04/08/2020
Por Vera Perfeito, diretora de Cultura e Lazer da ABI
A volta do Ministério da Cultura e com o compositor Gilberto Gil à frente da pasta, pela segunda vez, foram duas decisões de um grupo de 100 profissionais do setor que participaram, no último domingo, de um encontro virtual com o cineasta, conselheiro e membro da Comissão de Cultura da ABI, Sílvio Tendler, autor do movimento. O governo Bolsonaro criou a Secretaria de Cultura para substituir o ministério e vinculou-a ao ministério do Turismo.
Foi também uma decisão de consenso do grupo organizar um ministério paralelo virtual enquanto a pasta não for recriada e Silvio Tendler nomeou essa medida como Estados Gerais da Cultura. O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Paulo Jeronimo (Pagê) gravou um vídeo de adesão à campanha do cineasta que ganhou apoio do Clube de Engenharia durante o encontro.
Ao início do encontro, que durou 2h30, profissionais de diversas áreas da cultura deram sugestões para o movimento e elogiaram a Lei Aldir Blanc que dá subsídios emergenciais para a classe. O presidente da Comissão de Cultura da Assembleia, deputado Eliomar Coelho (Psol/RJ), explicou que há algum tempo estão levando a cultura a municípios do interior do Estado e brigando por verbas para ampliar o setor. Criticou, inclusive, a perda do prédio do prédio da escola de Cinema Darcy Ribeiro e o desmantelamento da Casa de Rui Barbosa.
O MinC, criado em 15 de março de 1985, no governo José Sarney, era responsável pelas letras, artes, folclore e de outras formas de expressão da cultura nacional e pelo patrimônio histórico, arqueológico, artístico e cultural do Brasil. Em 2016, após a posse de Michel Temer como presidente interino, o ministério foi brevemente extinto e reincorporado ao Ministério da Educação. O governo Bolsonaro criou a Secretaria de Cultura, vinculado ao Ministério do Turismo.
Ao iniciar o encontro, o ator Eduardo Tornaghi leu o manifesto de Sílvio Tendler. A seguir o manifesto na íntegra.
Estado Geral da Cultura
Por Silvio Tendler, cineasta
Uma elite gananciosa que quer tudo e um povo que vive com quase nada, frequenta um SUS fragilizado há anos e escolas ineficientes, fruto do congelamento de investimento público.
Arte, cultura e ciência assediadas pela censura econômica e política e por uma doutrina terraplanista. Volta Galileu e vem educar esta gente!
A extinção do Ministério da Cultura é a tentativa de destruir nossa superestrutura cultural e ideológica para fragilizar-nos como nação. Um país não se limita às suas fronteiras físicas e geográficas. Ele é o seu povo. E o que caracteriza o povo é a sua cultura.
Somos milhões de trabalhadores da cultura paralisados, dispersos ou desempregados. O governo flerta com o totalitarismo e nos intimida com o poder miliciano.
Estamos vivendo uma das maiores crises sanitárias de todos os tempos. Pandemia trágica para milhares de famílias brasileiras, em especial para as mais humildes, completamente abandonadas pelo poder central.
Recolhidos em nossas casas, velhos e novos filmes, músicas, atividades artísticas nos fazem companhia nessa solidão imposta pela pandemia. Nesse momento as pessoas percebem a importância da arte em suas vidas.
Queremos um mundo em que o Estado seja voltado para o bem-estar de seus cidadãos e cidadãs, ou que seja voltado para facilitar a acumulação de bens de uns poucos milionários?
Qual será nossa relação com a natureza, convívio harmônico ou exploração predatória como tem sido até agora?
O futuro é nosso, cabe a nós decidir.
Estados Gerais da Cultura é um movimento coletivo, autônomo e independente, para atuar na construção desse futuro, somos os verdadeiros protagonistas da nossa História.
Que futuro queremos no mundo que emergirá da pós-pandemia? Um mundo solidário em que a centralidade seja o ser humano e a natureza ou continuaremos reféns do cassino financeiro?
