18/07/2024
por Solon Saldanha, em Virtualidades
O capitão da Aeronáutica que merece ser chamado de patriota não ocupa nenhum cargo público atualmente. Na verdade, está morto desde que foi vencido por um câncer, em 5 de fevereiro de 1994, aos 63 anos. Seu sepultamento foi sem honras militares, sendo a salva de palmas e a bandeira nacional que cobriu o seu caixão providenciadas por alguns dos companheiros de partido, o PDT – por essa sigla concorrera sem sucesso à Assembleia Nacional Constituinte, em 1986. E a imprensa não deu destaque algum ao seu falecimento, desconhecendo o heroísmo que marcou sua vida e deveria ser reconhecido. Falo de Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho que, sabe-se lá por que razão, preferia ser chamado pelo seu apelido Macaco.
Este homem honrou a farda em várias oportunidades. A primeira vez foi em abril de 1968, quando a unidade de elite especializada em resgate e salvamento (Para-Sar), que estava sob seu comando, recebeu ordem de atirar com munição real contra estudantes que participavam de uma manifestação. Ele não apenas descumpriu a determinação como também teve a coragem de comunicar pessoalmente sua discordância ao brigadeiro João Paulo Burnier, que estava no cargo de chefe de gabinete do então ministro da Aeronáutica, Márcio de Souza Melo. Não sabia que seu superior era um torturador dos mais temidos, estilo Carlos Alberto Brilhante Ustra. Por isso se surpreendeu com a resposta de Burnier, que disse querer muito mais do que aquilo que fora ordenado antes. Sua verdadeira intenção era transformar a unidade numa tropa de choque disponível para a promoção de atentados. Havia inclusive uma lista de alvos que deveriam ser eliminados, entre os quais dom Hélder Câmara, o líder estudantil Vladimir Palmeira e o ex-presidente Juscelino Kubitschek.
A ordem seguinte que lhe foi dada era orquestrar uma criminosa explosão do Gasômetro, no Rio de Janeiro, ato que poderia causar pelo menos dez mil mortes, segundo as estimativas dos próprios militares. No local era produzido e estocado o gás que depois era injetado na canalização da cidade. Esse ato terrorista seria então atribuído a uma suposta organização comunista, servindo de justificativa para o endurecimento maior da ditadura, com a adoção de medidas repressivas ainda mais drásticas. A nova recusa lhe custou 25 dias de prisão, a destituição do comando e sua transferência para Recife. Como continuou insistindo em denunciar esses atos, foi então afastado pelo AI-5, promulgado dia 13 de dezembro daquele mesmo ano. Perdeu sua carreira, sua fonte de recursos, mas manteve intacta a dignidade.
No início da década de 1970 o Capitão Macaco concedeu entrevista exclusiva ao jornal O Pasquim e nela relatou com detalhes essas e outras situações que as Forças Armadas obviamente pretendiam que para sempre ficassem escondidas. Passou a correr sério risco de vida, mas não foi eliminado provavelmente porque isso confirmaria tudo o que vinha dizendo. Anistiado em 1979, foi reintegrado de modo automático, mantendo a mesma patente. Anos mais tarde, acionou a União e requereu ao STF que fossem reconhecidas as suas vantagens, que por duas décadas ficaram interrompidas. Ganhou a causa em 1992, mas o então ministro da Aeronáutica, brigadeiro Lélio Lobo, não cumpriu a decisão da corte, mesmo tendo recebido da Justiça duas ordens para tanto. Assim, a correção ficou nas mãos do então presidente Itamar Franco, que manteve o documento na gaveta, protelando a assinatura.
Ela nunca aconteceu. E a morte foi mais rápida do que a justiça. O homem que não aceitara matar milhares de brasileiros jamais foi reconhecido como herói. Nunca foi chamado de mito. Não deu à família as condições de vida que poderia ter dado. Não teve seu nome incluído em livros de história. Na quarta-feira, 17 de julho, completaria 90 anos se vivo estivesse – nasceu em 1930. Que pelo menos nessa data receba as preces e o agradecimento dos realmente patriotas. Dos que de verdade colocam o Brasil acima de tudo.