17/02/2021
“Silveira não exprime apenas sua própria opinião, na asquerosa fala carregada de ódio, bravatas, homofobia, machismo, ameaças”, diz o autor do artigo que segue, Rogério Marques, conselheiro e membro da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos.
O vídeo de quase 20 minutos que levou à prisão do deputado federal Daniel Silveira é vomitivo, mas não chega a causar surpresa. Apenas confirma que a democracia no Brasil sempre esteve sob risco, mesmo depois do fim da ditadura militar, em 1985.
Silveira não exprime apenas sua própria opinião, na asquerosa fala carregada de ódio, bravatas, homofobia, machismo, ameaças.
Qual a diferença do ele disse para a famosa entrevista em que o então deputado federal Jair Bolsonaro, em 1999, defende o fechamento do Congresso, a ditadura militar, a tortura, o extermínio de 30 mil pessoas e o assassinato do então presidente Fernando Henrique Cardoso? Por que, na época, Bolsonaro também não foi preso em flagrante, nem teve seu mandato cassado?
Bolsonaro jamais deixou de defender a ditadura militar, mesmo depois de levado à presidência da república em uma eleição marcada pela ilegitimidade, desde o golpe contra a democracia de 2016, com o aval do STF. O mesmo STF que se acovardou em 2018, diante de um tuíte do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que hoje ironiza o protesto tardio dos ministros da Suprema Corte.
A eleição de pessoas desqualificadas e extremistas como Daniel Silveira, Jair Bolsonaro, seus filhos e tantos outros políticos da extrema-direita tem a mesma origem: o projeto do golpe contra a democracia perpetrado por setores da classe dominante que não aceitaram a eleição da presidente Dilma Rousseff. Um processo no qual boa parte da mídia, mais uma vez, participou ativamente, com linchamentos políticos diários e a exaltação dos métodos da “República de Curitiba”, que hoje não são mais segredo.
O conluio da mídia com o ex-juiz Sérgio Moro e procuradores como Deltan Dallagnol levou grande parte da população a descrer na política como instrumento de mudanças e abriu caminho para os velhos “salvadores da pátria”, oportunistas como Daniel Silveira, Jair Bolsonaro, seus filhos.
Ameaças recentes ao STF não são novidade. Em outubro de 2018 foi divulgado um vídeo, gravado quatro meses antes, em que o deputado federal Eduardo Bolsonaro, do PSL de São Paulo, durante uma palestra, ameaçava fechar o STF se a candidatura de seu pai viesse a ser impugnada (o que na verdade caberia ao Tribunal Superior Eleitoral).
Eduardo disse que para fechar o STF “você não manda nem um jipe, manda um soldado e um cabo. E perguntou: “O que é o STF, cara? Tira o poder da caneta de um ministro do STF, que que ele é na rua? Você acha que a população se você prender um ministro do STF você acha que vai ter uma manifestação popular a favor dos ministros do STF?”
Importante lembrar que em 2018 Eduardo Bolsonaro foi eleito deputado federal com a maior votação da história — 1.843.735 votos.
Dois anos depois, em abril e maio de 2020, foi a vez do pai, Jair Bolsonaro, já presidente da república, participar em Brasília de manifestações inconstitucionais contra a democracia. Os protestos eram a favor do fechamento do Congresso e do STF, a favor do golpe. O primeiro aconteceu, simbolicamente, em frente ao Quartel-General do Exército.
Somente agora o STF parece ter acordado para a gravidade da situação criada a partir do golpe de 2016 contra a democracia que ele, STF, avalizou.
O mais assustador no vídeo do deputado federal Daniel Silveira é que ele não fala apenas por si. Ele é porta-voz de muitos eleitores e mostra que está afinado com o pensamento já manifestado várias vezes pelo defensor da tortura que ocupa o mais alto cargo do país.
Daniel Silveira passa um recado. É o boneco do ventríloquo.