A reconstrução do Ministério da Cultura é apenas um primeiro passo necessário para o restabelecimento da nossa unidade como agentes culturais. Hoje assistimos ao desmantelamento da Cinemateca Brasileira, matriz da memória imagética do país; desmantelamento da Casa de Rui Barbosa, importante centro de documentação, pesquisas, reflexão e documentação; intervenção no IPHAN permitindo a degradação do nosso patrimônio arquitetônico a serviço da especulação imobiliária; silenciamento da FUNARTE e suas atividades ligadas às artes plásticas, dança, fotografia; e a ANCINE com o sequestro do FSA-Fundo Setorial do Audiovisual, deixando a atividade quase que totalmente paralisada.
Hoje somos milhões de trabalhadores desempregados num setor que gera arte, cultura e entretenimento, além de dividendos para o país. O MInistério da Economia é incapaz de enxergar a indústria criativa como um setor altamente rentável, que gera recursos e prestígio internacional para o Brasil.
A reconstituição do Ministério da Cultura como Organismo de Estado, independente da ingerência de governos, é URGENTE e NECESSÁRIA.
Muitos nos perguntam como isso será possível diante de um governo como o que temos. Qual a possibilidade concreta de sairmos vitoriosos neste embate? Respondo: homenageando Therezinha Zerbini e dizendo que lutaremos com a mesma humildade e tenacidade que a levaram á luta pela Anistia no auge da ditadura, ou a lucidez que levou o jovem deputado Dante de Oliveira a lutar pelas Diretas Já.
Somos artistas, sabemos fazer arte e nos comunicar com o público. Essa é nossa especialidade. Cada um da sua forma, com a técnica e a estética que tiver à mão, saberá falar da importância da nossa luta: fazendo teatro na rua ou na rede, filmes que viralizam nas mídias eletrônicas, grafitando, se apresentando nas comunidades ou onde for, combateremos a política de terra arrasada e começaremos a construir um mundo novo.
A reformatrabalhista, que nos prometia milhões de empregos e gerou milhões de desempregados, além do enfraquecimentos dos sindicatos e da perda dos direitos dos trabalhadores, o enfraquecimento da previdência. Só cortaram direitos dos mais pobres, preservaram os privilégios dos mais ricos, o que nos leva a temer pelo nosso futuro.
Pensemos no ano de 2022, não pelo processo eleitoral que vai se estabelecer mas pela comemoração do bicentenário da Independência, pelo centenário da Exposição Universal e pelo centenário da Semana de Arte Moderna que projetaram o Brasil no século XX. Nós, trabalhadores da Arte e da Cultura, juntos com historiadores, sociólogos, geógrafos, sindicalistas, militantes comunitários, de genêro, e de quem mais quiser tomar seus destinos nas próprias mãos será bem vindo.
Portanto, conclamamos a todos: com arte, ciência e paciência, mudemos o mundo.
A convocação do Estado Geral da Cultura tem como objetivo colocar na mesma sala, de forma espontânea, pessoas das mais diversas áreas de atuação do conhecimento interessadas no avanço rumo a um futuro de bem-estar social para todos, tendo como alavanca a ação artística e cultural. Convocamos todos a ser protagonistas da própria História, através de seus meios de expressão e ação. Tudo o que as ferramentas tecnológicas permitem utilizemos como instrumento de conscientização, luta e fortalecimento respeitando as nossas tradições e nosso patrimônio étnico-cultural. Como disse o jornalista italiano Walter Veltrone, o passado é confortável, mas o único lugar que nos abrigará é o futuro. Assim, que o façamos justo e prazeroso para todos. Com arte, ciência e paciência construiremos um mundo melhor.
ABI
O presidente da ABI, Paulo Jeronimo (Pagê) gravou um vídeo para o encontro do último domingo, dando apoio ao movimento desencadeado por Sílvio Tendler.