OAB vai investigar conduta violenta da Polícia Militar


Por Cláudia Souza*

28/08/2013


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A Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ) lançou nesta terça-feira, dia 27, a campanha “Desaparecidos da Democracia: Pessoas Reais, Vítimas Invisíveis”, que pretende esclarecer as mortes registradas como autos de resistência em operações da Polícia Militar no estado. O objetivo é criar um banco de dados sobre o tema e preparar propostas de mudanças nos procedimentos policiais.

— Não é só um ato de protesto, é um grupo de trabalho que vai se reunir para elaborar propostas e dialogar com o poder público. Vamos criar um banco de dados com essa atuação multidisciplinar. A partir dele teremos propostas concretas em relação às ações da polícia, explicou Felipe Santa Cruz, Presidente da OAB.

A campanha tem como base estudo do sociólogo Michel Misse, do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Necvu/UFRJ), a partir de dados do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), vinculado à Secretaria de Estado de Segurança Pública. De acordo com os números do ISP, 10 mil pessoas foram mortas em confronto com a polícia entre 2001 e 2011, o que confere à Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro o título de “campeã mundial de letalidade”.

— A Polícia do Rio mata mais do que a de qualquer país desenvolvido do mundo. A Zona Oeste é, disparado, onde mais se mata na cidade. Citando o exemplo dos Estados Unidos, que têm uma política reconhecidamente dura, cerca de 300 pessoas são mortas por ano, em uma população de 300 milhões. Já no Rio de Janeiro, são registradas mil mortes em 16 milhões, frisou o sociólogo.

Dos 707 autos registrados na capital do Rio de Janeiro em 2005, 355 tiveram inquéritos instaurados. Desses, 19 chegaram ao Tribunal de Justiça até o fim de 2007, com 16 arquivamentos e uma condenação, de acordo com Michel Misse.

— Não estou afirmando que eles foram mortos sem confronto, estou dizendo que não sabemos o que aconteceu. Precisamos melhorar a qualidade dos registros. Não se trata de acusar, temos que melhorar o sistema de Justiça criminal. Para isso, temos que nos indignar com esses números. Se acharmos isso normal, estamos fora da curva do mundo civilizado, observou o cientista social.

Etapas

O grupo de trabalho para a execução da campanha da OAB será formado por Luciano Bandeira, Tesoureiro e Diretor da entidade, Marcelo Chalréo, Diretor da Comissão de Direitos Humanos da Ordem, e Michel Misse.

— Há duas mortes que precisam ser melhor investigadas pela campanha: a morte da pessoa e a morte do inquérito. Que enfrentamento desigual é esse em que para cada policial morto, em média, 40 civis perdem a vida? Os números analisados mostram uma desproporção anormal entre a quantidade de civis e de policiais mortos em confronto. As estatísticas mostram uma queda na quantidade de mortos em operações, desde a instalação das UPPs, mas os números ainda são inaceitáveis, sublinhou Misse.

Na etapa inicial da campanha, a OAB pretende mobilizar a participação da polícia, de cientistas sociais, de representantes da sociedade civil, de familiares e vítimas da violência policial.

A segunda etapa do trabalho será direcionada ao cruzamento dos dados da polícia com os depoimentos e denúncias de familiares das vítimas da violência. Na terceira e última etapa do projeto, a OAB vai apresentar o resultado das investigações e as propostas de políticas públicas para o setor.

— Tivemos os desaparecidos da ditadura, e mesmo agora, sob uma democracia, temos registros de desaparecimentos e mortes em episódios de enfrentamento com a Polícia Militar. Esta campanha está sendo planejada há cerca de um ano, período em que casos vinham sendo levantados casos como o do pedreiro Amarildo, desaparecido na Rocinha após ser levado por PMs para a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) para averiguação, afirmou Felipe Santa Cruz.

Vitória

Presente ao evento, o advogado Marcelo Chalréo defendeu a regulamentação do crime de desaparecimento forçado para que seja criado um instrumento legal que permita o enquadramento penal para esse tipo de conduta. Ele comparou o auto de resistência à pena de morte.

— Os autos significam a banalização da morte, o policial é ao mesmo tempo juiz e executor da pena.

Representando o grupo Mães da Cinelândia, Regina Célia da Rocha Maia, que teve a morte do filho registrada como auto de resistência há 17 anos, parabenizou a iniciativa da OAB.

—Essa campanha é uma vitória para nós (mães), uma vitória pela dor, mas uma vitória. Somos todas invisíveis, as portas estão sempre fechadas para nós e nossos filhos continuam a ser chamados de bandidos, por mais educação e dignidade que tenhamos dado. O governo reluta em dar certidões de óbito e desaparecimento. Nem a nossa dignidade é respeitada. A única solução é insistirmos na luta por nossos direitos.

Integrante da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Maurício Campos dos Santos destacou que o perfil da vítima da violência é jovem, negro, do sexo masculino, de baixa escolaridade e morador de áreas pobres.

— Esta não é uma realidade só do Rio de Janeiro, é uma realidade nacional, pois em outros estados há situações mais graves, proporcionalmente.

Felipe Santa Cruz também repudiou o avanço da violência contra a população de baixa renda:

—Na democracia é inaceitável que a parcela mais pobre da sociedade tenha de conviver com essa violência. Não estamos contra os agentes da lei, mas hoje eles são treinados para a guerra. Precisamos de uma polícia efetivamente cidadã.

*Com informações do Conjur, G1, OAB-RJ, Terra.