09/03/2021
O jornalismo e as mulheres
Norma Couri
Diretora de Inclusão Social, Mulher e Diversidade
Quando Ana Arruda foi nomeada chefe de reportagem do Diário Carioca em 1966 era praticamente a única mulher na redação, e tinha de ser “macha” nas exigências com os jornalistas mais velhos para obter o devido respeito dos chefes homens. Hoje, 55 anos depois, existem mais de 15 mil mulheres na imprensa brasileira mas não chegam nem à metade do mercado, embora as mulheres formem a maioria na nossa sociedade. São quase 27 mil os jornalistas de sexo masculino. Assim mesmo temos de festejar. Nas redações e Tvs as mulheres deixaram a rubrica “culinária” para os homens, e eles cumprem a pauta com tanto requinte e gosto que dá para perguntar por que não se ocupam da cozinha em casa também.
Essa tarefa ainda é uma obrigação feminina, o que faz a rotina da mulher triplicar. Quando chega em casa, a jornalista de economia, política, cultura ou esporte, tendo cumprido uma pauta tão pesada quanto a dos colegas masculinos, tem de se ocupar das crianças e do jantar. Mas pelo menos ainda é na mídia TV que o time feminino consegue preencher mais da metade dos postos de trabalho: nessa área existem 4040 mulheres contra 4007 homens, ao contrário das rádios onde o que cabe às mulheres é 20% do mercado. Tirando o mercado online e as revistas, onde as mulheres também conquistaram no primeiro 42% e no segundo quase 50% dos empregos, nos jornais o gênero feminino ainda fica a dever, não chega a 40% dos postos.
Ninguém está falando em cargos de liderança. Só 1/3 das mulheres estão na diretoria de um veículo de comunicação, ou no cargo de editora executiva, editora-chefe, presidente ou vice. E os órgãos de comunicação na maioria ainda pertencem aos homens. Cerca de 65% dos cargos de poder ainda estão nas mãos masculinas e os salários são vergonhosamente mais baixos. A discriminação existe e a desvalorização é reforçada por meios menos sutis como a ridicularização das formas do corpo feminino ou, pelo contrário, da cantada às vezes de mau gosto que coloca a profissional no lugar do objeto da sedução. E nem se trata de uma atração real, na maioria das vezes é golpe do mac ho para ganhar ponto com os colegas, como parece ter sido a passada de mão no lugar errado do deputado Fernando Cury na colega Isa Penna no plenário da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
Jornalistas colecionam casos de assédio na profissão durante as entrevistas e há dezenas de incidentes até de estupro entre colegas ou partindo de um chefe. Em geral, não levam adiante, jornalista não é ou não deveria ser assunto. Pela própria formação, aprenderam a relatar a dor dos outros e dor há de sobra nessa área: foram 105 mil denúncias no ano passado, em plena pandemia 2020 registrou 290 denúncias de violência doméstica ou familiar – uma a cada cinco minutos. E o mesmo descaso registrado com as vacinas pelo governo contagiou a ministra da Mulher. Como o general Pazuello economizou contra a morte, Damares Alves economizou na violência contra a mulher gastando só R$ 35,5 milhões da verba destinada de R$ 120,8 milhões.
As jornalistas, em cargos inferiores, com salários menores, e tarefas dobradas pelo trabalho em casa, cobrem os abusos de Damares, o processo de violência doméstica que a ex-mulher do presidente da Câmara Arthur Lira move contra ele, o alvo de críticas sexistas que foi o lindo decote do blazer da Primeira Ministra da Finlândia Sanna Marin, os ataques à vereadora mais votada do Brasil, Érika Hilton, em São Paulo. E tornam motivo de chacota a saia confeccionada com gravatas dos colegas como a que a senadora Katia Abreu exibiu num país que ocupa o 140º lugar em representatividade feminina no Congresso—Katia é uma das 12 mulheres do Senado com 81 homens. Na Câmara são 77 para 513. Pior, só a coleira de Luma de Oliveira onde grafou o nome de Eike Batista e conquistou o marido milion ário, agora no xadrez. Mas foi graças às coberturas delas que as mulheres galgaram espaços neste último meio século, e vão chegar lá.