28/03/2008
Há 60 anos, no dia 14 de março de 1948, as equipes do Vasco e do River Plate pisavam o gramado do Estádio Nacional de Santiago, perante 70 mil espectadores que proporcionaram a renda de 1.628.440 de cruzeiros. O Vasco com Barbosa, Augusto e Wilson; Ely, Danilo e Jorge; Djalma, Maneca, Friaça, Ismael e Chico. No decorrer da partida, Rafanelli, Lelé e Dimas substituíram, respectivamente, Wilson, Lelé e Friaça. O River Plate iniciou o jogo com Grisetti, Vaghi e Rodrigues; Iácomo, Nestor Rossi e Ramos; Reyes, Moreno, Di Stéfano, Labruna e Losteau. Nos lugares de Iácomo, Ramos e Reyes entraram Mendes, Ferrari e Muñoz. O uruguaio Nobel Valentini arbitrou o jogo.
Seguimos aqui com a narrativa do episódio contada pelo jornalista Roberto Sander no livro “Anos 40, viagem à década sem Copa”:
“A grande final entre Vasco e River Plate mobilizou Santiago. Setenta mil torcedores lotaram o Estádio Nacional. Os brasileiros, com um ponto perdido, jogavam com a vantagem do empate. Ao River, com dois perdidos, só a vitória interessava. Nesse momento, entrou em ação o experiente técnico Flávio Costa. Contrariando aquela velha e batida máxima de que não se mexe em time que está ganhando, ele resolveu mudar a equipe. Na verdade, foi uma mudança estratégica e mais de ordem psicológica. Flávio barrou o zagueiro argentino Rafanelli, colocando no lugar dele o novato Wilson. Pela lógica de Flávio, Rafanelli, revelado pelo inexpressivo Santa Fé, poderia ‘tremer’ diante da responsabilidade de marcar os seus compatriotas ou, no mínimo, não jogar com a dureza e a rispidez que uma decisão histórica entre brasileiros e argentinos exigia.
A medida do técnico deu certo: o jovem Wilson se comportou como um veterano, ganhando o posto de titular a partir de então. Em nenhum instante ele se impressionou diante de Di Stéfano & cia. Jogou com raça, impedindo que o craque argentino atuasse com brilhantismo habitual. Deixou o campo no fim da partida com uma torção no tornozelo. Só então Rafanelli pode jogar. Com poucos minutos pela frente, o zagueiro argentino do Vasco não comprometeria.
Chico foi também um dos principais personagens do jogo. Lutou o tempo todo, fez um gol invalidado pelo juiz uruguaio Nobel Valentini, deu pancada — talvez ainda traumatizado pela surra que levara da polícia argentina na final do Sul-americano de 1946 —, levou pancada e, como também acontecera dois anos antes, acabou expulso. Resumindo, como de hábito, enquanto esteve em campo Chico foi um leão.
O jogo era disputado em cada detalhe. Os argentinos, mestres na arte de catimbar, usavam todo tipo de recurso. O goleiro Grisetti, por exemplo, não parava de reclamar com o árbitro. Dizia que os flashes das máquinas fotográficas dificultavam as suas intervenções.
Com as garras de gato de Barbosa pegando tudo, a meta do Vasco se manteve imaculada nos noventa minutos de partida; assim foi disputada a prorrogação de cinco minutos prevista no regulamento. Tempo suficiente para que alguém marcasse. O empate de zero, contrariando todas as expectativas, dava o título ao Vasco. Barbosa acabou eleito o melhor jogador em campo.
Quando entrevistei Barbosa, em 1984, no programa ‘Álbum dos esportes’, na Rádio Capital, ele me falou sobre a participação do Vasco no Torneio dos Campeões:
‘No Chile, enfrentamos, além do River Plate, que era uma máquina de jogar futebol, o Nacional, do Uruguai; Colo-Colo, do Chile; Municipal, do Peru; Emelec, do Equador; Litoral, da Bolívia. Empatamos, apenas, duas partidas e eu fui o goleiro menos vazado. A decisão contra o River Plate foi um jogo dramático, muito catimbado. O River Plate tinha grandes jogadores como Di Stéfano, Rossi. Era um desfile de astros de parte a parte.’
Portanto, deve-se considerar o feito cruz-maltino um dos mais significativos da história do nosso futebol. O Vasco inaugurou uma nova era. Fez uma espécie de corte epistemológico esportivo. Rompeu-se aquela fronteira, muitas vezes tênue, que separa o sucesso do fracasso.
A repercussão da conquista no Brasil foi tremenda. O Rio de Janeiro recebeu os campeões com uma festa, como se dizia antigamente, do balacobaco.
O velho aeroporto do Galeão ficou abarrotado de vascaínos, apesar do tempo ruim, do céu cinzento. Chovia na cidade naquele 16 de março de 1948, mas desde cedo uma multidão, alheia às más condições meteorológicas, se acotovelava à espera dos heróis de Santiago.
Os corredores de acesso ao setor de desembarque ficaram intransitáveis — um aperto geral. Cartazes e bandeiras saudavam a façanha do Vasco. O entusiasmo era tão grande que as direções da Panair e também da Força Aérea Brasileira aumentaram a segurança dos aviões pousados. Temia-se que a pista fosse invadida e os aparelhos, danificados.”