07/05/2021
Por Rogério Marques, conselheiro da ABI.
A quinta-feira, seis de maio, foi mais um dia triste para o Brasil. Pelo menos 25 pessoas foram mortas em uma ação da polícia na Favela do Jacarezinho, subúrbio carioca. Tudo faz crer que foi mais um massacre, mais uma chacina, um ato de extermínio entre tantos que têm acontecido nas favelas e comunidades pobres do Rio de Janeiro.
Sei que nesses tempos de ódio que vivemos muita gente deve estar comemorando, porque 24 mortos são acusados pela polícia de serem bandidos. Um policial também morreu.
Os números dessa tragédia são os de um país em guerra civil. A questão não é se os acusados estavam recrutando para o tráfico crianças de até 12 anos, como diz a polícia, mas a existência de crianças de 12 anos a serem recrutadas. Esta é a raiz da tragédia.
Fui criança e adolescente em um bairro próximo, o Rocha. Naquela época, até o final dos anos 60, praticamente não havia violência urbana no Rio e em outras cidades brasileiras. Conheci várias favelas daquela região, estive em várias — Mangueira, Sampaio, Matriz, São João e a extinta Favela do Esqueleto, onde atualmente ficam os prédios da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Naquela época podia-se entrar nessas comunidades sem qualquer problema, para visitar alguém, tomar uma cerveja, ir a um samba ou mesmo comprar um baseado, quando traficantes usavam no máximo, discretamente, um velho 38 na cintura, por baixo da camisa.
Na escola pública em que estudei o antigo curso primário, a José Veríssimo, havia alunos de favelas próximas. Aquelas crianças tinham mais dificuldades do que as da classe média baixa para atingir seus objetivos, cursar uma escola técnica ou uma universidade. Mas isso era possível, muito mais do que hoje.
Por que no espaço de 50 anos tudo mudou? Por que a violência aumentou tanto em todo o Brasil? As pessoas que comemoram a matança desta quinta-feira certamente não associam isso à falta de reformas estruturais, chamadas de reformas de base pelo presidente João Goulart. Aquele que foi deposto pelo golpe civil-militar de 1964 justamente porque queria fazer aquelas reformas para tornar este país mais justo, menos desigual.
Sem reforma agrária, sem terra para plantar, sem escolas, hospitais, empregos, multidões deixaram o interior, principalmente o do Nordeste, e se deslocaram para os grandes centros em busca de trabalho. Faziam parte da mão de obra barata que foi se instalando nas favelas — operários da construção civil, porteiros de edifícios, lavadeiras, balconistas, babás, empregadas domésticas. As favelas dos anos 60 viraram “complexos”, ou bairros-favelas. E tudo foi piorando, ao longo de décadas, para essas pessoas e seus filhos, sem boas creches, bons colégios, serviços de saúde. Tudo só piorou.
É impressionante como grande parte da população brasileira não associa a violência atual aos problemas sociais agravados cada vez mais devido às atitudes de uma classe dominante perversa, egoísta.
Pior: amplos setores da classe média baixa têm sido cooptados para uma visão excludente, que discrimina os mais pobres e considera matanças como a de hoje algo normal e necessário.
A chegada ao poder do defensor da tortura e do extermínio que hoje ocupa o Palácio do Planalto é reflexo de tudo isso.
O massacre do Jacarezinho precisa ser rigorosamente apurado. Mas além disso é preciso que o Brasil entenda que a paz que todos queremos está associada à justiça social. A exclusão e a política de extermínio dos jovens das favelas e periferias, principalmente jovens negros, só nos tem levado à paz dos cemitérios. Não importa quais sejam os pretextos para as políticas de extermínio.