daqui a uns três anos, mas já ando lendo muito sobre o período.