O drama da seca na Amazônia


12/08/2024


Por Leanderson Lima, da Amazônia Real

Foto: Defesa Civil

A imagem de um homem sozinho, coberto de barro preto, em meio à seca do maior rio da bacia amazônica, o rio Solimões, surpreendeu o Brasil na semana passada. Era o pescador Belmiro Tavares, de 85 anos, que ficou por três dias preso em um atoleiro de lama numa praia isolada, que surgiu com a estiagem severa que afeta o município de São Paulo de Olivença, distante 991 quilômetros de Manaus, oeste do Amazonas. Foi dado como desaparecido, no dia 26 de julho, e encontrado após as buscas da Defesa Civil municipal com ajuda de imagens de um drone.

“Comi lama. Tinha muita sede e fome”, relatou Belmiro à agência Amazônia Real. O depoimento dado à reportagem foi intermediado por sua neta, Ketlen Muller Rodrigues. O contato foi possível graças a várias ligações por telefone e mensagens no Whatsapp. A forma como Belmiro descreveu a experiência dramática, na qual ele ficou sem comida e água, pode ser considerada um “deserto” amazônico nestes tempos de crise climática.

A embarcação do pescador encalhou em uma área conhecida como Barro Preto, devido à rápida descida do rio. Ele tentou sair da canoa para empurrá-la, mas acabou atolado na lama.

Segundo a neta Ketlen, Belmiro contou que entrou em desespero ao perceber que não conseguiria sair sozinho do atoleiro.

“À noite, pensava que não conseguiria mais sair dali. Mas, ao mesmo tempo, imaginava que minha família estava me procurando”, disse. “Em alguns momentos, ele chegou a ouvir vozes dos envolvidos no resgate, mas já não tinha forças para responder”.

Morador da comunidade de Santa Rita do Well, Belmiro continua se tratando em casa, após passar pela internação no Hospital Robert Paul Backsmann, que fica em São Paulo de Olivença (AM), de onde recebeu alta no último dia 5 de agosto.

“Eu já estava sem forças. E eu só pedia a Deus que me mostrasse alguém que me encontrasse e me tirasse daquele lugar, porque eu já não aguentava mais”, contou Belmiro à neta, que se emocionou.

“É muito difícil relatar isso. Ele é muito especial para nós, e ele voltou vivo porque Deus ainda tem um grande plano para a vida dele”, afirma Ketlen.

“Nos dias em que ele desapareceu, pensávamos muito nele na hora das refeições, imaginando o que ele poderia estar comendo. Ele ingeriu muita lama e precisou passar por uma lavagem gástrica”, conta Ketlen.

A pescaria

O pescador Belmiro Tavares saiu de casa no Distrito de Santa Rita do Well no dia 23 de julho, por volta de 11h. Era uma terça-feira. “Ele disse que ia pescar, caminhar na praia e que, se não retornasse, era porque estaria no dia seguinte com outros pescadores da região”, relatou a neta do pescador, a universitária Ketlen Muller Rodrigues.

Quando passou do meio-dia do dia seguinte, a família começou a perguntar aos pescadores locais se alguém havia visto Belmiro. Um deles informou que o avistou pela última vez na praia de Pedral, no dia 24 de julho.

Depois disso, Belmiro não foi mais visto. “Foi quando o desespero tomou conta da família. Foram dias e noites de busca por pistas”, descreveu Ketlen.

Os ataques de insetos

Durante os dias em que esteve atolado na lama, Belmiro contou, segundo sua neta, que foi difícil suportar os ataques das carapanãs e mutucas, insetos endêmicos na região amazônica.

Ele relatou que entrou em desespero ao perceber que não conseguiria sair sozinho do atoleiro.

“Para você ter uma ideia, meu irmão foi duas ou três vezes ao local onde ele foi encontrado pelo drone. Mas meu irmão não conseguiu acesso, não tinha como chegar lá. Só de cima era possível ver”, disse Ketlen.

O resgate

Ketlen disse que no dia 26 de julho, a família resolveu comunicar o desaparecimento de Belmiro à Polícia Civil. “Nós procuramos uma prima para fazer um Boletim de Ocorrência, mas não estavam atendendo porque já tinha terminado o expediente. Então, eles mandaram minha prima ir na segunda-feira para fazer o BO e acionar o Exército de Tabatinga para ajudar nas buscas.”

