23/05/2022
Segunda metade dos anos 1970. Lá estava eu comparecendo ao DOPS, como rotina determinada por “meu agente” (eu tinha um agente específico para vigiar-me). Nos anos 60 eu devia comparecer de três em três meses e declarar minha atividade ꟷ se fosse a de professor, eles iam ao educandário e mandavam demitir-me∶ preso e cassado como militar, também cassado como professor (eu e a esposa, professora, Isis). Já no final dos anos 70, a apresentação obrigatória era por semestre. Voltando ao que dizia: nem sempre era “meu agente” que me atendia. Dessa vez não foi. Após perguntas do formulário, ele me interpela: o senhor continua frequentando essa abi (escrito assim em minúsculas e pronunciada por ele como oxítona, abí). Decifrei que era a nossa ABI. Ele acrescentou “o senhor sabe que o chefe não quer o senhor frequentando este local aí, esse grupo de insubordinados não é isso? O sr. não pode lecionar e nem estar nesse grupo. Sim, eu já sabia que não aceitavam também minhas esboçadas ou já ocorridas atividades jornalísticas. Bobagem deles: o que faria eu com estudantes ou jornalistas? Mas o episódio CACO marcara-me, era o que eu supunha, embora nada revelassem. Repito: tolice. No meio civil, lecionando ou como jornalista, que tipo de perigo ou de agressividade, eu representaria? Embora sabendo ser a ABI o alvo, curioso, perguntei o que pretendia aquele agente dizer com insubordinados. E ele, inseguro e voz baixa, decifrou: achou que essa tal abí era associação de insubordinados. Isto é, escalado para o interrogatório, não foi, ao menos, orientado quanto às perguntas. Não era o “meu agente”. E tirou conclusões sobre abí.
Na verdade, foi um período difícil e apreensivo para mim e para Isis. Nunca nos revelaram o motivo de tanta vigilância e tantas perseguições. Nunca se referiram ao episódio CACO. Que, aliás, foi retirado de minha “folha de alterações” (a vida, detalhada, no Exército). Abafaram e sumiram com o ocorrido, quase massacre. Mas as consequências me foram pesadíssimas, jamais atenuadas por uma Anistia restrita.
Quem sofre as perseguições e as arbitrariedades não as esquece. E mantém a esperança de um Brasil mais digno.
O que ocorrerá a partir do próximo outubro.
Ivan Cavalcanti Proença, decano e presidente do Conselho Consultivo da ABI