18/01/2021
“Não precisa de mensagem, só a medalha já diz tudo. Não é a cor, não é o dinheiro, não é nada que vai fazer você conquistar essa medalha. É só a vontade, a garra e a determinação”. A frase é da judoca Rafaela Silva, medalha de ouro no judô nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. De origem humilde, Rafaela representas atletas que, por meio do esporte, simbolizam a afirmação na vida.
Assim como as atletas, as jornalistas também lutam para vencer o preconceito. A mulher no jornalismo esportivoé o tema do programa ABI Esporte, que abre a temporada de 2021 na próxima segunda-feira, dia 18, às 19h30min.
São convidadas a pesquisadora Leda Costa, professora visitante da Faculdade de Comunicação da UERJ, e as jornalistas Débora Gares (Grupo Globo), Andreia do Espírito Santo (jornal O Liberal, de Belém) e Julia Belas, assistente editorial do grupo de mídia DAZN. Transmitido pelo canal de Youtube da Associação Brasileira de Imprensa, o programa ABI Esporte tem apresentação do jornalista Marcos Gomes.
Entre os assuntos abordados estão as mulheres pioneiras no jornalismo esportivo no Brasil, o surgimento do movimento “Deixa ela trabalhar”, o assédio e o machismo como desafios a serem superados, além das conquistas e as perspectivas na profissão.
Coautora do livro As mulheres no universo do futebol brasileiro, Leda Costa é pesquisadora do Laboratório de Estudos de Mídia e Esporte (Leme). Lançado no ano passado pela editora da Universidade Federal de Santa Maria (RS), o livro reúne vários artigos, entre eles “Escola, Futebóis e desigualdade de gênero e As faces da heroína: narrativas do jornalismo sobre Marta”.
Débora Gares, jornalista formada em 2005 pela Eco-UFRJ, tem curso de especialização em Sociologia, Política e Cultura pela PUC-Rio e 16 anos de experiência como repórter. Trabalhou em O Globo e na ESPN, canal a cabo de esportes. Está nos canais Globo desde agosto de 2019 na área de Esportes, mas cobre matérias ligadas à pandemia. Já participou de coberturas de Libertadores, Copa das Confederações, Copa América, Copa do Mundo, Pan-americano e Olimpíadas.
Repórter de esportes da redação integrada de O Liberal. Em Belém do Pará, Andreia Espírito Santo produz e apresenta o podcast de esportes de OLiberal.com, ‘Tudo Delas’, criado com a intenção de dar espaço para as mulheres no meio esportivo. Antes trabalhou como repórter setorista no Paysandu Sport Club.
Assistente editorial no serviço de streaming de esportes DAZN, Julia Belas é mestre em Jornalismo Esportivo pela St. Mary’sUniversity (Londres) e formada em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia. Bolsista do programa de mestrado Chevening, do governo do Reino Unido, no período 2015/16, Julia atuou nas redações de Bahia Notícias, Esporte Interativo, UOL, Estadão e Terra.
ABI Esporte , que retoma suas apresentações nesta segunda-feira, 18, apresenta sua programa definida até março 2021.
Programação:
18/01 – A mulher no jornalismo esportivo
25/01 – Copa Libertadores – Palmeiras X Santos
01/02 – Esporte também é cultura
08/02- Incêndio no Ninho do Urubu – 2 anos
22/02 – Mudanças nos canais de esporte na TV
01/03 – Campeonatos estaduais + Copa do Nordeste
AS PIONEIRAS DO JORNALISMO ESPORTIVO
Leda costa, professora do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (Leme), da Uerj
Na Antiguidade Grega, o teatro teve a função de colocar em evidência, ao encenar, as paixões, as dúvidas, os anseios, os embates socialmente compartilhados e passíveis de serem debatidos no espaço público.
Não seria exagero afirmar que esse papel cabe hoje aos esportes. No caso do Brasil, cabe especialmente ao futebol, dada sua capacidade de perpassar a vida de milhões de pessoas, mesmo aquelas que dele não gostam ou que não o acompanham com frequência. Em algum momento do cotidiano, o futebol entrará em uma roda de conversa, fomentando desde uma jocosidade torcedora até debates em torno de temas que não lhes são restritos. Isso porque o futebol é impensável de ser compreendido sem o necessário diálogo com o contexto social que o cerca.
É preciso, portanto, que nos perguntemos: “o que o futebol encena sobre a nossa sociedade”? Poderia escrever linhas e linhas para responder essa pergunta. A partir do futebol poderíamos debatermos questões como desigualdade social, racismo, xenofobia, homofobia, machismo, globalização, pandemia de covid etc. etc.
É sobre o papel da mulher no esporte, e por extensão na sociedade, que pretendo falar brevemente neste texto.
