Por Cláudia Souza*
18/04/2014
O escritor e jornalista colombiano Gabriel García Márques morreu aos 87 anos, na tarde desta quinta-feira, 17, em sua residência no México, vítima de infecção renal em decorrência de um câncer linfático, diagnosticado em 1999. Ele esteve internado entre o fim de março e o início de abril com quadro de pneumonia e infecção respiratória. A morte do escritor repercutiu em todo o mundo.
Em julho de 2012, Jaime García Márquez, irmão mais novo do escritor, revelou que o autor sofria de demência senil “há alguns anos” e que estava lutando contra a perda de memória. Gabriel García Márques deixa a mulher, Mercedes Barcha Pardo, com quem era casado desde 1958, e os filhos Rodrigo, que nasceu em 1959, e Gonzalo, nascido em 1962.
Segundo as agências France Presse e EFE, a diretora do Instituto Nacional de Belas Artes do México, María Cristina García, afirmou que além da cerimônia de cremação do corpo, nenhum outro ato fúnebre será realizado, apenas uma homenagem nacional no Palácio de Belas Artes, na tarde da próxima segunda-feira, dia 21.
De acordo com o site da Rádio Caracol, o corpo do escritor foi cremado ainda na quinta-feira, 17, em solenidade privada e restrita à família. As cinzas se encontram na funerária García López, do bairro de Pedregal, no sul da Cidade do México.
O embaixador colombiano, José Gabriel Ortiz disse que na segunda-feira, 21, levará as cinzas ao Palácio Bellas Artes junto com o presidente do Conselho Nacional para a Cultura e as Artes do México (Conaculta), Rafael Tovar, que formarão a primeira guarda de honra da homenagem nacional, com início às 16 horas (18 horas em Brasília).
O embaixador, que falou à imprensa na porta da casa do escritor colombiano, disse ainda que as cinzas de García Márquez devem ser divididas entre o país em que ele nasceu e aquele no qual viveu por mais de 30 anos. “No México ficará uma parte e eu acredito que o resto vai ser levado para a Colômbia”, afirmou.
Trajetória
Aplaudido como um dos mais importantes escritores do século 20 e um dos mais renomados autores latinos da história, Gabriel García Márquez nasceu em 6 de março de 1927, em Aracataca, na Colômbia. Chegou a estudar Direito e Ciências Políticas na Universidade Nacional da Colômbia, mas não concluiu o curso, preferindo iniciar carreira no jornalismo.
Seu primeiro romance, “A revoada (O enterro do diabo)”, foi escrito no início da década de 1950, mas publicado apenas em 1955, por iniciativa de amigos, enquanto ele estava na Europa.
O sucesso internacional veio após a publicação de “Cem anos de solidão”, em 1967, obra-prima que vendeu, até hoje, mais de 50 milhões de exemplares, tendo sido traduzido para 35 idiomas. O livro, considerado, ao lado de “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes, um dos livros mais importantes da literatura em língua espanhola, narra a saga de gerações da família Buendia, na aldeia fictícia de Macondo, no gênero realismo fantástico, que ganhou força na América Latina, na segunda metade do século XX.
Entre outros títulos famosos estão ainda “A incrível e triste história de Cândida Eréndira e sua avó desalmada”, “O outono do patriarca”, “Crônica de uma morte anunciada”, “Do amor e outros demônios”, “Memórias de minhas putas tristes” e “O amor nos tempos do cólera”.
Gabriel García Márquez recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1982 pelo conjunto de sua obra. Foi o primeiro colombiano e quarto latino-americano a receber a premiação. O autor também conquistou o Prêmio de Novela ESSO por “Má Hora: O Veneno da Madrugada” (1961), o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Columbia (1971), as Medalha da Legião Francesa em Paris (1981), e Águila Azteca (1982), o Prêmio 40 Anos do Círculo de Jornalistas de Bogotá (1985), o de Membro Honorário do Instituto Caro y Cuervo (1993) e de Doutor Honoris Causa da Universidade de Cádiz (1994).
