O Presidente da seccional Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Wadih Damous, anunciou que a entidade vai pedir a reabertura do inquérito que apurou o atentado a bomba contra o escritório do Conselho Federal da entidade, em 1980. A bomba era endereçada ao então Presidente interino, Eduardo Seabra Fagundes, e acabou matando tragicamente a secretária Lyda Monteiro da Silva.
O anúncio sobre o pedido de nova apuração do caso foi feito durante o ato público em memória dos 30 anos da morte de Dona Lyda Monteiro da Silva, realizado pela OAB-RJ, na tarde desta sexta-feira, 27 de agosto, ao qual estiveram presentes: o Presidente nacional da Ordem, Ophir Cavalcante; o Ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi; o Presidente da Comissão de Anistia Paulo Abrão; os advogados Eduardo Seabra Fagundes e Modesto da Silveira; familiares de Dona Lyda, entre os quais seu único filho Luiz Felipe Monteiro.
Em seu discurso, Wadih Damous disse que vai encaminhar ao Ministério Público o pedido de reabertura do caso:
— É nosso dever e a OAB jamais deixou de cumprir com os seus deveres. Espero que o Judiciário cumpra com o seu, apure as responsabilidades e puna os culpados, declarou.
Segundo Wadih Damous, há muitas perguntas em aberto sobre o atentado terrorista que precisam ser respondidas, inclusive sobre o nome dos responsáveis pelo atentado que matou Dona Lyda Monteiro. “Quem ordenou? Quem executou? Onde se encontram esses funcionários de um dos aparatos da administração pública brasileira? Não podemos mais conviver sob o signo dessa conveniente ignorância”, disse o Presidente da OAB-RJ.
Luiz Felippe Monteiro Dias, filho de dona Lyda, agradeceu a homenagem à mãe e lamentou que, passados 30 anos, ninguém sabe “quem financiou, quem deu a ordem e quem executou” o atentado. Ele criticou “o boicote” das investigações por autoridades militares:
— Acredito que deste dia em diante, a apuração siga em frente. Quero os nomes dos culpados, quero que fiquem registrados como terroristas, afirmou Luiz Felippe.
Alvo da carta bomba que matou a sua secretária, o advogado Seabra Fagundes falou afirmou não ter dúvidas sobre a motivação dos responsáveis pelo atentado:
— O que se quis foi atingir a entidade que estava à frente da luta contra a ditadura; pensaram que a OAB seria decapitada com a morte de seu presidente. Nós mostramos que não nos intimidamos, e tenho orgulho de dizer que nunca iremos nos curvar à violência, declarou.
Crime bárbaro
Wadih Damous elogiou reportagem publicada no jornal O Globo, na edição desta sexta-feira, 27 de agosto, na qual o repórter Chico Otávio mostra que há indícios de que os autores do atentado à OAB, em 1980, pertenciam ao mesmo grupo envolvido com os artefatos que explodiram na Câmara Municipal do Rio, na sede do jornal Tribuna da Luta Operária e no Riocentro, este último em 1981.
De acordo com o Presidente da OAB-RJ, as informações reveladas na matéria do Globo vão servir de base para o pedido de reabertura do inquérito. Wadih Damous afirmou tratar-se de uma iniciativa que interessa a toda a sociedade:
— Seu estrondo nos sacode a cada dia em que esse crime bárbaro, esse ato de terror praticado por agentes dos órgãos de repressão vinculados ao aparato do DOI-Codi, não for completamente esclarecido, afirmou o presidente da OAB fluminense.
A reportagem de Chico Otávio contém dados reveladores, como depoimentos de militares que confirmam o envolvimento de agentes ligados à repressão na escalada de atos terroristas que ocorreram no Rio de Janeiro, no início dos anos 80. Além disso, quatro meses após a morte da secretária da OAB, houve um encontro casual de Palmyra Monteiro de Figueiredo e Isis Bitencourt, irmã e sobrinha de Dona Lyda Monteiro, com um agente do DOI-Codi.
Elas foram ao cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo (zona sul), levar flores e deram de cara com um homem estranho parado em frente ao túmulo de Dona Lyda. Somente mais tarde, elas tomaram conhecimento de que se tratava do sargento Guilherme Pereira do Rosário (o mesmo da bomba do Riocentro), por causa das fotos do militar que foram divulgadas pelos jornais.
