03/02/2016
José Walter Pires, escritor e poeta cordelista, integrante da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), é autor de mais de uma centena de títulos de cordéis, com temática variada, com militância profissional no sertão baiano, onde produz a sua literatura.
O cordel “Só por uma vírgula” foi inspirado na comemoração dos cem anos da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, ocasião em que lançou um projeto sobre os cuidados no emprego da vírgula, em razão das peripécias que essa partícula sintática tem causado nas mais diversas ocorrências da linguagem escrita.
Ao tomar conhecimento desse interesse institucional, em algum momento da mídia, resolveu debruçar-se sobre o tema, não demoradamente, utilizando-se da obra “A Vírgula”, de Celso Pedro Luft, linguista gaúcho, de onde retirou os ensinamentos para a composição de trinta e oito estrofes, em sextilhas, com versos de sete sílabas poéticas cada, sob primoroso rigor técnico da literatura de cordel. Entretanto, como confessa, o cordel foi feito em apertada síntese dado à extensão e complexidade do assunto, porém com o intuito de servir à educação de maneira lúdica, didática e capaz de aprimorar e desenvolver o bom uso escrita.
O poeta estará na Plenária da ABLC, no Rio de Janeiro, no próximo dia 16 de março deste ano. A sede da associação fica na Rua Teixeira de Freitas, 5, Lapa, a partir da 16 horas, com o lançamento deste e de outros dos seus cordéis.
Conheça o cordel de José Walter Pires na íntegra:
Só por uma vírgula
Até quando já nem sei
Desta língua vou falar
Nos seus diversos falares
Do erudito ao popular,
Brincando com a gramática
Que não paro de estudar.
.
As normas gramaticais
São verdadeiros dilemas
E muitas delas já foram
Os motivos dos meus temas
Em cordéis educativos,
Amenizando problemas.
.
O cordel tem por missão
Informar e divertir,
Semear educação
Para poder garantir
Um presente glorioso
Que sedimente o porvir.
.
Ver o cordel nas Escolas
É a voz que não se cala,
Um vetor da aprendizagem,
Sendo usado em cada sala,
Quebrando a monotonia
Que toma conta da aula.
.
O tema que abordo agora
Merece muita atenção,
Pois só se vê claramente
No contexto da oração,
Não é somente uma pausa
Ou simples entonação.
.
Será a vírgula a vilã
Neste novo itinerário
Com os assombros que causa
Muitas vezes, sendo hilário,
Modificando o contexto,
Criando novo cenário.
.
Isso não será compêndio,
Mas somente uma cartilha
Onde aprendi soletrando,
Persistindo nessa trilha
Por um longo itinerário
Cada légua, cada milha.
A vírgula, no seu conceito,
Vem de uma função sintática
Dentro de cada oração,
Conforme ensina a Gramática
E só será aprendida
Quando aplicada na prática.
.
É ordem de qualquer frase:
Sujeito, verbo, objeto
E também os adjuntos,
Dando sentido correto
Ao que se chama oração,
Ordem direta, por certo!
..
Sujeito do predicado
Não se separa jamais
Nem objeto de verbo;
Adjuntos adnominais
Do nome sempre vêm juntos,
Essas regras são gerais.
.
São quatro casas na frase:
O sujeito é a primeira,
Em segundo vem o verbo,
Complementos a terceira,
As circunstâncias a quarta
Numa oração rotineira.
.
Entre as casas um, dois, três,
A vírgula não é usada
E também entre um e dois,
Entre dois e três sem nada;
Porém, entre três e quatro,
Pode ou não ser colocada.
.
Nomes de localidades
Com vírgulas são separados
No início de documentos
Ou final, quando datados.
Dessa forma sendo feitos,
Ficarão bem registrados.
.
Se a oração adverbial
Antepõem-se à principal,
Ainda que se desculpe,
(Por ter me causado um mal)
Eu não vou lhe perdoar!
A vírgula é sempre usual.
Orações coordenadas,
Entre si independentes,
Não pode faltar a vírgula,
Apesar de erros frequentes.
Dessa forma, é necessário
Vírgula e conjunção presentes.
.
A vírgula antes do “e”
Merece muita atenção:
Nas três estrofes seguintes
Ponho fim à discussão.
Fica a sintaxe correta,
Mais enxuta a oração.
.
O professor deu a nota,
E a Secretária anotou
No boletim semestral
Que o Colégio adotou.
São, portanto, dois sujeitos
Que a conjunção separou.
.
E varre, e lava, e dá brilho.