A Defesa Civil de São Paulo de Olivença foi acionada e iniciou as buscas no sábado (27 de julho). Segundo Lucas Gomes, coordenador de operações do órgão, a equipe se deslocou até o distrito de Santa Rita do Well, a 51 quilômetros da sede do município.

Após coletar depoimentos de parentes e pescadores à procura de pistas, a Defesa Civil iniciou as buscas utilizando um drone. “[O equipamento] foi crucial para encontrarmos seu Belmiro com vida”, afirmou Lucas.

As buscas continuaram no dia 28, sendo interrompidas apenas à noite, pois o drone não possuía câmera de visão noturna. Além dos quatro membros da Defesa Civil, vários parentes de Belmiro também participaram das buscas.

Na manhã do dia 29, a sete quilômetros da comunidade de Santa Rita do Well, a embarcação foi localizada pelo drone da Defesa Civil. No entanto, inicialmente, Belmiro não foi visto, pois estava coberto de lama. “A lama funcionou como uma camuflagem”, explicou Lucas.

Após algum tempo, o drone captou algo se movendo no local. “Se havia algo se movendo, significava que ele estava vivo”, pontuou Lucas.

“Aquela lama nos assustou, parecia areia movediça. Tivemos muita dificuldade para resgatá-lo, foi preciso uma força surreal para retirá-lo de lá, senão até nós poderíamos ter ficado atolados”, revelou o coordenador da Defesa Civil sobre o momento do encontro do pescador.

Lucas disse que Belmiro estava lúcido quando foi encontrado, mas bastante debilitado. “Ele entendia o que estávamos fazendo, nos reconhecia, mas não conseguia pronunciar uma palavra”, disse.

Para Lucas, todo o problema foi causado pela rápida descida do rio. “Conhecemos seu Belmiro, ele é um pescador muito experiente, entende bem o Alto Solimões. A descida do rio foi muito rápida e o pegou de surpresa”, analisou.

Após os primeiros socorros e hidratação, Belmiro foi levado de volta ao distrito para receber atendimento na Unidade Básica de Saúde. “O médico realizou todos os procedimentos iniciais e o encaminhou para o Hospital Robert Paul Backsmann, em São Paulo de Olivença”, relatou Lucas Gomes, coordenador de operações da Defesa Civil. Belmiro ficou internado do dia 29 até a segunda-feira, 5 de agosto.

A recuperação

O gerente de enfermagem do Hospital Robert Paul Backsmann, Vitor Campos, deu mais detalhes sobre o estado de saúde de Belmiro quando ele chegou ao centro médico.

“Ele estava com hipotermia, dispneia, tosse, dificuldade respiratória e calafrios, sem resposta motora, o que exigiu ainda mais cautela no tratamento. Foi um verdadeiro milagre”, disse Vitor. “Pela idade dele e pela minha experiência, esse caso foi realmente um milagre de Deus”, completou o coordenador da Defesa Civil.

No hospital, Belmiro teve a companhia de sua sobrinha-neta, a autônoma Karlene Tavares. “Eu o acompanhei desde que ele chegou a São Paulo de Olivença. Passei uma semana com ele no hospital. O que aconteceu foi um milagre, pois o rio Solimões em São Paulo de Olivença é conhecido por suas histórias. Várias pessoas já desapareceram ali, mas sempre tivemos confiança de que o encontraríamos vivo”, comemorou ela.

Belmiro agora se recupera em casa, no distrito de Santa Rita do Well. A neta Ketlen disse que ele dorme bastante e, quando acorda, sempre tem um parente para visitá-lo e ouvir sua história de resistência e sobrevivência. Uma história que nunca será apenas mais uma “história de pescador.”

Ketlen conta que seu avô, que a criou como pai, já havia se perdido na roça antes, mas nunca demorou tanto para voltar. “Logo fomos atrás dele, mas ele nunca havia passado dias desaparecido”, disse a neta.

Karlene revelou que o tio-avô já fala em “andar para todo lado” daqui a alguns dias. “E a gente diz: a partir de agora o senhor não vai mais sair assim. Eu vou ser mais presente com ele”, contou.