Wadih Damous reafirmou o que já tinha dito em entrevista ao ABI Online. Disse que se o ato terrorista contra a OAB pretendia calar a entidade, o tiro saiu pela culatra porque a bomba surtiu “efeito contrário ao pretendido, as forças da advocacia se redobraram e a cobrança pela imediata apuração foi amplamente exigida”, declarou o Presidente.
Resistência
Em seu discurso o Presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, classificou como que o ato em memória de Dona Lyda era uma iniciativa para lembrar que “a mulher, mãe, trabalhadora, continua entre nós como símbolo de resistência”.
Ele lembrou que a cerimônia era uma forma de a OAB se manifestar publicamente mostrando sobre a sua resistência contra a ditadura e as arbitrariedades cometidas em forma de tortura:
— Resistir é um ato de coragem, resistir para não desistir de amar, de ser feliz, de sonhar; sonhar com um Brasil mais justo, um Brasil mais igual, mais fraterno, sem violência, sem impunidade, sem terror, afirmou Ophir Cavalcante.
Em seu discurso Ophir Cavalcante classificou “loucura de Estado” os atos terroristas que vitimaram Dona Lyda Monteiro e que foram organizados em todo o país entre os anos 70 e 80, inclusive contra bancas de jornais na cidade do Rio de Janeiro: — Que seja este o sentido: de estarmos reunidos neste local para dizermos em alto e bom som: nunca mais!
Segundo ele o ato de violência contra a OAB, “não foi, como querem alguns, produto dos excessos de setores do regime, nem das bestas-feras que saíam dos porões fora de controle de seus comandantes”. Ophir Cavalcante afirmou que o terror que matou Dona Lyda era “produto do andar de cima, das altas esferas do poder, que tramavam não perder este poder”:
— Não foram dos porões, mas de gabinetes refrigerados, que saíram a carta-bomba contra a OAB, em 1980, e os sabotadores do Riocentro, em 1981. Só que neste último caso a bomba explodiu antes da hora no colo de um sargento do Exército. Um capitão do DOI-Codi, que sobreviveu, virou professor do Colégio Militar de Brasília. Terror e impunidade de Estado.
Ophir Cavalcante criticou também o fato de os culpados pelo crime que matou Dona Lyda até hoje não tenham sido identificados e devidamente punidos a cobrou das autoridades “total abertura dos arquivos da ditadura e que se rasgue o vergonhoso véu da impunidade”.
O Ministro Paulo Vanucchi prometeu que em nome da Secretaria Nacional de Direitos Humanos vai encaminhar o pedido de apuração ao Diretor Geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, para que ele identifique os agentes federais que investigaram o caso na época, para que “falem tudo o que sabem”. Já o Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, comentou que os autores do atentado não estão enquadrados na Lei de Anistia, pois esta é de 1979 e os atos terroristas ocorreram em 1980.
Presenças
A cerimônia em memória dos 30 anos da morte de Dona Lyda Monteiro da Silva foi realizada no prédio onde funcionava o escritório do Conselho Federal da OAB, no Centro do Rio. Além das personalidades citadas acima, compareceram ao ato os ex-Presidentes Eduardo Seabra Fagundes e Hermann Assis Baeta; os ex-Presidentes do Instituto dos Advogados Brasileiros, Calheiros Bomfim e Henrique Maués; o Vice-prefeito do Rio, Carlos Alberto Muniz; e o Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, Sérgio Verani.
Estiveram presentes também os conselheiros federais da OAB Cláudio Pereira de Souza Neto e Marcus Vinicius Cordeiro, os Presidentes das seccionais da Bahia, Saul Quadros; do Amazonas, Antonio Barros de Mendonça; do Espírito Santo, Homero Mafra; o Secretário-geral da
OAB/MA, Carlos Augusto Macedo.
Marcaram suas presenças ainda na cerimônia o ex-Presidente da seccional fluminense Helio Saboya; o Presidente da Caarj, Felipe Santa Cruz; o presidente do Sindicato dos Advogados, Sérgio Batalha, conselheiros, presidentes de subseções, procuradores de Justiça, parlamentares de diversos partidos, representantes de organizações de defesa dos direitos humanos e lideranças estudantis.