“El Gabo”, como era conhecido na América Latina, continuou escrevendo até o final da década de 1990, mas seu trabalho foi reduzido a partir de 1999, quando recebeu o diagnóstico de câncer. Em 2002, ainda em tratamento, publicou sua autobiografia, “Viver para contar”. A aposentadoria oficial do escritor foi anunciada em 2009 por agentes literários.
Jornalismo
García Márquez teve grande atuação como jornalista. Em 1948, quando trabalhava para o jornal “El Universal”, de Cartagena, começou também a escrever contos e nos anos seguintes passou a publicar uma coluna no jornal “El Heraldo”, de Barranquilla. Na década de 50 foi enviado para a Europa como correspondente do jornal “El Espectador”. Em 1954, como correspondente internacional, mudou-se para Roma, e depois de ter passado por outras cidades europeias, foi enviado para Nova York.
Suas críticas a exilados cubanos e a amizade com Fidel Castro fizeram com que fosse perseguido pela Agência Central de Inteligência (CIA) e decidisse deixar os EUA, escolhendo a Cidade do México para viver a partir de 1961. Passou ainda períodos na Espanha e na Venezuela, voltando ao México no início da década de 80 e ali permanecendo até o fim da vida. O ex-presidente americano Bill Clinton, que o aplaudiu como seu herói literário, revogou a proibição de Garcia Márquez de voltar aos EUA.
Em um discurso de 1996 feito na 52° Assembleia Genal da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), García Márquez chamou o jornalismo “de melhor ofício do mundo”: ‘El periodismo es una pasión insaciable que sólo puede digerirse y humanizarse por su confrontación descarnada con la realidad. Nadie que no la haya padecido puede imaginarse esa servidumbre que se alimenta de las imprevisiones de la vida. Nadie que no lo haya vivido puede concebir siquiera lo que es el pálpito sobrenatural de la noticia, el orgasmo de la primicia, la demolición moral del fracaso. Nadie que no haya nacido para eso y esté dispuesto a vivir sólo para eso podría persistir en un oficio tan incomprensible y voraz, cuya obra se acaba después de cada noticia, como si fuera para siempre, pero que no concede un instante de paz mientras no vuelve a empezar con más ardor que nunca en el minuto siguiente.’
En 1994, García Márquez criou na Colômbia a Fundação Gabriel Gárcia Márquez para o Novo Jornalismo Iberoamericano (FNPI) com o propósito de fomentar a ética e as boas práticas na profissão. A FNPI lançou em 2013 a primeira edição do Prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo do para promover a excelência jornalística e os ideais profissionais do reconhecido autor. A segunda edição foi lançada em março último.
Em novembro de 2013, colegas de García Márquez reuniram-se em Medellín, na Colômbia, para participar de um ciclo de palestras sobre jornalismo e literatura. Organizado pela FNPI. O evento tinha como objetivo premiar as quatro melhores reportagens do ano e homenagear a figura e a obra do escritor. O jornalista colombiano Nelson Fredy lembrou que a escrita sempre foi, para Gabo, “quase um vício”. “Ele tinha obsessão por escrever”, contou o repórter, que, em 1999, ajudou-o a concluir uma de suas crônicas mais famosas, “El enigma de los dos Chávez”, publicada pela revista “Cambio”.
Relançamentos
A Editora Record, responsável pela publicação de García Márquez no Brasil desde 1973, está relançando todos os títulos com novo trabalho gráfico, projeto iniciado em 2013. Até o fim de 2014, serão relançados o romance de estreia A Revoada (O Enterro do Diabo), O Outono do Patriarca e a coletânea de contos Olhos de Cão Azul.
Repercussão da morte
Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, no Twitter
“Mil anos de solidão e tristeza pela morte do maior colombiano de todos os tempos! Solidariedade e condolências a sua família. Está decretado três dias de luto oficial no país pela morte de García Márquez.”
