24/08/2022
Por Marcelo Auler, em Marcelo Auler repórter
Ao autorizar a Polícia Federal investigar oito empresários bolsonaristas que defenderam em grupo de WhatsApp golpes e compras de votos para evitar a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atendeu a um pedido de cinco entidades da sociedade civil representadas pela Coalizão em Defesa do Sistema Eleitoral e bypassou o Procurador-Geral da República, Augusto Aras. Este acabou sendo o mais atingido pela operação, embora não seja alvo das investigações.
Ganhou destaque não apenas por se descobrir no celular de um dos investigados – o empresário Meyer Nigri, dono da construtora Tecnisas -, mensagens trocadas entre os dois, revelando a proximidade de ambos. Mas a forma como Moraes tratou o caso deixou patente as desconfianças com relação ao PGR. É o que se constata pela tramitação da Notícia Crime protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) na quinta-feira (18/08). Ela transformou-se em Petição (Pet.) 10.543 e como tal passou ao largo daquele que deveria opinar sobre qualquer investigação criminal em curso no STF. Só foi informado a respeito na segunda-feira à tarde, véspera da operação ser realizada.
Embora o Ministério Público seja o titular de qualquer ação penal, Aras não foi ouvido sobre os pedidos levados ao STF pelas cinco entidades que compõem a Coalizão, a saber: Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Associação de Juízes para a Democracia (AJD), Associação Americana de Juristas (AAJ-Rama Brasil), Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e Ministério Público do Trabalho (IPEATRA), e Comissão Justiça e Paz de Brasília (CJP/DF). Foi este documento que gerou a operação da Polícia Federal na terça-feira (22/08).
Distribuídas ao ministro Alexandre de Moraes por prevenção ao Inquérito 4.874/DF, no qual se investiga “uma organização criminosa complexa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político, com objetivo de atacar o Estado Democrático de Direito”, a petição foi remetida à Polícia Federal, sem passar pela Procuradoria Geral da República. Da mesma forma o ministro Moraes dispensou a opinião do ministério público sobre o provável endosso da Polícia Federal aos pedidos feitos pela Coalizão, que se transformaram em mandados de busca e apreensão, bloqueio de contas das redes sociais, quebras de sigilos telemáticos, bancários e fiscal, e na oitiva dos oito empresários.
A Notícia Crime surgiu a partir da revelação, na quarta-feira (17/08), pelo jornalista Guilherme Amado, do portal Metrópoles – Exclusivo. Empresários bolsonaristas defendem golpe de Estado caso Lula seja eleito; veja zaps – narrando a existência no WhatsApp do grupo de empresários bolsonaristas que defendiam abertamente um golpe de Estado caso o ex-presidente Lula seja eleito em outubro. Denominado Empresários & Política, o grupo existe desde o ano de 2021.
A Notícia Crime levada ao STF é assinada por nada menos do que nove advogados, entre os quais o ex-presidente da OAB, Raimundo Cezar Brito Aragão – Cezar Brito (OAB/DF 32.147). Assinam ainda: Nuredin Ahmad Allan (OAB/PR 37.148-A), Paulo Francisco Freire (OAB/DF 50.755), Karl Henzel de Almeida Macedo (OAB/MG 144.130), Vitor Sousa de Albuquerque (OAB/GO 43.958), Maurício Ricardo Soares (OAB/MG 187.115), Luís Cláudio Martins Teixeira (OAB/RJ 168.850), Hugo Leonardo Cunha Roxo (OAB/BA 23.882) e Maria Betânia Nunes Pereira (OAB/AL 4.731).
Eles ressaltam que no grupo de zap “a defesa explícita de um golpe, feita por alguns integrantes, se soma a uma postura comum a quase todos: ataques sistemáticos ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a quaisquer pessoas ou instituições que se oponham ao ímpeto autoritário de Jair Bolsonaro.”
Na representação protocolada no STF, porém, só estavam relacionados quatro dos empresários citados por Amado em sua reportagem: Luciano Hang, da Havan Lojas de Departamentos Ltda.; Afrânio Barreira, do Grupo Coco Bambu; Ivan Wrobel, da Construtora W3; e Marco Aurélio Raymundo, Surf House Comercio de Artigos Esportivos Ltda., com nome fantasia Mormaii. Verdade, que como narrado acima, os advogados, sem nomearem todos, defenderam a investigação também para “os demais membros do grupo de WhatsApp”.
Como o pedido da Polícia Federal assim como a decisão do ministro Moraes são mantidos sob sigilo, não se sabe o que motivou a inclusão dos outros quatro nomes – José Isaac Peres, da rede de shopping Multiplan; José Koury, do Barra World Shopping; André Tissot, do Grupo Sierra; e Meyer Nigri, da Tecnisa – nas diligências realizadas na terça-feira.
Destes oito empresários, apenas Hang era investigado originalmente nos inquéritos presididos por Moraes que apuravam a difusão de fake news e a promoção de atos golpistas, tal como noticiamos, no Blog “Marcelo Auler – repórter”, em outubro passado, na reportagem Carluxo e Filipe Martins: o comando do Gabinete de Ódio. Naquela época, dois outros empresários apareciam no rol dos investigados – o sino-brasileiro Winston Ling e Otávio Oscar Fakhoury. Nenhum dos dois surgiu no grupo de WhatsApp. Estes inquéritos acabaram gerando o atual Inquérito 4.874/DF.
Já Vitor Odisio, engenheiro e CEO da Thavi Construction, que no grupo Empresários & Política apresentou-se como um empresário atuante nas regiões central e sul da Flórida, e que defendeu uma intervenção nas eleições, propondo que se esquecesse o TSE e se montasse uma “comissão eleitoral (como quase todos os países do mundo fazem) e votação em papel”, aparentemente não é alvo das investigações.