Embora a alcunha de “país de futebol” seja um dos pilares identitários de nosso país, é fundamental destacar que desde a chegada desse esporte, o futebol se formou e se consolidou como espaço quase reservado ao corpo e a fala dos homens. A proibição do futebol às mulheres ocorrida em 1941 e somente revogada no final da década de 1970 é exemplar dos constantes vetos e obstáculos enfrentados pelas mulheres para participarem do esporte mais popular do Brasil. Dificuldade que não se restringiu à prática atlética.
A inserção das mulheres no jornalismo esportivo também não foi fácil. Daí a importância de um rápido resgate de nomes de algumas pioneiras que ajudaram a abrir caminho para mulheres que hoje podem ser vistas em maior número atuando como repórteres de campo, comentaristas, narradoras enfim ocupando uma instância fundamental aos esportes modernos e que diz respeito a sua relação com os meios de comunicação.
Evoco histórias ainda pouco conhecidas, mas que existiram e que são parte componente do futebol e do jornalismo esportivo brasileiro. Histórias como a de Cléo Galsan – pseudônimo de Conceição, seu verdadeiro nome – que era irmã mais nova de Patricia Galvão, a Pagu, poeta, escritora, militante e uma das primeiras presas políticas do país. Sua trajetória tem sido resgata por Caroline Moraes pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina.
Cléo Galsan, nos anos de 1920, publicou no jornal paulista A Gazeta algumas traduções de artigos de periódicos esportivos franceses, assim como formulou textos próprios mostrando seu apoio ao direito de a mulher praticar o esporte que desejasse e não somente aqueles que lhe fossem permitidos.
Nos anos de 1950, vale mencionar a atuação de Ivone Santos, atleta de diversas modalidades como atletismo, vôlei, basquete e que também manteve uma coluna no jornal Diário da Noite onde publicou diferentes artigos e, em 1953, textos referentes ao Pan-americano daquele ano. Ivone chegou a lançar a revista Fôlha Seca – Revista Desportiva, em comemoração aos oito anos do estádio do Maracanã. A história de Ivone é uma preciosidade que nos foi trazida pela jornalista Lu Castro, em seu artigo “Procura-se Ivone desesperadamente” publicado no portal Ludopedio.
Seguindo adiante, chegamos na década de 1970 que em diversas partes do mundo foi fundamental para a luta das mulheres por mais igualdade de direitos. No caso do futebol tivemos dois mundiais femininos. O primeiro em 1970 realizado na Itália e vencido pela Dinamarca e o segundo em 1971 que reuniu no estádio Azteca milhares de pessoas para assistirem a final entre as seleções do México e Dinamarca que, aliás, conquistou o bicampeonato. Ambas as competições aconteceram à margem da legitimação da FIFA.
Já nas ondas do rádio, era possível ouvir a Rádio Mulher fundada em 1970 e que a partir de 1971 inseriu em sua programação transmissões esportivas feitas somente por mulheres. A equipe era formada por Germana Garilli, repórter de campo, Claudete Troiano, com a dupla função de repórter e narradora, Jurema Yara e Leilah Silveira, ambas comentaristas e a árbitra Léa Campos. O projeto terminou em 1976.
Os anos de 1970 também são marcantes com a atuação de Marilene Dabus cuja importância na história do jornalismo e do futebol se faz notar na homenagem que o Flamengo lhe prestou ao imprimir seu nome na sala de imprensa do clube.
Saltando para os anos de 1990, temos Regina Ritter que ficou conhecida como a primeira mulher a realizar uma cobertura de Copa do Mundo, a da Itália, ampliando os caminhos para as mulheres no jornalismo esportivo televisivo.
É possível – e até muito provável – que eu tenha deixado de mencionar alguns nomes. Esse é o risco que se corre sempre quando traçamos panoramas.
Mas a falta de menção pode ser derivada do desconhecimento. Ainda há muito a ser descoberto e divulgado a respeito da presença das mulheres no jornalismo esportivo brasileiro.
E nesse aspecto também reside a força da participação das mulheres no futebol em suas diferentes dimensões. Embora ainda pouco conhecidas, elas sempre estiveram presentes, mesmo proibidas e reprimidas. Suas trajetórias são parte constitutiva da história do futebol e estamos à espera de novas descobertas.
Antes de terminar, vale perguntar: o que o futebol encena em relação à mulher na sociedade brasileira? Encena, ou seja, coloca em evidência, as dificuldades histórica e socialmente enfrentadas em um país com uma forte herança patriarcal que ainda se mantém. Nos fala sobre um país que em pleno século XXI se mostra preso ao machismo estrutural que se faz notar em terríveis dados que o colocam entre cinco os países do planeta onde mais ocorre feminicídio.
E o futebol também nos mostra a necessidade e a viabilidade de reação e mudança rumo a sociedade menos desigual e violenta.