17/08/2021
Por Gilberto Pauletti, jornalista
Foi em 1982 a maior tentativa de fraude em eleição para governador do Rio de Janeiro. Militares ligados aos órgãos de informação tinham como objetivo evitar a vitória de Leonel Brizola (PDT), que disputava o cargo com Moreira Franco, PDS, ex-Arena, partido dos defensores do voto impresso e eleição indireta.
Início da informatização
A principal novidade naquele ano foi a informatização do somatório dos mapas produzidos manualmente pelas juntas de apuração em cada zona eleitoral. Na maioria dos estados brasileiros, a empresa estatal Serpro foi contratada para computar os votos. No Rio de Janeiro, no entanto, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) recorreu à Racimec, empresa dirigida por militares que criaram a Proconsult para atender ao tribunal. Seu responsável técnico era um tenente-coronel do Exército, Haroldo Lobão, ex-chefe do Centro de Processamento de Dados do Exército.
Digitação paralela
Apesar da suspeição levantada, o PDT quase recusou a proposta de montar um sistema de apuração sofisticado, desenvolvido pelo economista e ex-prefeito do Rio César Maia. O custo do sistema proposto assustou os dirigentes pedetistas. Porém, o medo da fraude falou mais alto e resolveram optar pelo esquema mais sofisticado. Os fiscais do partido levariam ao escritório do advogado Rafael Peres Borges, no Centro do Rio, as cópias dos mapas de todas as urnas que depois seriam transferidas para um endereço secreto, onde os dados destes mapas seriam digitados.
Havia um problema porque a legislação eleitoral brasileira dizia que só era possível reclamar contra a apuração com documentos oficiais. Cada partido recebia cópias em carbono com o resultado. Foi exatamente isso que tiveram de fazer. Juntar boletim por boletim.
Naquela eleição, o Jornal do Brasil e a Rádio JB montaram um sistema de apuração paralela da contagem de votos. Trabalhavam com equipes distribuídas pelos centros de apuração das principais zonas eleitorais, das quais os resultados de cada urna eram repassados por telefone para a redação, onde se fazia a totalização dos votos. O jornal O Globo e, principalmente, a TV Globo, confiaram nos números da Proconsult, o que acabou provocando a suspeita do envolvimento das Organizações Globo com a fraude que se descobriria depois.
A disputa eleitoral no Rio naquele ano teve momentos distintos. Inicialmente, saíram à frente da preferência popular a candidata Sandra Cavalcanti e o peemedebista Miro Teixeira, beneficiando-se da máquina governamental comandada por Chagas Freitas. No desenrolar da campanha, Sandra perdeu espaço para o candidato apoiado pelos militares, Moreira Franco, que passou a competir com Miro. No entanto, poucos perceberam que o candidato pedetista, correndo por fora, foi conquistando a confiança dos eleitores. Àquela altura, os militares já tentavam derrubar Miro para garantir a vitória de Moreira Franco.
A partir da eleição do dia 15 de novembro, o PDT passou, então, a recolher os boletins de apuração e a enviá-los para pontos secretos de digitação conhecidos apenas por Maia: em uma sala em Botafogo digitava-se os resultados dos mapas de apuração de cada urna. Os discos eram processados no Centro de Processamento de Dados da construtora Sérgio Dourado, em Ipanema.
Para manter o candidato dos militares em primeiro lugar, a Proconsult adotou duas estratégias diferentes. Primeiro, deu preferência às urnas do interior do estado onde, teoricamente, o candidato oficial estaria ganhando.
Paralelamente, surgiu o chamado “Diferencial Delta”, segundo os diretores da Proconsult, justificando o grande número de votos brizolistas anulados por conta da obrigatoriedade da vinculação dos votos. Isto é, o voto tinha que ser dado a candidatos do mesmo partido. Quem votasse em Brizola, por exemplo, tinha que votar em candidato a deputado do PDT. A questão é que nos mapas divulgados pela Proconsult a quantidade de votos anulados e em branco, em determinado momento diminuíram à medida em que eles eram, fraudulentamente, contabilizados pró Moreira Franco, na tentativa de modificar o resultado das urnas.
Pois bem, a história não pode ser esquecida. Em um país onde a milícia e o tráfico, principalmente no Rio de Janeiro, conseguem eleger representantes nos legislativos, imaginem uma eleição com voto impresso.