22/06/2009
&bbsp; José Reinaldo Marques |
Ernani Pimentel |
Em visita à sede da ABI, na noite desta sexta-feira, 19 de junho, o professor de português, escritor e conferencista Ernani Pimentel veio pedir à Diretoria da Casa adesão ao manifesto “Acordar melhor enquanto há tempo”, em prol da realização de um amplo debate nacional sobre o Novo Acordo Ortográfico.
Ernani Pimentel foi recebido pelo Presidente Maurício Azêdo e disse que ficou surpreso ao tomar conhecimento que a ABI também já havia se manifestado contra o Acordo.
— A minha idéia era sensibilizar a ABI para que as discussões sobre o Novo Acordo Ortográfico tenham prosseguimento e evoluir para benefício das novas gerações. Fui surpreendido quando ele pegou o jornal da Casa e me mostrou o editorial, onde a entidade protesta contra a forma como o novo Acordo Ortográfico foi estabelecido.
O professor acha que o Acordo Ortográfico está naufragando porque somente o Brasil o colocou em vigor, ao contrário de Portugal que adiou a sua efetivação. Informou que fez um estudo minucioso da reforma ortográfica, só então passou a contestar algumas modificações. Em seguida criticou a Academia Brasileira de Letras (ABL), entidade responsável pelo desenvolvimento da reforma:
— Evidentemente que quem tinha que lançar o Acordo Ortográfico no Brasil era a Academia Brasileira de Letras. Mas eles alteraram 15 itens do Acordo, sem perceber que qualquer alteração ao texto deveria ter aprovação do Congresso Nacional, segundo a própria lei que estabeleceu a vigência da reforma.
Ernani Pimentel classifica essa alteração como ilegal acrescentando que esse foi o argumento que Portugal usou para não seguir o Acordo. Ele lembrou que há um movimento naquele país contra a reforma liderado por um deputado, que já conta com mais de 110 mil assinaturas. Por causa dessa pressão, o Congresso português se dispôs a rediscutir a reforma ortográfica.
Colonização
O professor se referiu também ao fato histórico de Portugal nunca querer aceitar seguir uma regra ortográfica ditada pelo Brasil:
— Desde 1836, os nossos poetas românticos sofriam com as pressões de Portugal contra as liberdades de eles escreverem de uma maneira brasileira. A nossa independência literária foi uma bandeira levantada quando deixamos de ser Colônia. Mas Portugal nunca aceitou nada que pudesse representar uma independência lingüística do Brasil.
Ernani Pimentel recorre aos números para criticar a postura de Portugal em relação ao Brasil:
— Hoje nós temos 210 milhões de falantes, dos quais 180 milhões são brasileiros. Portugal tem 10% disso, se a gente pegar os outros países africanos eles estão do nosso lado, porque temos uma história conjunta de colonizados e têm mais simpatia pelo brasileiro do que o português.
Radicado em Brasília, onde dirige um curso preparatório para concursos, Ernani Pimentel acha que é importante que a sociedade reflita sobre a necessidade de aprimoração do Acordo — que foi pensado no século passado —, para adaptá-lo “à realidade prática e racional do século XXI, período em que passa a viger”.
Disse que no Distrito Federal todos os diretores de jornais já aderiram ao manifesto, e que a sua proposta tem sido defendida junto a diversos segmentos de públicos:
— Chegou o momento de começar a falar. Por isto, estou dando palestras para vários tipos de auditórios. Esse Acordo nasceu atrasado, demorou 30 anos. Foi pensado em 1980, assinado em 1990 e colocado em vigor em 2009. Nesse período surgiu a internet. O mundo mudou, principalmente em termos de linguagem escrita.
Confusão
Para Ernani Pimentel a reforma ortográfica veio para confundir, principalmente os jovens com algumas regras que não fazem sentido. Para exemplificar, falou sobre o uso do hífen:
— Por que guarda-chuva e manda-tudo têm uma só grafia com hífen obrigatório, porém mandachuva está correto sem hífen ou com ele (manda-chuva)? Esse é apenas um exemplo. Isso é a incoerência do Acordo.
Neste ponto, segundo Ernani Pimentel, reside a dificuldade das pessoas para o entender de como escrever corretamente:
— Não há como convencer um aluno sobre uma regra. Não existe um professor de Brasil, Portugal, Moçambique ou qualquer outro país de língua portuguesa que saiba escrever. Porque as nossas regras ortográficas são absolutamente ilógicas. Agora nós temos que avançar para poder baratear o ensino da língua.
Ele afirma que algo que sempre atrapalhou o ensino-aprendizagem do capítulo ortografia chama-se exceção. Essa idéia ele defende no artigo “A nova ortografia e a escravização ao dicionário”, no qual aponta a exceção como um grave fator que na sua opinião está desmotivando alunos e professores, “por meio de uma consciência coletiva de incapacidade de escrita e de subordinação compulsória ao dicionário”.
O professor diz que é necessário fazer uma pesquisa sobre os radicais da língua, como forma de simplificar, por exemplo, o uso do s e do x:
— Por que a palavra estender se escreve com s e extensão, temos que escrever com x? Em latim extendere e extencione se escrevem com x, mas em português entrou uma delas errada, no caso o estender com s, gerando para nós 20 palavras com s e outras 20 com x. Não há como decorar. Se extendere gerou a palavra extensão, então todas as palavras com esse radical deveriam ser escritas com x.
Ernani Pimentel disse que em 1980 fez essa sugestão ao professor Antônio Houaiss, aqui no Rio. Quando saiu o Acordo se decepcionou “com sua superficialidade”, e foi conversar com o professor Evanildo Bechara:
— Eu disse a ele que a língua tem quase 60 mil radicais e que nós havíamos deixado escapar a oportunidade de simplificá-los. Antes do h, há três critérios para o uso do hífen, quando deveria ser um só. Ninguém pensou em retirá-lo, já que ele não é mais pronunciado. Se a reforma é ortográfica, só interfere na escrita, não vai mexer com a pronúncia. O hífen também é desnecessário, por isso deveria ter sido eliminado. A Alemanha fez isso, e simplificou demais a sua regra ortográfica.
Esses são os motivos que trouxeram o professor Ernani Pimentel ao Rio de Janeiro, para buscar o apoio da ABI para a realização de um grande debate nacional, do qual participem professores, jornalistas, psicólogos, gramáticos, advogados, entre outros membros das sociedade que lidam com a língua como ferramenta de trabalho:
— Temos que discutir como nós vamos simplificar essas regras de ortografia, para que as próximas gerações aprendam a escrever com facilidade.