Vila União de Curicica pede apoio à Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da ABI


Por Cecília Costa*

01/12/2014


Moradores da Vila União de Curicica, comunidade na Zona Oeste do Rio, reúnem-se para protestar contra a remoção de parte da comunidade (Crédito: Rio On Watch)

Moradores reúnem-se para protestar contra a remoção de parte da comunidade (Crédito: Rio On Watch)

Na última quarta-feira, dia 26, ocorreu no fim da tarde, na sala Heitor Beltrão da Associação Brasileira de Imprensa, a primeira reunião da nova Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI. Por aprovação unânime, foram eleitos os novos membros da mesa diretora da comissão, cuja composição ficou sendo a seguinte: o presidente é o conselheiro da ABI e editor da Tribuna de Imprensa Online, Daniel Mazola; o primeiro secretário é o advogado Roberto Monteiro de Pinho; e o segundo secretário, o jornalista Moysés Corrêa.

Ao todo, fazem parte da comissão, que terá como função lutar pelo respeito aos direitos humanos, combater quaisquer formas de censura à atividade dos jornalistas e todas as formas de violência contra a categoria, além de exigir também, em paralelo, respeito aos direitos civis dos cidadãos brasileiros, quando for considerada oportuna uma intervenção neste sentido, 13 conselheiros da Casa de Herbert Moses, eleitos na nova gestão de Domingos Meirelles (Presidente) e Paulo Jerônimo (Vice-presidente). Além de Mazola, Monteiro de Pinho e Moyses Corrêa, passaram a fazer parte deste Comissão tão importante no sentido de um efetivo exercício de liberdade de imprensa e cidadania os jornalistas Carlos Rocha, Vinícius Messina, Jorge Bernardes, Paulo Gomes Neto, Marta Arruda, Carlos Alberto Antonio, Reinaldo Leal, Luiz Carlos Chester de Oliveira,  Cecilia Costa e Claudineia Lage.

Neste primeiro encontro, inaugural dos trabalhos, já ocorreu um evento bem relevante:  representantes dos moradores de Vila de União de Curicica compareceram à reunião para fazer uma denúncia contra o abuso de autoridade por parte das autoridades municipais e estaduais no que diz respeito ao remanejamento de sua comunidade das áreas onde habitam atualmente para um novo condomínio na colônia Juliano Moreira.  O motivo desta remoção é a construção da BRT TransOlímpica, que passará pela região onde moram. De acordo com os membros do MPI – Movimento Independente Popular da Vila Curicica, presentes à reunião,  a proposta de remoção feita pela prefeitura chega a ser indecente.  Mais de 3 mil famílias moram em Vila União , em casas de tamanho variado, que podem ir de 60, 90, 100 metros quadrados, até mesmo 270 metros quadrados. Os apartamentos que estão sendo oferecidos são de apenas 37,7 metros quadros, incluindo, neste espaço exíguo, dois quartos, sala e cozinha. A transferência não é sem custos. E quanto ao valor do novo imóvel, que prefeito e subprefeito local dizem que chega a R$ 200 mil, os moradores já avaliaram que não passa de R$ 70 mil. E não se trata apenas de perda de espaço e perda econômica. É claro que uma alteração deste porte na vida das pessoas mexe com elas psicologicamente, tanto que desde que o processo de negociação começou entre poder público e a comunidade, quatro moradores já morreram, sendo que a última morreu em outubro, nas dependências da subprefeitura.

Depoimentos

Três dos moradores da comunidade deram depoimentos. Segundo Walmir dos Santos Silva, das 3,6 mil famílias residentes em Vila União de Curicica, a prefeitura do Rio pretende remover 960.  Um impasse entre comunidade e prefeitura é que a comunidade considera que a mudança é desnecessária, pois o traçado da nova estrada poderia ser modificado, enquanto que a prefeitura não vê outra solução a não ser a remoção. O fato é que se o traçado fosse modificado, apenas cinquenta famílias teriam que ser removidas em vez de 960. Quanto ao tamanho dos apartamentos, que a prefeitura diz de ser de 44 metros quadrados e a comunidade já calculou que trata-se na realidade de um “apertamento” de cerca de 38 metros quadrados. Walmir observa: “Como um morador que vive numa casa confortável de 270 metros quadrados, enraizado há anos em um bairro, pode aceitar ir para um lugar de 38 metros quadros numa área para ele totalmente nova e desconhecida?” Sabe-se muito bem que mudanças de residência podem ser traumáticas, devendo pelo menos haver um acompanhamento psicológico para os moradores que se dispõem a acatar a proposta da prefeitura, principalmente no caso de famílias que são lideradas por mulheres, em quantidade significativa em Vila União.

