Oséas Carvalho foi possivelmente o maior embelezador de jornais do Brasil. Não um simples maquiador. Pois não imprimia apenas nova dimensão visual e cromática às primeiras páginas. Ele e sua entusiasta equipe iam fundo na reestruturação e na arquitetura do miolo, redesenhando e refundindo conteúdos, titulagens e até formatos editoriais das publicações. Criava também suplementos revolucionários. Redimensionava com romantismo as páginas e os cadernos esportivos e de lazer diário.
O Dr. Alberto Torres, então presidente de O Fluminense, que o teve na redação de Niterói – levado pela mão sapiente de Gilson Monteiro – venerava-o como o recriador e modernizador de seu jornal. Achava porém que Oséas Carvalho tinha mais do que o dom jornalístico da beleza gráfica inimitável:
— Oséias, você tem o mais bonito sorriso do Brasil — dizia o Dr. Alberto Torres. E completava com a jocosa e sincera autoridade de deputado à Assembleia e à Câmara: — Com o seu sorrido, Oséas, me elegeria senador e até presidente da República.
Como bom mineiro de Monlevade, MG, Oséas Carvalho amava a vida com mansidão. Mas era um escorpiano de estética hiperativa e opiniática, sempre debatendo de política a futebol e literatura ou arquitetura, ele que era um fanático do Galo e do Botafogo e se impressionara tanto com Carlos Castañeda quanto com Rubem Braga, aliás companheiro de redação na velha Ultima Hora e por ele convocado a inovar as páginas de O Fluminense, dando o último emprego ao Velho Braga como cronista. Do misterioso e surrealista colombiano Castañeda lembrava um ensinamento de Don Juan mais como piada de bom/mau gosto:
— O homem deve viver como um guerreiro que tem sempre a morte caminhando ao seu lado direito, à distância de um braço. De vez em quando precisa acariciar a cabeça da morte como quem acarinha a cabeça de um cão fiel…
Pois esse guerreiro chamado Oséas Carvalho rendeu-se ao cão fiel no fim da manhã da última terça-feira no leito de um hospital em Belo Horizonte depois de uma longa escaramuça transformada em guerra contra uma insidiosa agressão pulmonar. Ao ser velado, vestia a camisa do Botafogo e tinha sobre o caixão a bandeira do Atlético Mineiro. Abraçados a ele, os filhos Joana e João. Foi incinerado após silenciosa celebração numa capela mortuária da Avenida Afonso Pena, Centro de Belo Horizonte, a cidade de sua juventude. E de suas iniciações políticas que incluíram batalhas pela liberdade e contra a ditadura militar. Foi em BH que ele começou sua militância no Binômio, semanário dirigido pelo lendário José Maria Rabelo. E que se celebrizou por enfrentar um general empastelador de jornais chamado Punaro Bley.
Foi em BH que Oséas Carvalho incorporou-se à redação do Diário de Minas. Depois ingressou na edição mineira de UH, sendo chamado por Samuel Wainer para enriquecer a nacional Última Hora do Rio/São Paulo/Brasília/Curitiba, Porto Alegre/Recife/Niterói. Com o massacre militar de UH, Oséas Carvalho refugiou-se no O Jornal dos Diários Associados ingressando com outros companheiros sobreviventes de UH numa redação dirigida por Manoel Gomes Maranhão. Mas O Jornal também virou alvo da ditadura. E em seguida Oséias Carvalho entraria no semi-clandestino Opinião. Por fim iria ajudar na edição secreta da Voz Operária que, no entanto, cutucava a ditadura sanguinolenta com vara curta e a Voz acabou sendo silenciada pelo monstro que perseguia, torturava e matava jornalistas.
Mas, como mineiro bom sabe se esconder no meio da multidão, Oséas Carvalho escapou para ver a vitória da democracia, voltando a recriar mais jornais. Jornais do quilate do Diário de Notícias, Jornal dos Sports, A Crítica de Manaus e O Povo de Brasília. Fundou depois a revista Brasil Mais reunindo os maiores nomes da inteligência nacional, sem distinção de credo, com artigos de Oscar Niemeyer e Delfin Neto, Darcy Ribeiro, Luis Fernando Veríssimo e Antônio Ermírio de Moraes. Por último manteve por longo período o site TemNotícias, levando à web uma plêiade de cronistas e ensaístas.
Como disse seu colaborador Continentino Porto, Oséias Carvalho não sabe descansar: “Ele foi fazer jornal em outra dimensão”. O diretor da Mondrian, Jorge Sávio, editor do
Brasil Mais, lembra que “A memória de suas ideias fabulosas serão sempre um guia para nós. Oséas é imortal. Passarei para meus filhos e meus netos o compromisso de referirmo-nos a ele, através de obras como o
Brasil Mais”. E Victor Cavagnari, o último dos copidesques de UH, completa: “O inelutável e o imprevisto não suprimem a dor”.
(*) O jornalista Jose Alves Pinheiro Junior é conselheiro da ABI, autor de livros sobre jornalismo, como “Mefibosete”, “Bombom Ladrão” e “Ultima Hora (como ela era)” e foi companheiro de Oséas Carvalho em diversas redações de jornais do País.