28/09/2020
Indústria criativa, esqueça no governo Bolsonaro
Presidente tem foco em outros lugares, como a indústria de armas, por exemplo
O Globo – Ascânio Seleme
As sete indicações de obras brasileiras para o Emmy Internacional provam mais uma vez que o Brasil é um dos maiores produtores de conteúdo cultural do planeta. Somente o Reino Unido teve número de indicações igual, ninguém ficou à nossa frente. Das 11 categorias, o Brasil participa de sete: Programa de Arte; Melhor ator; Melhor atriz; Comédia; Telenovela; Minissérie ou Filme para TV e Programa de Entretenimento sem Roteiro. Claro que isso representa muito para a indústria cultural, e portanto o governo a mantém-se atento e estimula muito o setor. Certo? Errado.
O governo se lixa para a cultura. Não investe e tampouco mostra boa vontade com a cultura. Basta ver os perfis dos indicados para dirigir o setor por Jair Bolsonaro ao longo do seu primeiro ano e meio de governo. O atual secretário de Cultura, Mario Frias, é antes de tudo um bolsonarista vulgar que parece não entender bem o que é cultura. Sua antecessora, Regina Duarte, foi uma aloprada que se dizia saudosa da ditadura. Antes dela, um nazista cujo nome é bom esquecer ocupara a função. Veja também os nomeados para Funarte, Iphan, Fundação Casa de Rui Barbosa e Fundação Palmares. O nível de indigência é absoluto.
Na Casa de Rui Barbosa entrou uma jornalista que disse ao GLOBO ter se preparado quatro meses para ocupar a vaga. O Iphan foi ocupado por uma senhora do ramo da hotelaria e que tem por mérito ser casada com um segurança de Bolsonaro. A Fundação Palmares coube a um cidadão que acha que a escravidão fez bem aos negros brasileiros. E na Funarte, claro que não podia faltar, entrou um coronel reformado do Exército. Como se não bastasse este festival de horrores, Frias nomeou sua dentista, uma amiga querida, como coordenadora-geral do Centro Técnico Audiovisual da secretaria.
Claro que não basta nomear nulidades, o importante também é não se mexer muito e fazer pouco, ou quase nada. O setor cultural foi o mais atingido pela pandemia de Covid-19, com o fechamento de teatros, casas de show e cinemas. E o que o governo fez para apoiar a classe de trabalhadores mais sufocada pela crise sanitária? Nada. Nem a Lei Aldir Blanc, que está em vigor desde 29 de junho, foi aplicada. Ela estabelece ajuda emergencial a artistas em necessidade. Embora regulamentada por decreto do governo, até agora nenhum centavo dos R$ 3 bilhões previstos saiu dos cofres públicos para as contas dos beneficiários. Spotify e Ecad já distribuem recursos próprios entre músicos.
O Brasil não é fera apenas em dramaturgia, no jornalismo e na produção de conteúdo para TV, razão pela qual acumula sucessos no Emmy. Os brasileiros são excelentes na música, no teatro, no cinema, na literatura, na moda, na arquitetura, no design. Nossos homens e nossas mulheres se destacam onde quer que a criatividade seja exigida. Em 2017, segundo estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), o setor ofereceu 837 mil empregos diretos no país.
Elio Gaspari me autorizou a oferecer uma viagem de ida a Tegucigalpa a quem encontrar uma única menção do ministro da Economia sobre o assunto. Paulo Guedes, o maior falador da Esplanada dos Ministérios (quinta-feira, teve de ser empurrado pelo general Ramos para que encerrasse uma entrevista coletiva) nunca disse uma palavra a favor da indústria criativa. Em 2017, informa o mesmo estudo da Firjan, o segmento contribuiu com 2,6% do PIB. O chamado PIB criativo daquele ano foi de R$ 171 bilhões, mais ou menos um quarto da economia que a reforma da Previdência vai gerar para os cofres da União em dez anos.
Se a questão for de fomento e simpatia com a indústria criativa, esqueça. O governo Bolsonaro tem foco em outros lugares, como a indústria de armas, por exemplo. Por sorte, a iniciativa privada ocupa os espaços vazios. E os brasileiros seguirão ganhando prêmios, sem apoio, sem governo, mas com a sua reconhecida criatividade.