Dilma Rousseff, presidente do Brasil, no Twitter
“Foi com tristeza que soube da morte do escritor colombiano Gabriel García Márquez. Dono de um texto encantador, Gabo conduzia o leitor pelas suas Macondos imaginárias como quem apresenta um mundo novo a uma criança. Seus personagens singulares e sua América Latina exuberante permanecerão marcados no coração e na memória de seus milhões de leitores.”
Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, em nota oficial
“O mundo perdeu um de seus maiores escritores visionários – e um dos meus favoritos.”
Enrique Peña Nieto, presidente do México, no Twitter
“Em nome do México, expresso meu pesar pelo falecimento de um dos maiores escritores de nossos tempos: Gabriel García Márquez.”
José Mujica, presidente do Uruguai, à emissora de TV uruguaia Canal 12
“Para aqueles que sonham com a possibilidade de um mundo melhor, ele era um companheiro de utopias. A América Latina perdeu um de seus maiores pontos de referência em sua verdade, em sua dor, em sua alegria”.
Ollanta Humala, presidente do Peru, no Twitter
“A América Latina e o mundo inteiro sentiram a partida desse sonhador. Descanse em paz, Gabriel García Márquez, lá em Macondo.”
Rafael Correa, presidente do Equador, no Twitter
“Nos deixou Gabo, teremos anos de solidão, mas ficam suas obras e seu amor pela ‘Pátria grande’. Até a vitória sempre, Gabo querido!”
Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, no Twitter
“Ele foi um amigo sincero e leal dos líderes revolucionários que levantaram a dignidade da América de Bolívar e Martí. Gabo deixou gravada sua marca espiritual na nova era de nossa América, cem anos de amor por seu espírito eterno.”
Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, e Dona Marisa Letícia, em nota oficial
“Gabriel García Márquez foi um extraordinário escritor, um exímio jornalista, um grande militante das causas democráticas populares e um símbolo para todos nós da América Latina e do mundo. Em seus livros ele retratou com grande talento a realidade e a magia do povo latino-americano. Ele, que foi o primeiro colombiano a receber o Prêmio Nobel de Literatura, representou a América Latina em suas obras e por onde passou. Manifestamos nossa solidariedade aos parentes, amigos e milhões de admiradores do nosso querido Gabo.”
Ferreira Gullar, poeta brasileiro, em depoimento para a Globo News
“Ele tinha uma grande originalidade. Era a maior figura do realismo mágico. Ele tinha uma qualidade literária excepcional, além do que está nos contando, além da magia da sua ficção. Ele criou um mundo novo, como todo artista cria. A nossa América é outra coisa após o realismo mágico e escritores como García Márquez.”
Isabel Allende, escritora chilena, no Facebook
“Acabo de saber com profundo pesar que Gabriel García Márquez morreu. O único consolo é que sua obra é imortal. Poucos livros conseguem sobreviver ao implacável teste do tempo, pouquíssimos autores são lembrados, mas García Márquez está entre os clássicos da literatura universal. Ele é o escritor mais importante da América Latina em todos os tempos, a voz do realismo mágico e o pilar da explosão da literatura latino-americana. Ele narrou a América Latina ao mundo e mostrou a nós, latino-americanos, nossa própria imagem no espelho de suas páginas. Somos todos de Macondo. Todos os escritores de língua hispânica que vieram antes e depois ele têm como parâmetro seu imenso talento. Sua influência inegável é como a maré; ela vem e vai em ondas. Devo a ele o impulso e a liberdade de me lançar à literatura. Em seus livros encontrei minha própria família, meu país, as pessoas que conheci minha vida inteira, a cor, o ritmo e a abundância de meu continente. Meu maestro morreu. Não ficarei de luto por ele por que não o perdi: continuarei a ler suas palavras de novo e de novo…”
Nélida Piñon, escritora brasileira, à Agência Efe
“É uma perda difícil para todos. Uma perda que evoca grandes memórias. Mas pelo menos podemos nos conformar com a ideia que podemos preencher esse vazio com a grande obra que ele nos deixou. É lógico que vai deixar um grande vazio, mas, inclusive quando estivemos afastados, ele sempre emitiu sinais de grandeza. Cada vez que nos deixava ver uma página sua, nos garantia que o talento é possível, que a literatura se justifica e que as palavras podem encher as ânsias da humanidade.”
