12/06/2020
O racismo nosso de cada dia
“A conduta lamentável praticada contra um policial civil, em frente a uma delegacia de polícia, demonstra o quanto cidadãos de bem estão à mercê de abusos praticados por agentes do estado”, escreveu o delegado Marcos Paulo Cavalcante da Silva no Boletim de Ocorrência da agressão cometida por um polícia militar contra um policial civil negro, quando conduzia três suspeitos para a delegacia.
Este fato aconteceu na última segunda-feira (08/6) no Centro de São Paulo e segundo o membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani, demonstra o “racismo institucional presente na PM de São Paulo”, que precisa reconhecer o problema e “tomar medidas para lidar com ele”.
E o delegado Marcos Paulo vai mais longe: “Se um policial, devidamente identificado, em frente a uma unidade oficial do estado, na região central de São Paulo, foi vítima de abuso, o que não pode acontecer a um cidadão abordado nos rincões da cidade? No período noturno? Sem nenhuma testemunha?”
Dos 209,2 milhões de habitantes do país, 56,10% são negras ou pardas, perfazendo um total de 108,9 milhões de pessoas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Apesar de serem a maioria na população, são minoria no Poder Legislativo, fórum vital para a construção de debates e projetos que diminuam a desigualdade no Brasil. Negros são apenas 24,4% dos deputados federais e 28,9% dos deputados estaduais eleitos em 2018. Nas eleições municipais de 2016, eles eram 42,1% dos vereadores eleitos.
No Judiciário, a baixa representativa da população afrodescendente também é gritante. Levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça em setembro de 2018, que contou com a participação de 11.348 magistrados (62,5%) de um total de 18.168 juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores, apenas 18,1% eram afrodescendentes, dos quais 16,5% se declararam pardos e apenas 1,6% negros, o mesmo percentual dos magistrados de origem asiática. Já os que se declararam brancos, representavam 80,3%.
O racismo estrutural no Brasil é visível também no mercado de trabalho. Dados do IBGE mostram que entre a população economicamente ativa ocupada em 2018, 45,2% eram brancos e 53,7% negros ou pardos, mas a presença de afrodescendentes é mais acentuada nas atividades com rendimentos inferiores: agropecuária (60,8%), construção (62,6%) e serviços domésticos (65,1%). Em 2018, os brancos ganhavam, em média, 73,9% mais do que negros ou pardos e a taxa de desemprego também era maior entre negros (14%) e pardos (15,2%) do que entre os brancos (9,8%).
A subocupação por insuficiência de horas atinge também mais as pessoas negras ou pardas (66%), bem como têm maior presença no trabalho informal (47,3%), em comparação com trabalhadores brancos (34,6%).
Segundo o IBGE, ao verificarmos a distribuição do rendimento domiciliar per capita teremos que apenas 5% da população negra ou parda estava entre os 10% com maiores rendimentos, contra 16,4% da população branca, enquanto 13,5% de negros e pardos situavam-se entre os 10% com menores rendimentos, em contraposição aos 5,5% dos brancos. O rendimento médio domiciliar per capita de negros e pardos em 2018 ficou em R$ 934, enquanto que brancos auferiram quase o dobro: R$ 1.846.
Jovens negros e pardos continuam com menor acesso ao ensino superior (18,3%), em comparação com os brancos (36,1%), e têm mais chances de sofrer morte violenta. Dados divulgados pelo IBGE em novembro de 2019, apontaram que a taxa de homicídios entre negros e pardos de 15 a 29 anos era 98,5 por 100 mil habitantes, contra 34 por 100 mil habitantes entre jovens brancos.
Além disso, negros e pardos também são as maiores vítimas da atual pandemia. Estudo liderado por pesquisadores da PUC-Rio divulgado no final de maio, apontou que negros e pardos sem escolaridade morrem quatro vezes mais pelo Covid-19 do que brancos com nível superior (80,35% contra 19,65%). Se considerado a mesma faixa de escolaridade, negros e pardos apresentam proporção de óbitos 37% maior, em média, do que brancos.
O estudo alerta que mesmo com a predisposição às comorbidades (obesidade, diabetes, hipertensão, colesterol alto), os principais fatores que deixam a população afrodescendente mais vulnerável ao coronavírus são sociais: menor acesso ao saneamento básico e água encanada, moradias mais precárias e maior concentração de habitantes e menor inserção no mercado formal de trabalho.
Por Moêma Coelho, da Comissão Mulher & Diversidade