08/04/2009
Dia do Jornalista – 7 de abril – não passou nem passará em brancas nuvens. Porque todo dia é Dia de Jornalista.
Parece paródia ao Dia do Índio, essa criatura que deveria ser reverenciada e comemorada o ano todo como preito de culpa e culto de arrependimento de uma civilização que não cuidou de salvar a própria alma nativa. É uma tardia confissão da barbárie praticada contra os primeiros donos do Brasil. Senhores da terra dizimados a faca e a fogo pelo colonizador alienígena cujos descendentes agora se proclamam piedosos.
Mas a similitude índio-jornalista não pára ai. Nem se trata apenas de uma parodiazinha vulgar de quem gosta de curtir o delírio do racional. Principalmente agora, quando tudo parece conspirar com uma nova extinção também de patrocínio alienígena – a extinção do repórter.
E o repórter, como se sabe, é o jornalista em estado/estágio nativo. Em estado bruto. Melhor dizendo: em estado de beatitude e pureza. E que deveria ser preservado e perpetuado como garantia e seguro de sobrevivência para o jornal como hoje o jornal se apresenta. Ou deveria se apresentar para não ser engolido, mastigado e defecado pela internet ou algo que o valha e vem por aí. Não tenham dúvidas.
Todo dia é Dia de Jornalista é uma frase boba, convenhamos. Mas que oferece de cara um reconhecimento, vamos dizer, de justiça universalizada à sacrificada, sofrida e até mesmo vilipendiada profissão do trabalhador (da pena!, como se dizia) que mantém a sociedade informada, bem ou mal, levando-a a pensar e pesar acontecimentos destinados à História menor ou maior. É ainda a menos burocrática e mais amplamente solicitada das profissões que os tempos modernos conseguiram produzir desde os característicos anos do século XX. Os tempos dos gênios da comunicação Charlie Chaplin e John Reed (lembram-se deles?). Afinal a Era da Comunicação nasceu mesmo uns quatrocentos anos depois de Gutenberg. Gestou e veio à luz devagarinho, um panfleto aqui, um jornalzinho manuscrito ali, o primeiro hebdomadário acolá e, derepentemente, olha o jornal diário precisando de gente para ser feito e colocado na rua, nas mãos do povo, azucrinando poderosos ou bajulando tiranos. Enfim, a biodiversidade jornalística é vasta e incontrolável, rádio e tv à parte. Quer dizer, incontrolável (rádio, tv e internet à parte) até certo ponto.
Mas vamos ficar só nos jornais nascentes que pediam gente mesmo. E que haveriam de se especializar: jornalista, repórter, cinesíforo, gráfico, redator, noticiarista, articulista, cronista, escritor, panfletário, desenhista, diagramador, publicitário, comentarista, crítico, escritor, daguerreotipista, fotógrafo. E tanto mais solicitado passou a ser o jornalista de todas as gamas e tempos, espectros e aspectos porque a sociedade se fez exigente de conhecimento e mais saber. Um saber curativo da ignorância clássica (e crassa) que nem mesmo os cientistas de todas as áreas puderam prescindir. Porque, como reza outro jargão popular, o jornalismo é também um sacerdócio. Exigindo dedicação que pode subestimar a fé que move montanhas, mas se impõe independente até da vontade interior dele – o jornalista. Noticia-se por compulsão. Quem ignora?
O jornalista de verdade é um compulsivo. É aquele que apura notícia e faz jornal 24 horas por dia, 365 dias por ano, até de férias ou desempregado. E escreve, escreve, escreve “ainda que se lhe cortem as mãos”.
Exagero? Pois lembremos que ele — o jornalista que somos nós! – acorda e vai tomar café com a notícia na boca, ou nas bocas que a tv lhe impõe cara-a-cara, e o jornal lhe empurra goela abaixo servido madrugadinha como o pão de cada dia. Pão que o padeiro às vezes tarda mas o jornal não falha. Não raro o chefe de reportagem ou o seu — nosso! — editor não cerca o repórter pelo telefone ou por e-mail para lhe adiantar a pauta que muito provavelmente você vai ter que cumprir saindo diretamente de casa.
Todo dia é ou não é Dia de Jornalista? E jornalista que não se informa bem sobre tudo e sobre todos, toda hora, não é jornalista. Assim, é preciso se informar bem. Inclusive a caminho do jornal. Quem sabe papeando com o taxista (esse sabe tudo!) ou com quem quer que encontre nas ruas. É ou não é assim?
Na redação – ah na redação! — não há tempo senão para correr atrás da apuração ou voar por vezes virtualmente para a entrevista pautada, para a substituição no plantão do grande caso do dia. O dia que corre tão rápido, mas tão rápido que quando vemos já estamos no botequim discutindo… notícia… para relaxar! E à noite, quando se chega à cama e é possível dormir, como deixar de sonhar com aquela manchete, com aquela nota-bomba, com a crônica que terá de ser escrita antes mesmo do primeiro cafezinho da manhã? Ou do último drinque no derradeiro bar da madrugada?
Jornalismo é uma cachaça, cara! O patrão paga mal e a gente continua lá, escravizado (no bom ou no mau sentido?), submisso enquanto a conscientização não desembarca nas cabeças diplomadas e os recursos não chegam para opinar/discordar/escolher na medida em que nós — repórteres, redatores, editores – não evoluímos profissionalmente para podermos impor a verdade dos fatos, as versões que não sejam apenas as da conveniência dos donos disso que hoje chamamos de mídia. Aliás, para início de conscientização de discordância e elegia do delírio do real, abominemos essa palavrinha obscena oriunda das estranjas tão asséptica e massificada como eles – os midiáticos seniores – querem que o poder da comunicação jornalística continue sendo.
Mídia não, jornalismo sim!