Fábia Branca dos Santos, que se envolveu com o movimento de resistência apesar da atitude inicial contrária do marido, disse que a casa dela tem 116 metros quadrados, com o quarto da filha sendo praticamente do tamanho do apartamento que a prefeitura que impor a ela e a sua família no condomínio construído na colônia Juliano Moreira, dentro do programa Minha Casa, Minha Vida.

— Fui estimulada a participar desta luta pelos idosos, que são muitos em nossa comunidade. Pensei…sou jovem, posso lutar por mim mesma e por esses idosos. E com isso acabei conseguindo o apoio de meu marido, que inicialmente era contra a minha participação – comentou ela.

E acrescentou ainda, bastante indignada:

— É uma covardia o que estão fazendo com a comunidade. A prefeitura falou com uma idosa o seguinte: “ou aceita o apartamento de 37,3 metros quadrados e pronto, ou vamos fazer uma avaliação com valor bem baixo para o seu imóvel”. Enfim, ou a senhora em questão aceita o “apertamento”, ou terá uma indenização muito baixa. O que eu considero uma covardia!

Já Divino Floriano Barbosa informou que há 18 anos mora na comunidade, não estando em nada disposto a mudar de moradia.

—Aqui temos colégio próximo, já conhecemos as coisas como funcionam. Meu imóvel tem 450 metros quadrados, a prefeitura vem e oferece estes míseros 37,3 metros quadrados. Impossível aceitar esta troca de bom grado. Além do mais, é tudo muito mal explicado. Na realidade eles não estão nos dando o imóvel na Juliano Moreira.  Parece que será uma venda. E se não pagarmos o financiamento oferecido, se atrasar por três meses este pagamento, por exemplo, o banco retomará o apartamento.  Acabaremos ficando na rua.

Ao final dos depoimentos, a ABI ofereceu aconselhamento, assistência jurídica, nas pessoas dos advogados Ralph Lichote e Roberto Monteiro de Pinho, tendo se mostrado também disposta a entrar em ação a representante da OAB-Mulher, Claudineia Lage. Mas é claro que a luta tem que ter apoio da mídia. E muita esperança e coragem.  Difícil lutar com poderes constituídos, ainda mais em tempos de Olimpíadas, quando tantos interesses econômicos estão em jogo. A luta da Vila União de Curicica é apenas uma entre várias outras que estão surgindo por conto da execução das obras que cobriram toda a superfície da cidade, em função dos Jogos, que sem dúvida alguma, assim como ocorreu com a Copa do Mundo, trarão lucros, oferta de novos empregos, estimularão a formação em novas profissões, como é o caso do turismo, hotelaria e guias de turismo.  Não há dúvida, um megaevento traz muita coisa de bom para a cidade que o sedia. Os resultados das mudanças efetuadas não serão temporários, mas permanentes. Até mesmo as descobertas arqueológicas, por causa das escavações, são uma benesse, pois estão relevando um Rio Antigo há muito tempo submerso, trazendo à tona uma nova face da velha história. Mas tudo tem que ser feito levando em conta as pessoas, homens mulheres e crianças. Ou seja, esta verdadeira a revolução urbana que é a reparação para uma Copa e para Jogos Olímpicos tem que ser feita respeitando os direitos dos cidadãos da cidade e do Estado do Rio de Janeiro. Há muito trabalho pela frente, portanto.

Para o movimento da Vila União de Curicica, que está de parabéns por sua mobilização…e também para Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI, já que, além de problemas civis, há muita violência hoje em dia no Brasil contra os jornalistas. Já não somos mais aquele povo cordial, pacífico, gentil, descrito por Sergio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil”… pois injustiça cansa. E os demandos existem, sempre existirão.

*Cecília Costa é jornalista e membro da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI