23/10/2020
A Revolta dos Excluídos
Por Norma Couri, diretora de Integração, Mulher & Diversidade da ABI
Nova Ordem, o filme que abriu a 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo ontem, quinta-feira, 22, é o melhor exemplo de que a arte capta com sintonia fina o clima de uma época – nosso retrato está ali. Não só a América Latina onde nos incluímos com Rio e Recife à frente, além da Venezuela, Bolívia e os desastres de sempre. Mas também a França, o Líbano, Hong Kong… O mundo está violento, corrupto, desgovernado, cruel.
No caso do filme de Michel Franco é o México que serve de pano de fundo para o destrato social levado às últimas consequências.
A revolta dos desfavorecidos de feições indígenas causam um caos na cidade com barricadas, destruição, mortes aleatórias. Eles invadem uma festa de casamento numa casa de classe média alta. A conversa dos convivas remete à corrupção e propinas no meio de muita alegria até que a miséria bate à porta na figura de um ex-empregado buscando dinheiro para a operação de sua mulher e antiga doméstica da casa. A patroa não consegue do marido os 200 mil pesos pretendidos, mas a filha, Marianne, a noiva da festa, se comove e sai, acompanhada de um serviçal, para ajudar Elisa que trabalhou na casa uns 10 anos. No caminho, a manifestação impede a circulação. Mal Marianne chega à casa da antiga empregada é sequestrada, aprisionad a junto com vários jovens “de família”, estuprada e mantida refém. Todos são torturados.
No meio tempo a manifestação invade a casa de Marianne. A brutalidade e os saques tomam conta. Do caos instalado na cidade não sobra muita coisa nem de um lado nem de outro. O Exército intervém e os manifestantes desgovernados se aliam a eles, aos militares amigos da elite. Pelo dinheiro, pelo poder, todos se corrompem, pobres, ricos, milícias, militares. Todos perdem. Uma Nova Ordem foi implantada na cidade, com toque de recolher, soldados, carnificina e armas por todo lado.
“Quem neste mundo pode alardear ser justo?”, ouve-se. Ninguém se salva nesse golpe de estado. A crueza que Michel Franco chama de “filme-catástrofe” não nos é tão estranha. Franco denunciou o fascismo, foi acusado de racista pelas agressões virem da classe mais baixa, mas deixou também os whitexican, os mexicanos ricos da elite do país, bem mal na foto. Levou o Leão de Prata no festival de Veneza deste ano com o júri presidido por Cate Blanchet.
Nova Ordem remete ao coreano Parasita de Bong Joon-ho que abriu a Mostra do ano passado, e aqui e ali tem momentos do Coringa de Todd Philips, ou Bacurau de Kleber Mendonça. É assustador e um alerta na explicação de Franco sobre como a idéia do filme surgiu há cinco anos: para mostrar até onde pode chegar o surto social gerado pela desigualdade e a corrupção.
A Mostra pode ser acessada na plataforma on line a partir de hoje, 23/10 até 4 /11, onde os 198 filmes brasileiros e internacionais garimpados a dedo pela diretora Renata de Almeida estão disponíveis a R$6,00
*Cena do filme “Nova Ordem, de Michel Franco