19/04/2021
Tem razão um grupo de 70 entidades que lançou o documento Pacto pela Democracia, contra a pressa com que tramita no Congresso projeto que altera a Lei de Segurança Nacional (LSN). Estava prevista para esta semana a votação de um pedido de urgência para a proposta, acertadamente adiada.
Não se discute que deva mesmo ser revista uma legislação que traz o autoritarismo em seu DNA. Considerando que o Estado precisa dispor de um arcabouço jurídico que o defenda, isso precisa ser feito dentro dos marcos da democracia. Sobretudo agora que a LSN vem sendo usada com afinco pelo governo Bolsonaro para perseguição política. Apenas prestar-se a isso já depõe contra ela.
O fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter se baseado em artigos da LSN para fundamentar a prisão do bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) não serve de argumento em favor da legislação. As ameaças feitas por Silveira ao Supremo tanto justificavam sua detenção, decretada em caráter liminar pelo ministro Alexandre de Moraes, que ela teve o apoio unânime dos outros dez ministros da Corte e foi aprovada pela Câmara por 364 votos a 140. Nas duas votações, considerou-se que as ameaças foram um caso extremo de abuso da liberdade de expressão, que não deveria ser protegido pela imunidade parlamentar.
O inaceitável é que a LSN sirva para os poderosos de turno criminalizarem seus críticos. É o que tem feito o governo Bolsonaro, em que o uso da LSN aumentou 285%, com a dedicada contribuição de André Mendonça nos 11 meses em que foi ministro da Justiça.
A importância de um debate amplo para mudar a legislação, que não se circunscreva aos parlamentares, é mais do que justificável, pois qualquer lei do tipo põe necessariamente em risco direitos constitucionais. Há no Supremo ações de partidos políticos contra a LSN, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, ainda sem data para julgamento. A derrubada dos artigos mais absurdos da lei no STF daria ao Legislativo o tempo e a sobriedade necessários para elaborar uma nova legislação sobre o tema.
“Por mais importante que seja a aprovação de um novo marco legal que proteja a democracia, isso não pode ocorrer de forma açodada, sem o adequado debate e reflexão, sob pena de reproduzir ou incluir conceitos incompatíveis com a Constituição de 1988”, afirma o documento Pacto pela Democracia, subscrito por entidades como Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Instituto Igarapé.
A deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI), relatora do projeto, diz que a intenção é substituir a LSN pela “Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito”, que instituiria, por exemplo, o crime de “golpe de Estado”. Uma das bases da proposta é um projeto do jurista Miguel Reale Júnior, quando ele era ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso. Sua concepção é oposta ao espírito que norteia a LSN, incluindo na legislação penal dispositivos de defesa da democracia. A proposta de Reale Júnior não deixa brechas para quem está no poder usar a lei com intenções autoritárias. É um ótimo ponto de partida. Mas a importância do tema requer de fato mais debate.