Na inicial, os advogados admitem que “a liberdade de que todo cidadão tem de expressar suas opiniões, sejam quais forem, sobre qualquer assunto, compõe o valor fundante da liberdade em si mesma, como valor ético e direito político. A liberdade é um bem inestimável, que deve conviver com outros valores éticos fundamentais, como corolário do princípio de que no direito nada é absoluto. O direito geral de liberdade funciona como um princípio geral de interpretação e integração das liberdades em espécie e de identificação de liberdades implícitas na ordem constitucional.”
Mas ressalvam que se torna abuso do direito de liberdade de expressão quando ocorre discurso de ódio, redundando inclusive em práticas que não se limitam a palavras. No documento explicam: “o discurso de ódio ocorre quando um indivíduo se utiliza de seu direito à liberdade de expressão para inferiorizar e discriminar outrem baseado em suas características, como sexo, etnia, orientação sexual, política, religiosa. Ou quando é adotado em ações para invocar regimes autoritários e antidemocráticos. A exteriorização de pensamentos contra o próprio regime democrático assume uma das formas do discurso de ódio.”
Para os peticionários, fica patente que os fatos narrados nas conversas do WhatsApp “não podem ser descolados do contexto fático antecedente (e) demonstram inequivocamente a vontade, livre e consciente dos noticiados de perturbar a eleição de 2022, alimentando de forma sistemática um discurso de descrédito às urnas eletrônicas, às instituições da Justiça Eleitoral, aos ministros que tiveram ou que estão na jurisdição eleitoral no Tribunal Superior Eleitoral.”
Consideram ainda que “as ameaças de ruptura institucional discutidas por pessoas com grande poder econômico dispostas a patrocinar atentados contra instituições não podem ser relativizadas.”
Por isso, defendem que “sejam incluídos os empresários aqui citados e ora noticiados, bem como os demais membros do grupo de WhatsApp denominado “Empresários & Política”, no Inquérito 4.874/DF, a fim de apurar suas condutas e responsabilidades no que aqui narrado.”
Destacam, ao contrário de muitos que criticam a decisão do ministro Moraes, a necessidade de se “enfatizar a gravidade dos fatos, notadamente porque se trata de um grupo com expressivo e considerável poder econômico e político, com notória proximidade com agentes públicos, especialmente o presidente da República, e com indícios de participação efetiva na preparação de atos próximos, como revela especificamente a mensagem destacada na reportagem do médico gaúcho Marco Aurélio Raymundo, conhecido como Morongo e dono da rede de lojas Mormaii: “O 7 de setembro está sendo programado para unir o povo e o Exército e ao mesmo tempo deixar claro de que lado o Exército está. Estratégia top e o palco será o Rio. A cidade ícone brasileira no exterior. Vai deixar muito claro.”
As ameaças de tumulto no 7 de setembro é um dos motivos que levaram estas entidades a recorrerem ao ministro Moraes. A inicial da Notícia Crime deixa isso claro ao defender que os diálogos no grupo de Zap mostram ser necessário “que se investigue também a participação dos empresários noticiados no financiamento dos atos antidemocráticos e dos ataques às instituições brasileiras.”
O pedido lembra que “no ano que passou diversos vídeos foram divulgados em redes mostrando manifestantes uniformizados e recebendo dinheiro para irem aos protestos. Dessa forma, é importante investigar a origem dos recursos distribuídos aos manifestantes, a contratação dos ônibus e das camisetas e outros materiais utilizados no ataque ao Poder Judiciário e à própria democracia brasileira, como prevenção aos atos do próximo dia 07 de setembro.”
Diante disso eles pedem:
a) Seja determinado a inclusão dos noticiados no Inquérito 4.874/DF para as devidas apurações de suas condutas, com aprofundamento específico de atos praticados a partir das datas das conversas divulgadas;
b) Sejam requeridos os celulares dos noticiados e dos demais membros do grupo de WhatsApp denominado “Empresários & Política” e a quebra de sigilo telefônico e telemático, com vistas a verificar a autenticidade das mensagens trocadas e se coincidem as mensagens e seus autores com sua participação nos ataques sistematizados com o uso das redes sociais como instrumento de agressão, de propagação de discurso de ódio e de ruptura ao Estado de Direito e da Democracia;
c) Seja verificada a participação dos denunciados na preparação e financiamento dos atos do próximo dia 07 de setembro;
d) Seja determinada a oitiva de todos os membros do mencionado grupo de WhatsApp;
e) Seja aberta a vista à Procuradoria-Geral da República para ciência e manifestação, no prazo legal.
Certamente o ministro Moraes deveria desconhecer a troca de mensagens entre Aras e o empresário Nigri. Algo que, ressalte-se, até prova em contrário, não depõe contra o Procurador-Geral, pois os dois são amigos. Caso Aras estivesse no grupo Empresários & Política isto já teria sido detectado por Amado na sua reportagem.
De qualquer forma, acabou sendo providencial – inclusive para Aras – que a burocracia da Procuradoria Geral da República fez com que ele só soubesse da Operação na manhã da terça-feira, depois de ela iniciada. Porém, não pegou bem para ele e seus assessores a nota em que reclamava do ministro, alegando ter sido bypassado. Foi prontamente desmentido.
Ainda que muitos discutam a legalidade da operação – defendida por diversos juristas – o fato concreto é que ela deverá servir como mais um freio nas possíveis tentativas golpistas do presidente Bolsonaro e de seus seguidores. Servirá como mais um aviso de que o Supremo não está disposto a deixar correr solto como ocorreu em setembro de 2021. Se o aviso será entendido, é outra questão. Quem viver verá.