Com a vírgula e conjunção.
Dessa forma, com mais ênfase,
Para cada citação,
Embelezando o contexto
Que traduz a oração.
.
Sofre mudança semântica
A conjunção “e” aditiva,
Antes da vírgula empregada,
Passando à adversativa,
Portanto uma consequência
Que a conjunção motiva.
.
Rita disse que viria,
E (como sempre) não veio.
A vírgula fica correta.
Deve usá-la como esteio,
Justificando o sentido
Da oposição, sem receio.
.
Uso da Vírgula é correto
Com as enumerações
Ou com termos repetidos:
Os fãs, cheios de emoções,
Cantam, vibram, choram, sofrem,
Extravasando paixões.
Com mas, porém, todavia,
Contudo, muito cuidado
Com o sinalzinho gráfico
Que de vírgula é batizado,
Pois pode bagunçar tudo
Quando o seu uso for errado.
.
Com os advérbios em “mente”,
A vírgula é facultativa,
Mesmo no início ou no meio.
Se realçá-los precisa,
Use a vírgula sem vergonha
Pela intenção expressiva.
.
Com “ainda” e “também”
A vírgula exige cuidado
A depender do sentido
Que na frase seja dado:
Pois erros, também, cometo.
Vírgula ainda é pecado.
.
Depois de “mas” não se usa,
Conforme é regra geral.
No sentido de porém,
É certo usar o sinal;
Com contudo ou todavia,
Entre vírgulas é normal.
.
Também entre vírgula vão
“Isto é”, “melhor dizendo”,
Expressões explicativas,
Como agora estou fazendo
No “ócio criativo”, ou seja,
Lendo, estudando, aprendendo.
.
O mesmo fato acontece
Quando se trata do aposto.
Com vírgula fica isolado
Para enaltecer o posto
Assim como o vocativo:
Ó filho, quanto desgosto!
.
Locuções adverbiais,
Conjunções intercaladas:
“Naquela tarde”, “no entanto…”
Em orações, deslocadas,
Invertendo a ordem direta,
Com vírgulas são destacadas.
.
Uma vírgula também pode
Uma palavra omitir:
Gosto de rua, ela não!
Um pretexto pra fugir
Quando lhe faço um convite
Para comigo sair.
.
A vírgula deve vir antes
Se o “pois” for explicativo;
Porém, antes e depois
Quando o “pois” for conclusivo,
Equivalendo a “portanto”,
Sendo, pois, de uso preciso.
.
Você trabalha ou estuda?
Conjunção alternativa
Uma vírgula antes do “ou”
Colocá-la não precisa
Para não quebrar a guia
Da função conectiva.
.
Agora chega o talvez
Com a sua explicação:
Não me separe com vírgula,
Pois é íntima a ligação
Com o meu subjuntivo,
Sendo verbo da oração.
.
Não é permitida a vírgula
Numa oração relativa
Pelo “que” iniciada;
A oração explicativa
Com duas vírgulas grafadas;
Nenhuma na restritiva.
.
A vírgula ainda desperta
Muita curiosidade
Em várias situações
Com a criatividade
Nas montagens de expressões
Fruto da ludicidade.
.
— Peço, espere mais um pouco!
Diz a amante ao seu amado.
— Isso só, minha doce amada?
Sou Quixote apaixonado!
— Não, desejo muito mais
Para viver ao seu lado!
.
Vejam: “Matar não é crime!”
Um dia, o rei decretou.
Entretanto, o condenado,
Com uma vírgula, mudou
O sentido da sentença
E da morte se livrou.
.
Acredite quem quiser!
Em gramática não peguei.
O livro de Pedro Luft,
Foi nele que pesquisei,
Um linguista brasileiro
Que como guru adotei.
Chego ao fim desta aventura
Desdenhando da gramática.
Só não sei se consegui
Demonstrar a minha prática
Com os exemplos que dei
De maneira mais enfática
Vejam o texto da campanha publicitária da ABI
A Vírgula
A vírgula pode ser uma pausa… ou não.
Não, espere.
Não espere.
Ela pode sumir com seu dinheiro.
23,4.
2,34.
Pode ser autoritária.
Aceito, obrigado.
Aceito obrigado.
Pode criar heróis.
Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.
E vilões.
Esse, juiz, é corrupto.
Esse juiz é corrupto.
Ela pode ser a solução.
Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.
A vírgula muda uma opinião.
Não queremos saber.
Não, queremos saber.
Uma vírgula muda tudo!
ABI – 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação.