Em artigo especial para o Site da ABI, o jornalista Paulo Ramos Derengoski relembra a trajetória do pintor cândido Portinari, cujo painel “Guerra e Paz”, que ilustra a sede das Nações Unidas, em Nova York, está sendo restaurada no Rio. Diz Derengoski:
O ano de 2003 marcou o centenário do nascimento daquele que foi o maior pintor brasileiro: Cândido Torquato Portinari, que nos deixou em 1962.
Menino pobre de Brodósqui, cresceu sem ter um diploma. Mudou-se para o Rio aos 18 anos e com o pouco que ganhava comprava tintas para pintar. Em 1922 exibe o primeiro quadro no salão da Escola de Belas-Artes. Logo é convidado para o curso. E como o Rio não era uma província em matéria de artes, Portinari escapa da influência paulistana da chamada Semana d’Arte Moderna de 22.
Como prêmio de viagem vai a Paris e, aí sim, contata arte moderna e as lutas sociais antifascistas que abalavam o mundo. Ao voltar ao Rio inicia uma produção de grande porte. Uma obra gigantesca! Sempre figurativo, mas emancipado do classicismo, retrata a gente simples do povo brasileiro: crianças, lavadeiras, operários, jogos de futebol, espantalho, cruzes, retirantes.
Em 1934 a Carnegie Foundation (EUA) premia seu quadro O Café. O menino de Brodósqui se alça ao lado dos grandes muralistas latino-americanos: Orozco, Rivera, Siqueiros. Os afrescos e painéis se sucedem. A capela de Pampulha, as paredes do Ministério da Educação, a Rádio Tupi, um prodígio de criatividade que vai atingir o máximo no Guerra e Paz, sob encomenda da Onu, que eu tive a chance de ver, ainda menino, nos salões do Teatro Municipal do Rio.
Com o passar do tempo a pintura de Portinari ficou mais suave, mais transparente, mais poética, quase cubista, mas sempre fortemente expressiva. Fiel ao seu estilo brasileiro, pessoal. Como não aderiu à moda passageira do abstracionismo, foi atacado. Mas onde estão hoje aqueles formalistas borra-tintas que o criticavam? Sumiram do mapa!
Grande Portinari: cores vibrantes, luzes diáfanas, conteúdo social – tudo gravado para sempre no arquétipo imemorial do Brasil.
O menino que começou como simples restaurador de igrejas, o aluno brilhante de Rodolfo Amoedo, o jovem que se extasiou diante dos mestres renascentistas e primitivos na Europa antifascista, o amigo dileto de Lúcio Costa, o comunista convicto que foi uma espécie de pintor oficial do Brasil varguista, transformou-se em nome mundial a partir de 1940, com seus quadros disputados em todos os leilões do mundo.
Sua obra gigantesca poderia ser sintetizada como expressionismo social, com referências à nossa História e cultura. Sua retórica de imagens jamais foi superada em força geométrica. Ele procurou – e conseguiu construir – uma arte brasileira, mas com imaginário moderno. Cândido Torquato Portinari: gênio da raça!
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Paulo Ramos Derengoski, sócio da ABI, é jornalista e escritor Radicado em Lages, Santa Catarina, é Diretor do Patrimônio Histórico de Lages e membro do Conselho Curador da Empresa Brasileira de Comunicação-TV Brasil.