Jaime Abello Banfi, diretor geral da Fundação Gabriel García Márquez para um Novo Jornalismo Iberoamericano (FNPI), em comunicado oficial
“Nosso querido Gabriel García Márquez se foi fisicamente, mas permanece vivo entre nós através de suas ideias, seus escritos, sua memória nas milhões de pessoas que o amamos no mundo todo e o legado representado no trabalho de suas fundações e escolas de jornalismo e cinema. Gabo viveu uma vida plena e incomparável. Vamos nos lembrar dele como um grande criador, um homem cheio de sabedoria, humor e ternura, um trabalhador incansável, que soube mostrar-nos que a melhor maneira de aproveitar uma jornada é seguindo a vocação com a obstinação e a disciplina que dão base ao talento e paixão… Obrigado, Gabo. Obrigado, professor dos professores.”
O escritor peruano Vargas Llosa, que brigou com García Márques na década de 70 por questões pessoais. “ García Márquez deu prestígio à língua espanhola. Seus romances vão continuar sendo lidos no mundo.”
“A revoada” (O enterro do diabo) (1955)
“Ninguém escreve ao coronel” (1958)
“Las ocho menos cuarto” (1960)
“Funerales de la mama Grande” (1962)
“A má hora” (O veneno da madrugada), (1962)
“Cem anos de solidão” (1967)
“O outono do patriarca” (1975)
“Crônica de uma morte anunciada” (1982)
“O amor nos tempos do cólera” (1985
“O general em seu labirinto” (1989)
“Doze contos peregrinos” (1992)
“Do amor e outros demônios” (1994)
“Notícia de um sequestro” (1997)”Viver para contar” (autobiografia, 2002) Memória de minhas putas tristes” (2004)
Principais contos:
“La tercera resignación” (1947)
“La otra costilla de la muerte” (1948)
“Amargura para tres sonámbulos” (1949)
“Diálogo del Espejo” (1949)
“Olhos de cão azul” (1974)
“La mujer que llegaba a las seis” (1950)
“Nabo, el negro que hizo esperar a los ángeles” (1951)
“Alguien desordena estas rosas” (1952)
“Un día después del sábado” (1955)
“Los funerales de la Mamá Grande” (1962)
“El ahogado más hermoso del mundo” (1972)
“La increíble y triste historia de la cándida Eréndira y de su abuela desalmada” (1972)
“Todos los cuentos” (1975)
“El rastro de tu sangre en la nieve” (1981)
“El verano feliz de la señora Forbes” (1982)
Trabalhos jornalísticos e outros textos:
“Relato de un náufrago” (1955)
“Cuando era feliz e indocumentado” (1973)
“Crónicas y reportajes” (1975)
“De viaje por los países socialistas”
“Monólogo de Isabel viendo llover en Macondo” (1969)
“Chile, el golpe y los gringos” (1974)
“Obra periodística. Vol. 1: Textos costeños”. (1981)
“Viva Sandino” (Managua, 1982)
“El asalto: el operativo con el FSLN se lanzó al mundo”, (Nicaragua, 1983)
“Eréndira” (roteiro de seu próprio romance), (N.P., Les Films du Triangle, 1983)
“Aventura de Miguel Littin Clandestino en Chile” (1986)
“Yo no vengo a decir un discurso” (2010)
*Com agências internacionais, www.patrialatina.com..br, Knight Center for Journalism in The Americas, G1