Professora denuncia discriminação


26/10/2009


Maria Cristina Marques

Em entrevista à imprensa na tarde desta segunda-feira, 26 de outubro, no Rio, o advogado Carlos Nicodemos, representante da professora Maria Cristina Marques, disse que deu entrada na 123ª DP, de Macaé, com queixa criminal contra a diretora da escola municipal Pedro Adami (região serrana de Macaé, no Norte Fluminense), Mery Lice da Silva Oliveira e o pastor presbiteriano e Vice-diretor Sebastião Carlos Menezes, que afastaram a educadora da unidade de ensino, por causa de uma aula de Literatura Brasileira e Redação em que utilizou o livro “Lendas de Exu”, de Adilson Martins, que aborda as tradições culturais e religiosas de matriz africana que se desenvolveram no Brasil.

A diretora e o Vice-diretor — ela evangélica e ele presbiteriano — também foram denunciados administrativamente à Procuradoria-Geral de Macaé, acusados de desvio de conduta disciplinar com fins de discriminação.

O caso já havia sido noticiado pelo ABI Online, depois de denunciado por Maria Cristina Marques durante o Seminário Nacional sobre a Proteção à Liberdade Religiosa, realizado em 30 de setembro na ABI. Neste domingo, dia 25 de outubro, foi motivo de nota na coluna de Ancelmo Gois, no jornal O Globo.

Segundo Carlos Nicodemos, ao final da apuração de infração penal, os dois poderão ser enquadrados na Lei 7.716, conhecida como Lei Caó, que determina pena de um a cinco anos de reclusão, sem direito a fiança, porque na atitude dos dirigentes da escola “há indícios de prática inconstitucional discriminatória e intolerância religiosa”. Além disso, Mery Lice e Sebastião Carlos Menezes podem ser processados também por crime de injúria, cuja pena pode variar de três meses a dois anos de reclusão.

De acordo com o advogado de Maria Cristina, o delegado que vier a ser encarregado pelo caso tem até 30 dias para se pronunciar, mas os requerentes querem que o prazo seja mais curto:
— Como há indícios de dois crimes diferentes, nós pedimos que haja a instauração imediata do inquérito policial. Eles também terão que responder por crime de injúria contra a honra de Maria Cristina, afirmou o advogado que representa a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, que congrega membros de diversas seitas religiosas no Rio de Janeiro.

Humilhação

Maria Cristina Marques contou que fez um curso de pós-graduação em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira oferecido pela Prefeitura de Macaé aos professores da rede municipal. Disse que o livro “Lendas de Exu”, editado pelo MEC, ela pegou na biblioteca da escola, e é uma obra recomendada pela Secretaria Municipal de Educação.

A professora contou que quando soube da aula a diretora Mery Lice a ameaçou: “Ou você pára ou eu vou lhe colocar pra fora. A comunidade aqui é evangélica, se você não parar vai ter que sair”. Contou que até mães de alunos ficaram contra ela:
— Fui proibida de falar sobre África até pelas mães de alunos, que são evangélicas — disse Maria Cristina Marques, acrescentando que a aula em que falava de Exu não teve conotação religiosa, mas uma abordagem literária sobre a herança cultural deixada pelos africanos no Brasil. — Acusam-me de dar aula de religião. Não é verdade. No livro “Lendas de Exu”, de Adilson Martins, há histórias interessantes, são ótimas para trabalhar com os alunos. Li os contos, como se fosse uma contadora de histórias, dramatizando cada uma delas.

Maria Cristina disse que aproveitou a história para exercitar práticas gramaticais e redação com os alunos:
— Praticamos Gramática, e os alunos ilustraram as histórias de acordo com a imaginação deles. Não dá para entender por que fui tão humilhada.

Por causa da punição, Maria Cristina disse que ficou mais de um mês afastada da escola e que neste período os alunos ficaram sem aulas de Português:
— Agora estou mais tranqüila, pois a Procuradoria da Prefeitura tomou conhecimento do meu caso e determinou que eu voltasse a lecionar. Prejudicados também foram os meus alunos de Língua Portuguesa que ficaram 45 dias sem aulas. Mas não dá para ficar parada e eu acredito que a Procuradoria de Macaé e vai continuar investigando o caso. Voltar à sala de aula já é uma decisão favorável a mim.

Como já tivemos a oportunidade de noticiar no ABI Online, o caso da professora de Maria Cristina é um flagrante desrespeito à liberdade de expressão, que fere a Constituição de 1988 e a Lei federal 10.639/03, sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que determina o ensino da História africana e da cultura afro-brasileira nas escolas.