03/05/2017
A Organização ARTIGO 19 publicou hoje (3) o relatório “Violações à Liberdade de Expressão – Relatório Anual 2016”, que compila e analisa as graves violações contra comunicadores (jornalistas, blogueiros, radialistas e donos de veículos) registradas e apuradas pela entidade em 2016 no Brasil. O lançamento do estudo, que já está em sua quinta edição, coincide com o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado neste 3 de maio.
No monitoramento, foram registradas 31 graves violações contra comunicadores, incluindo os que possuem blogs, ao longo de 2016 em todas as regiões do país, sendo quatro assassinatos, cinco tentativas de assassinatos e 22 ameaças de morte. Nenhum sequestro foi registrado.
De todas as vítimas, 11 eram jornalistas ou repórteres e outras 11 eram blogueiras. Em seis dos casos, a vítima era radialista e em três deles, proprietária de um veículo de comunicação. Outro dado importante é que 84% desses comunicadores já haviam sido alvo de violações em anos anteriores, o que demonstra a incapacidade do Estado brasileiro em garantir a proteção dessas pessoas.
A análise sobre o tipo do veículo de comunicação na qual a vítima atuava revela que em mais da metade dos casos (52%) o comunicador estava ligado a veículos considerados alternativos – como blogs e pequenos jornais impressos –, enquanto o número de graves violações registradas em veículos comerciais foi de 42%.
Na divisão por região do país, o relatório identificou que a maior parte dos casos foi registrado em Estados do Nordeste: 45%. Na sequência, vêm a região Sudeste (22%), Norte (16%), Sul (10%) e Centro-Oeste (7%).
Porém, o Estado em que a ARTIGO 19 registrou o maior número de graves violações foi São Paulo, que, sozinho, concentrou 16% dos casos. Na sequência, estão Ceará e Maranhão (13% cada) e Bahia (10%).
No recorte por tamanho das cidades, o padrão se manteve em relação ao que apontaram os relatórios passados, com a maior parte dos casos sendo registrados em cidades pequenas (menos de 100 mil habitantes): 64%. Já 26% dos registros ocorreram em cidades de médio porte (entre 100 mil e 500 mil habitantes), enquanto que 10% aconteceram em cidades grandes (mais de 500 mil habitantes).
Para a ARTIGO 19, uma das razões para estes números é a de que, em cidades pequenas, os comunicadores estão mais em evidência, pois há um número menor de veículos e de profissionais de comunicação, tornando a atividade de denunciar irregularidades ou emissão de críticas mais arriscada.
Agentes do Estado seguem sendo principais suspeitos
No que diz respeito aos suspeitos de serem os autores das violações, a tendência das análises dos anos anteriores também se manteve, com a ampla maioria se concentrando em agentes do Estado, como políticos e policiais – em 77% dos casos esse foi o perfil identificado.
Outra perspectiva adotada pela análise foi o das motivações: em 65% das ocorrências, a realização de denúncias de irregularidades cometidas por autoridades na gestão pública foi apontada como a causa da violação, ao passo que em 35% as motivações teriam sido a emissão de uma crítica.
Por fim, outro dado preocupante é que em 39% dos casos de graves violações contra comunicadores não houve a abertura de investigação por parte da polícia. O número pode ser visto como um dos sintomas da falta de capacidade e iniciativa do Estado brasileiro em lidar com a questão.
Cenário se mantém, mas Estado segue omisso
Júlia Lima, coordenadora da área de Proteção e Segurança da ARTIGO 19, lembra que o cenário de violações à liberdade de expressão de comunicadores permanece basicamente o mesmo nos últimos cinco anos e que, mesmo assim, o Estado brasileiro não avançou praticamente em nada para lidar com a questão.
“Já está mais do que evidente, e nossos números só comprovam isso, que as violações contra a liberdade de expressão de comunicadores no Brasil são sistemáticas e ocorrem por todo o território, conformando um quadro que demandaria uma ação enérgica e coordenada do Estado brasileiro. No entanto, nesses cinco anos em que realizamos nosso monitoramento, a questão foi praticamente ignorada pelas autoridades brasileiras, sobretudo pelo Executivo Federal, que é quem tem mais condições de formulação e ação nesta seara. Como resultado, nós temos um cenário de violência que tem se intensificado cada vez mais”, critica.
Ela também ressalta a importância de que o Estado brasileiro desenvolva medidas de proteção imediatas aos comunicadores e lembra que o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) poderia servir como espaço de articulação entre sociedade civil e Estado para atuar sobre o cenário de violações a comunicadores.
“Apesar de ter sido pensado para defensores de direitos humanos, o PPDDH, criado em 2005, poderia também abarcar os comunicadores, com as devidas adaptações. No entanto, o programa nunca contou com os aportes de recursos que merecia, nem foi tratado com a prioridade necessária pelo Executivo Federal e, mais recentemente, tem enfrentado uma crise estrutural que o enfraqueceu muito. Ou seja, não só não há avanços, como a perspectiva é a de retrocessos”, lembra.
“Nesse momento em que a sociedade civil tem lutado pela continuidade e melhoria do PPDDH, é importante aprofundar a discussão sobre como ampliar esse mecanismo com o fim de proporcionar proteção efetiva aos comunicadores”, conclui.
Recomendações
1. Imediata aprovação do Projeto de Lei nº 4.575/2009, para estabelecimento do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) na forma de lei, inclusive com a determinação de destinação específica de recursos aos programas estaduais;
2. Retomada da participação da sociedade civil no Conselho Deliberativo do PPDDH, com a revogação do Decreto 8724, que alterou a estrutura do PPDDH em 2016 para excluir essa participação;
3. Promoção da divulgação do PPDDH de forma específica para comunicadoras e comunicadores;
4. Revisão das metodologias de proteção do PPDDH, utilizadas tanto pelas equipes federais quanto estaduais, considerando as especificidades dos comunicadores e comunicadoras;
5. Participação efetiva dos comunicadores na construção e revisão das metodologias já existentes do PPDDH, com enfoque à proteção de comunicadores e comunicadoras;