21/12/2022
Por Gloria Alvarez, diretora da Comissão da Mulher e LGBTQIAPN+ da ABI
Este 2022, ano difícil de terminar, carregou, em seus últimos dias, uma amiga querida: Nélida Piñon – a escritora carioca mais galega que conheci.
Nascida em Vila Isabel, filha de pais galegos de Cotobade (Espanha), foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1996. Havia sido eleita há sete anos.
Sua trajetória pelas Letras começou ainda criança, estimulada pelo pai. Fez jornalismo na PUC/RJ, foi professora de Criação Literária na Faculdade de Filosofia da UFRJ e participou ativamente do cenário cultural nacional e internacional durante toda a sua vida.
Mereceu inúmeros prêmios, como o Jabuti (2005, por “Vozes do Deserto”) e o Príncipe de Astúrias (2005 – pelo conjunto da obra). E mais de 30 países traduziram seus contos e livros.
Nos anos 70, trabalhando para a revista Desfile (Bloch Editores) fui entrevistá-la no mesmo apartamento onde viveu até hoje, na Lagoa.
Ainda era um pequeno apartamento que, aos poucos, foi sendo integrado ao vizinho e a outros, embaixo. Ali era o seu ninho. Onde seus livros e fotos conviviam com seus cachorrinhos (a Suzy e o Gravetinho ).
Em 2010 passamos a ser vizinhas e nos encontrávamos sempre no restaurante/padaria que fora aberto há pouco na Fonte da Saudade. Ela à procura de um pão “tão delicioso quanto o do Talho Capixaba do Leblon”. Parávamos para conversar, falar do dia-a-dia, fazíamos promessas de nos vermos mais e seguíamos.
No auge da pandemia conversávamos por telefone nas tardes mornas, que passavam lentamente. Dizia, então: “ter um governante que não se dá conta do peso da pandemia e do que está acontecendo no mundo é uma enorme tristeza”. Contava seus projetos, o livro que estava escrevendo dedicado ao Gravetinho, que morrera. Falávamos das comidas galegas, trocávamos receitas. Nesse troca-troca eu disse que precisava comprar uma frigideira nova só para fazer tortilhas. Pois bem, mandou a secretária levar uma frigideira para minha casa.
A preocupação com os livros e as fotos era grande. “Quem vai identificar todas essas fotos quando eu me for? E os livros? Preciso doar”. Das fotos não sei o que fez. Mas os sete mil livros foram doados para o Instituto Cervantes.
Era uma amiga pouco presente fisicamente, mas muito querida e sempre lembrada.
Certo dia, me liga pedindo que vá buscar o chouriço que trouxera da Galícia para o meu pai – galego como seu pai e que ela sabia como adorava as comidas de sua terra.
Acabo de ler que doou seus quatro apartamentos às cachorrinhas que viviam com ela: a pinscher Suzy, de 13 anos, e a chihuahua Pilara, de 3 anos. Ficarão sob a administração da secretária e amiga, Karla Vasconcelos.
Nélida se foi deixando um rastro de luz na cultura brasileira e compartilhando seu brilho pelo planeta. Vá em paz, amiga.
Em homenagem a Nélida Piñon o programa VIVA MARIA, da rádio EBC reproduziu entrevista feita em 2020.
Ouça aqui.