17/06/2022
Maria Helena Malta, membro do Conselho Deliberativo da ABI
Se houver um Paraíso, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira estão agora sentados sobre a relva fresca de uma clareira, numa floresta perfeita como a dos sonhos, ao som do canto de índios e pássaros existentes ou inventados. Com eles, o saudoso colega Maxciel Pereira dos Santos, assassinado em 2019, além de Dorothy Stang, Chico Mendes, os irmãos Villas-Boas, além de um batalhão de novos amigos, inclusive as mais de 600 mil vítimas da Covid, num país cujo desgoverno desprezou as vacinas oferecidas ainda em 2019.
Na floresta do Paraíso, o Vale do Javari é puro sossego, o vento sopra sem medo, acariciando as folhas da mata densa e verde, e provocando doces tremores nas águas do rio Itaquaí. Ali, Bruno jamais será exonerado pelo desgoverno por combater o garimpo ilegal, até porque o pedido de fiscalização rigorosa da Amazônia, da ministra Carmen Lúcia, do STF, jamais teria sido engavetado por seu colega bolsonarista André Mendonça.
A defesa da natureza e seus habitantes, bichos, riquezas e plantas é a ordem natural das coisas. Além disso, Dom está livre para caminhar e navegar sem susto, observar o cotidiano e contar as histórias que juntou para seu livro, podendo até descer e passear por este velho planeta, para colher os detalhes da miséria do Nordeste, dos pretos maltratados em favelas e periferias, dos jornalistas que são perseguidos, ameaçados e mortos como ele, dos malfeitos de governantes, da penúria das universidades, da gargalhada desdentada de políticos e empresários gananciosos e, finalmente, para espairecer, ouvir o canto de Chico ou Caetano, tomar uns goles e aplaudir o por do sol no Posto 9, em Ipanema.
Dom e Bruno conversam sobre o povo lá de baixo, refletem e acabam sempre se perguntando:
– Fazer o quê, senão quebrar o silêncio? Fazer o quê, senão lutar?
O jornalista havia se apaixonado por um país amaldiçoado por anos de incúria dos governantes, sobretudo a partir de 2018. Apesar dos malfeitos, ouvia um silêncio ensurdecedor, mas não tinha medo: só levava em conta a beleza do cenário e a alegre ternura daquela gente.
Devemos aos dois a batalha mortal que empreenderam contra o sinistro Reino do Mal, cujos líderes agora insistem em instigar policiais, milicianos e soldados da banda podre a formarem pequenos exércitos da morte, diante da inevitável derrota nas eleições.
Jamais passarão!
À parte a tutela a que estamos submetidos por um ministério recheado de generais, repito: não passarão!
Mas, com armas e inconsciência, podem deixar, aqui e ali, alguns rastros de sangue, alguns mortos e feridos vitimados pela fúria diabólica.
De seu Paraíso, Dom e Bruno clamarão pela gente brava, pelos militares do bem, pelo povo indígena da Univaja, por todas as entidades democráticas, para dar um abraço possante no STF, no Congresso, enfim, em todo canto que exija proteção ou atenção.
Na entrada do Palácio do Planalto, a ideia é postar o tigre do conto de Agualusa, dia e noite, já que ele sabe muito bem o que fazer contra a barbárie e a demência.
O tigre, como nós, só não tem resposta a duas perguntas: até quando seremos os mestres da Fome e da violência contra a Cultura, a Natureza e seus habitantes?
Até quando seremos um dos grandes campeões da impunidade?